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«É preciso que se consiga assumir e aceitar que o árbitro é um ser humano como qualquer outro e que erra como qualquer outro» – Entrevista Bola na Rede a Catarina Campos

Catarina Campos será um nome que aparecerá em todos os livros de história da arbitragem portuguesa. Nunca uma mulher antes de Catarina havia chegado tão longe na Europa no jogo delas e tão alto em Portugal no jogo deles. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e mudam-se, acima de tudo, as necessidades garante a árbitra. Ao Bola na Rede, Catarina Campos apresenta-se como uma decisora e fala nos meandros da arbitragem num país que aparenta gostar tanto dela como as horas envoltas na sua discussão sugerem. A entrevista foi realizada à margem do Portugal Football Summit.

«O crescimento da arbitragem feminina em Portugal foi uma necessidade que surgiu daquilo que é o próprio crescimento do futebol feminino».

Catarina Campos
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Bola na Rede: Já se sente uma inspiração para muitas meninas que sonham em ser árbitras?

Catarina Campos: Espero que sim. Espero poder ser efetivamente uma referência, não só para as colegas que possam vir a ser árbitras no futuro, mas também para as colegas que atualmente já são árbitras e possam ver na minha carreira um exemplo de superação e ascensão, e possam ambicionar e sonhar com esses patamares e palcos. Precisamos de continuar a ter pessoas que acreditem na arbitragem e que continuem a evoluir para que possam, num futuro muito próximo, representar Portugal nos grandes palcos internacionais.

Bola na Rede: Como encara o crescimento da arbitragem feminina em Portugal e no estrangeiro?

Catarina Campos: O crescimento da arbitragem feminina em Portugal foi uma necessidade que surgiu daquilo que é o próprio crescimento do futebol feminino. A Federação Portuguesa de Futebol tem feito um grande investimento no crescimento do futebol feminino e a arbitragem não poderia não acompanhar esse mesmo crescimento. Temos de evoluir em conjunto. Essa evolução tem sido notória, com cada vez mais e melhores condições de trabalho para que possamos desenvolver as nossas competências. O caminho é entusiasmante, quero acreditar nisso. A minha carreira não será muito longa, já estou nos anos finais, mas quero acreditar que o futuro para as que vêm a seguir a mim será muito promissor.

Bola na Rede: Que objetivos ainda tem para a carreira quando ainda faltam alguns anos pela frente?

Catarina Campos: Desde que tirei o curso de árbitra que tracei, com muita ambição, objetivos bem definidos para o que seria a minha carreira. Felizmente, alcancei grande parte deles. Tinha o sonho de ser árbitra internacional, era o meu objetivo representar o meu país nos palcos internacionais. A ascensão em 2023 à elite acabou por ser um marco fantástico para mim e um realizar de um objetivo de carreira. Estive presente no Europeu e já estive em competições masculinas de futebol profissional, portanto tenho alcançado coisas marcantes para mim e para as minhas ambições. Estou na pré-seleção para poder estar presente no Mundial 2027. A lista final só será conhecida daqui a sensivelmente um ano e mantenho esperança de estar presente nessa grande competição. Se não fosse possível e tivesse de terminar a minha carreira hoje, sairia muito orgulhosa por tudo o que já dei à arbitragem. Extremamente feliz e orgulhosa deste percurso.

«Fui a primeira e espero que não tenha sido apenas para ficar na história».

Catarina Campos
Catarina Campos Árbitra
Fonte: FPF

Bola na Rede: Sobre o Europeu neste verão, duas perguntas. Primeiro, como se sente ao arbitrar jogos com tanta gente num Europeu que bateu recordes de audiências e público nas bancadas. Por outro lado, como foram a preparação, os estágios, o trabalho em equipa técnica e a sensação de levar a bandeira portuguesa ao estrangeiro?

