«Acredito que tenha feito o meu melhor futebol a jogar em Portugal no Vitória SC» – Entrevista BnR com Bruno Teles

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    Bruno Teles foi jogador, atuou em Portugal e esteve à conversa com o Bola na Rede. O defesa esquerdo de 38 anos representou cinco clubes em Portugal e, nesta entrevista, abordou a sua trajetória enquanto jogador e deu-nos a conhecer os projetos que desenvolve atualmente. Um exclusivo Bola na Rede.

    «Apareceu logo uma porta muito grande, que é a do Vitória SC».

    Bruno Teles, ex-jogador de futebol

    Bola na Rede: Bruno Teles, antes de mais, obrigado pela disponibilidade para falar conosco. Antes de falar daquilo que o Bruno tem feito agora, queria recordar um pouco a sua carreira. O Bruno sai de casa aos 13 anos para ir para a base do Goiás e depois estreia no profissional com o Grémio em 2006. Como foi esta fase inicial da sua carreira?

    Bruno Teles: A maior dificuldade no inicio é a saudade da família e depois adaptação a um novo contexto, uma nova cidade, um novo estilo de vida. Assimilar que realmente vai ser um esforço tremendo em busca de um sonho tão distante ainda. A saudade e a difícil adaptação são os principais desafios de um miúdo com treze anos que está cheio de sonhos e que deseja tornar-se um dia um atleta profissional.

    Bola na Rede: Seguiram-se três empréstimos à Portuguesa, ao Sport e à Juventude e em 2010 vem para Portugal, para jogar no Vitória. Como surgiu esta oportunidade de vir jogar para Portugal?

    Bruno Teles: Quando eu estava no Grémio, tive uma lesão séria no joelho, no ligamento cruzado anterior, tive de ficar sete meses sem jogar e quando retornei, demorei a recuperar a minha forma. Uma lesão não é o fim de carreira de um atleta, mas é um atraso muito grande. E eu vinha de uma sequência muito positiva, já tinha propostas de um clube alemão praticamente concretizadas e de repente aquela lesão atrasou-me um bocado. Tive esses empréstimos, não consegui jogar o meu melhor futebol e depois encerrou-se o meu contrato no Grémio e apareceu a oportunidade de ir jogar para Portugal. Apareceu logo uma porta muito grande, que é a do Vitória SC, que foi onde eu consegui recuperar realmente a minha forma, recuperar o meu melhor futebol, ter um certo destaque, que depois me levou para o futebol russo.

    Bola na Rede: Quando atingiu o maior nível do seu futebol surgiu esta experiência na Rússia, de jogar no Krylya Sovetov. Como foi a adaptação ao futebol russo e acima de tudo a viver na Rússia?

    Bruno Teles: Um novo contexto, bem diferente daquilo a que eu estava habituado. Portugal é uma “ponte” para a Europa. Para aquilo que os brasileiros enfrentam quando vêm para a Europa, Portugal é sensacional. A mesma língua, a culinária é incrível, as pessoas são acolhedoras e faz com que nós nos sintamos em casa. Para a Rússia já foi um desafio bem diferente. A língua foi um dos principais problemas, pelo menos no início. Eu digo que aprendi mais o inglês do que o russo. Muitos estrangeiros e acabamos por desenvolver mais o inglês para nos comunicarmos do que o russo, que foi só o básico do jogo, do dia a dia do futebol. O frio, que é realmente um frio de verdade, frio de doer. E a distância também, para o Brasil e para Portugal. Esses eram os principais entraves. A minha família foi comigo depois, mas era sempre muito difícil cada viagem. Mas é uma adaptação totalmente nova. Mas confesso que em alguns momentos até sinto saudade depois de três aninhos lá, a gente deixa boas amizades e sentimos saudades um bocadinho de tudo.

    «Aqui no Brasil, todos nós sabemos que a instabilidade é maior»

    Bruno Teles, ex-jogador de futebol

    Bola na Rede: Depois o Bruno regressa ao Brasil, para jogar no Vasco. Acabou por não se estrear. Este regresso ao Brasil, já era com ideia de terminar por lá a carreira? Estava à espera que esta experiência fosse tão curta? Já que acabou por regressar a Portugal em 2017.

