
Carlos Vicens foi uma das contratações surpresas da temporada. António Salvador queria apostar num técnico estrangeiro para suceder a Carlos Carvalhal no Braga e que ao mesmo tempo fosse uma jovem promessa. Francesco Farioli foi o primeiro grande sonho, sendo que Raúl González também foi especulado. Contudo, a escolha recaiu num dos assistentes de Pep Guardiola no Manchester City.
A opção foi algo estranha, até porque o espanhol estava longe de ser o principal adjunto do emblema do Etihad, posto que era de Juanma Lillo, que também deixou o quadro do conjunto inglês no verão de 2025. Carlos Vicens bebeu muito de Pep Guardiola e transformou-se num especialista do futebol inglês, mas mantinha-se uma incógnita. A sua última experiência como treinador principal sénior remontava a 2014/15, no modesto Santanyí, clube das Baleares, de onde é natural o atual técnico do Braga.
No fundo, o seu ponto forte e cartão de visita era mesmo a relação com Pep Guardiola. António Salvador tinha assim o seu nome distinto, que poderia começar uma nova etapa pela Pedreira, na busca de tentar aproximar o Braga dos Três Grandes. Carlos Carvalhal (que sucedeu a Miguel Cardoso logo no começo de 2024/25) não o conseguiu fazer e foi criticado pelos adeptos, que exigiram algo diferente.

Carlos Vicens desde o primeiro minuto tentou impor o seu estilo, ainda que alguns jogadores não estejam talhados para o mesmo. O Braga apresenta uma insistência no jogo interior, com uma construção demasiado trabalhada no começo das jogadas. Contudo, o processo defensivo e a falta de desequilibradores têm sido dois problemas. Há dois grandes vencedores da aposta no espanhol: Leonardo Lelo e Sandro Vidigal. O primeiro está a ser o melhor lateral esquerdo em Portugal desde o começo da época, enquanto que o segundo conquistou um lugar no plantel principal e deverá ser várias vezes titular até ao final da época. Rodrigo Zalazar também tem tudo para conseguir dar o salto no final esta época.
Contudo, estamos a chegar ao final e setembro e o Braga, num plano de grupo, ainda não impressionou ninguém. Os minhotos conseguiram chegar à fase de liga da Europa League, cumprindo um trajeto já esperado, já que os arsenalistas eram uma das melhores equipas dentro das que ainda não estavam diretamente qualificadas para esta fase. Na Primeira Liga, o sétimo lugar é muito curto para as expectativas. Duas vitórias, dois empates e uma derrota em cinco jornadas não é um registo positivo, até mesmo pela qualidade dos adversários. O Braga é obrigatoriamente favorito contra Tondela, Alverca, AVS SAD, Rio Ave e Gil Vicente. As próximas semanas prometem não ser fáceis para Carlos Vicens, com a participação na Europa League, o Dérbi Minhoto (o Vitória SC também está abaixo das expectativas) e uma ida a Alvalade, antes da pausa para as seleções.
O técnico também não se pode queixar do mercado, já que o investimento foi pesado, o maior da história dos guerreiros. Não se perderam nomes importantes, à exceção de Roger Fernandes. Roberto Fernández e Matheus não entravam nos planos do Braga e Ismael Gharbi queria sair (embora com Vicens tivesse a possibilidade de contar com algum protagonismo).