Catarina Campos: É um enorme orgulho poder representar Portugal numa grande competição como é o Europeu Feminino. Foi a primeira vez que uma árbitra portuguesa esteve na fase final de um Europeu Feminino e, obviamente, enche-me de orgulho poder ser a pessoa que levou essa bandeira. A preparação foi exaustiva. Começa sensivelmente dois anos antes, quando estamos ainda na possibilidade desse caminho e não foi só minha, mas de toda a equipa que me acompanhou. Levei duas assistentes comigo que trabalham regularmente comigo nos palcos internacionais. Foi uma preparação ao nível do desempenho e das performances nos jogos europeus. Depois, um mês antes de integrarmos o estágio do Europeu, quando já sabíamos que íamos, exigiu uma grande preparação a nível físico para estarmos disponíveis para responder às exigências. Lá, a sensação é fantástica de poder estar no grupo de 12 selecionadas para ir à fase final. Numa fase inicial, tivemos uma semana de muita aprendizagem, com a introdução das alterações às leis que já tivemos de aplicar nesse Europeu. Muito trabalho feito pelas árbitras com o comité da UEFA para que a competição corresse da melhor forma possível. Foi um enorme sucesso este Europeu, bateu recordes de audiência, foi o Europeu Feminino mais visto de sempre, com estádios sempre cheios. Tive o privilégio de arbitrar o jogo entre a Dinamarca e a Alemanha visto por 34 mil pessoas. Foi um dos jogos com maior audiência do Europeu. É algo que só nos pode encher de orgulho, a mim e a toda a classe da arbitragem feminina em Portugal.

Bola na Rede: É mais fácil arbitrar um jogo entre equipas estrangeiras, como os adeptos não têm grande conhecimento do árbitro?

Catarina Campos: Acho que não tem tanto a ver com isso, mas sim com a própria cultura desportiva. Obviamente, sabemos que não é fácil ser árbitro em Portugal. Existe muito pouca tolerância e até respeito do exterior e dos adeptos pela figura e pelo papel do árbitro. A nível internacional, sempre que há uma competição da UEFA, é diferente. Os próprios atletas a representar os clubes nas competições internacionais sentem essa responsabilidade, sobretudo nas seleções. Como estão a representar o país, têm de ser um exemplo para todos os jovens e o ambiente acaba por ser mais fácil, neste aspeto. Em termos de jogo, não há grandes diferenças entre um jogo internacional ou um jogo nas competições nacionais.

Bola na Rede: Têm sido também dados passos para a entrada da mulher árbitra no futebol masculino. Quais as diferenças na arbitragem e quão simbólico e importante são estes passos?

Catarina Campos: São passos ainda pequeninos. Nas competições profissionais masculinas foram dados só este ano, em 2025. Fui a primeira mulher a estar presente nessas competições, em fevereiro na Segunda Liga e em março na Primeira Liga. Quero acreditar que foi um abrir de portas e que, no futuro, mais colegas possam pisar com naturalidade esses palcos. Acho que é importante percebermos de uma vez por todas que a mulher árbitra ou o homem árbitro são árbitros a desempenhar um papel e uma função. Todos temos as mesmas competências, portanto estamos preparadas para encarar esses desafios com naturalidade. Fui a primeira e espero que não tenha sido apenas para ficar na história e que, no futuro, haja mais oportunidades para mim e para outras colegas.

Bola na Rede: Da parte dos jogadores, sentiu algum tipo de diferença?

Catarina Campos: Não. O jogador está focado em desempenhar o seu papel da melhor maneira possível, tal como o árbitro. Os jogadores vão para dentro de campo para disputar o jogo, para competir e para ganhar e nós vamos para dentro de campo para fazer o nosso trabalho da forma mais competente e imparcial possível dentro daquelas que são as nossas valências e do que é a preparação diária para assumir esse papel. Não sinto que seja mais ou menos respeitada ou aceite por ser mulher. No fundo, as dificuldades que passo enquanto mulher são as mesmas que passa qualquer árbitro no processo de muita intolerância que ainda há no desporto. Dentro de campo, não sinto essa não aceitação ou desrespeito por parte dos intervenientes. Os jogadores estão lá para fazer o seu jogo e esperar que a pessoa que esteja lá como decisor, seja um homem ou uma mulher, tome as melhores decisões possíveis no desenrolar do jogo.