    Bruno Teles: Aqui, no Brasil, todos nós sabemos que a instabilidade é um pouquinho maior do que na Europa em si. A paciência do adepto, a paciência dos dirigentes não só com jogadores, mas também com treinadores é muito difícil. Vimos aqui treinadores portugueses a ficar quatro, cinco jogos no cargo de uma equipa e ser mandado embora. Aqui não se tem essa paciência, é algo que todos os que vêm para cá falam. O próprio Abel (Ferreira), é um dos poucos que conquistaram essa longevidade no futebol brasileiro. E para o jogador de futebol é a mesma coisa. Dois, três jogos em que você perde um pouco da sua performance a paciência do adepto e dos dirigentes também já se esgota e tem uma rotatividade muito alta. E nesse ano e meio que estive no Brasil, fiquei em três clubes. Estive no Vasco, que era um sonho de criança, e quando fui para lá, fui naquela expectativa de realização de um sonho, jogar no clube do meu pai e isso não aconteceu, então aí já tive vbuma certa frustração. Logo em seguida, fui para o Mogi Mirim, do campeonato Paulista. É o regional mais forte do Brasil: Palmeiras, São Paulo, Santos, Corinthians. Eu acredito que é mais forte do que a segunda liga do Brasil, é muito competitivo e foi uma boa oportunidade para depois relançar novamente a minha carreira depois de ter saído da Rússia. Estava já um tempo sem jogar no Vasco, precisava aparecer. Só que são “tiros curtos”, campeonatos de três, quatro meses e logo em seguida apareceu o convite do América Mineiro, onde fui disputar novamente a Série A, porém as coisas não correram bem para o clube, também não correram bem para mim e decidi junto com a minha família retornar a Portugal que era onde eu tive mais estabilidade, onde eu tive mais paz para poder trabalhar e a minha família também está “quieta” numa cidade, sem andar naquela mudança constante que nos incomodava.

    Fonte: Vitória SC

    Bola na Rede: Na segunda passagem por Portugal, o Bruno teve épocas de qualidade no Rio Ave, no Paços de Ferreira, na Académica e no Chaves. Quão difícil foi terminar a carreira devido a uma lesão?

    Bruno Teles: É sempre difícil, emocionalmente falando. É uma decisão muito complicada, mas quando eu tomei, tomei de consciência tranquila, de que tinha feito o meu melhor para poder me recuperar da lesão. E coloquei como prioridade a minha saúde e a minha família. Foi um momento de muito stress, realmente. Eu tentava de todas as formas recuperar, para poder ajudar o Chaves a poder concretizar o objetivo da subida que aconteceu depois. Fiz parte, e no início da época joguei ainda alguns jogos e já fiquei muito feliz por isso. E acho que foi a melhor decisão que poderia tomar naquele momento, porque realmente a parte física já não conseguia corresponder ao mental. Sempre fui muito forte mentalmente, mas realmente quando o físico não responde é algo que coloca em risco a nossa saúde, e eu preferi dar um ponto final na carreira que já tinha sido de 16 anos e recomeçar a minha vida de outra forma.

    Bola na Rede: Em Portugal foram perto de 200 jogos, para além dessa estabilidade que já falou, o que é que sente que Portugal lhe deu a nível profissional e pessoal?

    Bruno Teles: Fui muito feliz em Portugal, sinto muito a falta do estilo de vida de Portugal. Portugal deu-me visibilidade, Portugal deu-me paz, uma paz que transcende em relação a poder trabalhar de cabeça tranquila. No futebol a gente nunca sabe o dia de amanhã, mas em Portugal eu sentia que mesmo que não estivesse num bom momento e que as coisas não iriam mudar tão rapidamente como acontecia no Brasil. E ter essa estabilidade era muito importante para mim. Adaptei-me bem, é um estilo de jogo que eu acho que condiz com o meu perfil de atleta. Em todos os clube em que estive, tive bons momentos e acredito que realmente tenha feito o meu melhor futebol a jogar em Portugal e principalmente no Vitória SC.

    Bola na Rede: Não podia deixar de perguntar, se pudesse escolher só um jogador, quem foi o melhor jogador com quem teve oportunidade de jogar cá em Portugal?

    Bruno Teles: Eu gostava muito do Nuno Assis. Eu admirava muito a forma como ele jogava, a classe, a calma, a técnica, a visão de jogo, a inteligência. Gostava muito de joga ao lado do Nuno, e também posso citar um outro que é o Rúben Ribeiro, que é um craque de bola, que poderia ter chegado ainda muito mais longe do que ele chegou, da belíssima carreira que construiu. Mas era, realmente, um “gajo” que era muito fácil de jogar com ele, parece que nos entendíamos no pensamento, antecipava muito bem aquilo que seriam as jogadas ofensivas e é um grande amigo, até hoje sigo falando com ele.

    «Eu me sinto orgulhoso da carreira que eu construí, tendo em conta tudo o que eu passei, as dificuldades, e principalmente as lesões»

    Bruno Teles, ex-jogador de futebol

    Bola na Rede: Jogou em grandes clubes no Brasil, várias épocas na Europa, conquistou três títulos. Ao olhar para trás fica satisfeito com a carreira que teve ou sente que ficou alguma coisa por fazer?