Foram investidos 28 milhões de euros em jogadores que alegadamente vieram para ser titulares e com um período de integração mínimo. Pau Víctor e Mario Dorgeles têm tudo para fazer a diferença em Portugal. Fran Navarro já provou na Primeira Liga que é goleador, enquanto que Gustaf Lagerbielke pode assumir a chefia da defesa. Leonardo Lelo foi uma oportunidade de mercado única e será o dono e senhor do lugar na lateral esquerda. Florian Grillitsch veio entregar ainda mais experiência ao meio campo, com muitos anos de Bundesliga, apesar de vir de um meio ano perdido no Real Valladolid. Gabriel Moscardo procura valorizar-se para Luis Enrique ver. Foi praticamente o mercado perfeito por parte de António Salvador, pelo menos no papel. O plantel é bastante completo e permite a aplicação de vários sistemas táticos, com diversos jogadores a poderem efetuar várias nuances dentro do próprio sistema.
Carlos Vicens tem sido criticado, mas a direção deverá dar-lhe mais tempo, já que falamos de um projeto a longo prazo, que conta como objetivo final atingir a luta constante pelo top 3. O espanhol, em termos de nome, é uma lufada de ar fresco no futebol português, já que poucos ou nenhuns adeptos o conheciam. Cada ano que passa exige-se (algo que não é exclusivo aos aficionados do Braga, longe disso) a aposta em treinadores deste estilo ou que se olhe para os escalões secundários, de onde vieram técnicos como Tiago Margarido, Vasco Botelho da Costa, Vasco Matos ou João Pereira, todos destinados a terem um futuro ao nível nacional e internacional. Todos eles, com estilos diferentes.
O comum adepto cansou-se dos treinadores ‘mais batidos’, como José Mota, Lito Vidigal, Jorge Simão, Fernando Santos ou José Peseiro (estes dois últimos com outro peso), associados (às vezes de forma injusta) a insucessos e a projetos que geralmente estão envolvidos em lutas pela manutenção.

António Salvador seguramente tinha a possibilidade de trazer um nome conhecedor do futebol português, mas é por demais evidente que não o quis fazer. No entanto, o dirigente saberá que tem que dar margem de manobra a Carlos Vicens, se quiser ser coerente. O ano passado ficou marcado pelo despedimento de Miguel Cardoso, uma fase em que a maioria dos aficionados ainda estava a desfrutar das suas férias de verão. 2025/26 será diferente, mesmo que o resultado no fim seja igual, com o habitual quarto posto. Ainda assim, a concorrência promete ser forte, com alguns oponentes inesperados.
Carlos Vicens junta-se assim à famosa árvore genealógica de Marcelo Bielsa. Todos os apaixonados pelo futebol já viram tal imagem. A mesma conta com vários ramos, como ‘filhos’ do argentino: Diego Simeone, Maurício Pochettino, Gerardo Martíno, Maurício Pellegrino, Lionel Scaloni, Jorge Sampaoli, Marcelo Gallardo, Matías Almeyda, Hernán Crespo e por último Pep Guardiola. O espanhol nunca trabalhou diretamente com Marcelo Bielsa, mas é um devoto dos seus ensinamentos, tal como centenas de outras personalidades do futebol.
Pep Guardiola tem o seu próprio ramo a crescer. Há vários técnicos que foram influenciados pelo antigo médio: Xavi Hernández, Mikel Arteta, Erik ten Hag, Xabi Alonso, Vincent Kompany, Luis Enrique, Enzo Maresca, Cesc Fàbregas, Domènec Torrent e agora Carlos Vicens.

Neste lote de treinadores vemos nomes de sucesso, que estão entre os melhores do mundo, mas também técnicos que estão desacreditados, sendo certo que este grupo vai aumentar num futuro próximo.
Luis Enrique é para muitos o melhor técnico do mundo, levando o PSG à glória, evitando a contratação de grandes nomes, como era apanágio dos gauleses. Xabi Alonso colocou um ponto final na hegemonia do Bayern Munique, fazendo jogadores crescer à volta do seu estilo. Mikel Arteta estabeleceu-se como o grande sucessor de Arsène Wenger, enquanto que Enzo Maresca trouxe estabilidade ao cargo de treinador do Chelsea. Por sua vez, Erik tem Hag não conseguiu o sucesso no Manchester United e foi criticado durante meses. Domènec Torrent sequer conseguiu manter o Flamengo no nível deixado por Jorge Jesus no Flamengo. Xavi Hernández ainda é uma incógnita, apesar do sucesso no Barcelona.
Ainda é cedo para percebermos de que lado Carlos Vicens está. Porém, ser um dos tutorados de Pep Guardiola tem um peso que muitos não conseguem carregar. Conclusão: nem sempre ter um bom professor faz com que o aluno consiga ser o melhor da turma. O esforço é individual e o talento de cada um, não passa de mãos em mãos. Ou nasce connosco, ou temos que o trabalhar.
O Braga é sem dúvida um dos projetos a acompanhar esta época, porque tem um plantel interessante e conta com um técnico fora da caixa. Ainda assim, o caminho para o sucesso é uma incógnita e o grande interesse é ver como Carlos Vicens consegue guiar este exército até à vitória, sabendo que semanalmente vão existir duras batalhas.