«O árbitro é o decisor e temos, em média, 200 ou mais decisões por jogo. Dessas 200 ou mais, cerca de 97% acertamos».

Catarina Campos
Árbitra Catarina Campos
Fonte: Zito Delgado / Bola na Rede

Bola na Rede: O que pode ser feito para melhorar a cultura desportiva que falta em muitos adeptos em Portugal?

Catarina Campos: Não sei o que pode ser feito. Efetivamente, a cultura desportiva não afeta só os árbitros, mas tudo. A nossa forma de viver o futebol em Portugal é sempre muito efusiva, muito intensa. Quando isso mexe com questões de segurança, quando envolve confrontos, conflitos, agressões a árbitros que acontecem muito frequentemente nos campeonatos distritais também por falta de policiamento estrutural, num nível que a arbitragem não pode controlar, agrava-se. É importante que algo seja feito e que seja pensado para haver maior tolerância e respeito pelo papel do árbitro. Que as pessoas percebam de uma vez por todas que estamos lá dentro para dar o nosso melhor. Gostamos realmente daquilo que fazemos e queremos ser o mais comprometidos e competentes dentro de campo. Ninguém mais do que o árbitro quer acertar no jogo. Assisti à conferência do presidente do Comité de Arbitragem da UEFA, o [Roberto] Rosetti, que dizia exatamente isso. O árbitro é o decisor e temos, em média, 200 ou mais decisões por jogo. Dessas 200 ou mais, cerca de 97% acertamos. Quando cometemos um erro, as pessoas só conseguem ver e focar-se nesse erro e acham sempre que tem algo premeditado e parcial. É preciso, de uma vez por todas, que se consiga assumir e aceitar que o árbitro é um ser humano como qualquer outro e que erra como qualquer outro.

Bola na Rede: Tem-se assistido por parte dos principais clubes em Portugal críticas à arbitragem, vídeos contra a arbitragem, comunicados sobre a arbitragem. São estes os principais responsáveis e quem mais facilmente poderá mudar o panorama?

Catarina Campos: Não quero entrar por aí. Não é um assunto que me compete responder. É necessária uma reflexão de todos os intervenientes, mesmo da própria arbitragem, para perceber o que é possível fazer para conseguir, no futuro, angariar e reter mais árbitros. Precisamos muito deles.

Bola na Rede: São também mais frequentes as conferências de imprensa dos árbitros antes dos jogos. Esta abertura ao entendimento do lado do árbitro ou da árbitra é benéfica?

Catarina Campos: Acho que sim. É importante, acima de tudo, humanizar o papel do árbitro e mostrarmo-nos disponíveis, como estamos sempre, para falar abertamente da arbitragem e do nosso trabalho diário e mostrar às pessoas que trabalhamos muito e que somos muito competentes naquilo que fazemos.

Bola na Rede: O que falta fazer na arbitragem em Portugal e na arbitragem feminina para o crescimento dos últimos anos continuar?

Catarina Campos: É importante fazer-se, com urgência, o reconhecimento da carreira do árbitro como uma profissão e que se possam dar condições de trabalho eficazes aos árbitros. Estou a falar dos escalões mais baixos, porque aos níveis mais altos já há condições, mas não há ainda um contrato efetivo de trabalho. Será importante investir-se nisso para o futuro.

Diogo Ribeiro
Diogo Ribeirohttp://www.bolanarede.pt
O Diogo tem formação em Ciências da Comunicação, Jornalismo e 4-4-2 losango. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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