    Bruno Teles: Sinto-me orgulhoso da carreira que eu construí, visto de onde eu saí, tudo o que eu passei, as dificuldade, e principalmente as lesões. Sempre tive problema muito grave na vista, meu olho direito tem praticamente metade da visão e eu não conseguia usar lentes, então para mim jogos à noite sempre foi muito difícil, e além de tudo isso duas lesões no joelho, depois veio a questão da coluna, muitas lesões musculares. Por tudo isso, ainda consegui jogar em alto nível em clubes como o Vitória SC, como o Grémio, como o Krylya Sovetov que é um clube muito tradicional na Rússia. Então eu sinto-me orgulhoso. Lógico que gostava de ter ido mais longe, e é por isso que hoje eu faço esse trabalho de treino mental com os atletas, porque eu sei que se eu tivesse alguém do meu lado no início, eu teria tomado decisões diferentes que seriam mais assertivas, para ter uma performance melhor, e uma longevidade maior no futebol de alto nível, que é muito exigente mentalmente, e por vezes acabamos por fazer escolhas que nos prejudicam durante essa jornada.

    Bola na Rede: Agora o Bruno tem um projeto de mental coaching, em que é que consiste este projeto de ser um mentor de jovens jogadores? O que é que este projeto lhe tem dado a si?

    Bruno Teles: Para ser bem sucinto e bem direto, para ajudar o atleta a ter performance. Quando o atleta tem performance, ele sente-se mais feliz, mais realizado, ele conquista contratos melhores, ele consegue ajudar mais a sua família. O grande objetivo de muitos atletas é realmente, além de se sentir bem, conquistar a fama, é de também poder ajudar aqueles que necessitam, principalmente os seus familiares e ele jogando bem, ele com performance, ele vai conseguir. Mas para essa performance, é preciso ajustar algumas coisas na parte mental: disciplina, dedicação, foco. Hoje em dia a malta está muito desfocada daquilo que realmente importa. E esse é o meu papel hoje como mentor. Eu fiz alguns cursos de coaching, tenho estudado muito sobre como funciona essa parte mental principalmente do atleta, desenvolvimento humano. Mas o mais importante de tudo isso são as experiências que tive ao longo de todos esses anos, mais de 25 anos no meio do futebol profissional e de formação, que me possibilitam a ajudar esses meninos, orientando, ensinando, mostrando a eles ferramentas que os vão ajudar a ter uma inteligência emocional para poder decernir as suas emoções. Eu digo que inteligência emocional é ter a emoção certa, no contexto certo na intensidade certa. Todas as emoções são plausíveis e estão corretas, há algumas mais positivas, outras nem tanto, porém se usadas na forma certa no contexto certo e na intensidade certa, o atleta e o ser humano consegue tomar decisões mais assertivas que vão proporcionar que ele tenha melhor performance e consequentemente tenha melhores resultados.

    Bola na Rede: Depois o Bruno tem a academia de futebol “Campeão” da qual foi fundador e é também treinador. Queria perguntar se vamos ver o Bruno a fazer carreira como treinador, ou é algo só mais momentâneo e que lhe está a dar este gosto.

    Bruno Teles: Como treinador de clube, nunca tive vontade. O mister Vítor Oliveira, que Deus o tenha, foi um dos grandes incentivadores para isso. Eu tirei o curso em Portugal enquanto estava no Paços por influência dele e recomendo a todos os atletas, façam o nível B, o nível C, para que vocês tenham outro entendimento do jogo e para que percebam melhor as decisões do mister. O jogador de futebol pensa que é tudo pessoal, tem alguma coisa contra mim, não, às vezes é realmente uma decisão em prol da equipa, e muitos atletas não conseguem perceber isso. O curso de treinador ajudou-me muito nesse sentido, a perceber melhor o jogo e a perceber melhor as decisões do treinador. Mas nunca tive esse sonho, essa vontade de ser treinador de um clube. Porém aqui o Brasil, ao começar aqui as mentorias, é tudo via Zoom, eu atendo jogadores de Portugal, do Brasil, da Tailândia. Mas o jogador está habituado ao habitat natural do jogo, de estar livre e isso começou a incomodar-me um bocadinho. Então, foi uma forma de ajudar os miúdos que estão aqui na minha região, a se desenvolverem, passando essa experiência como jogador, e também para mim, poder estar fora de casa, sentir o cheiro da relva, manter a minha forma física que também faz muito bem. E aí nasceu a Academia Futebol Campeão, hoje é uma escolinha de futebol. Também temos essa parte de treino especifico em que eu estou à frente, temos o Futsal, que é algo que estimula muitos aspetos técnicos que depois se conseguem levar para dentro de campo. E aí também a vertente da mentoria, que eu faço aqui durante a maior parte do tempo, durante a manhã para conciliar também com a Academia Futebol Campeão.

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