«Ganhei dois Euros com duas seleções diferentes» – Entrevista BnR com Zeca Rodrigues

    – Naturalização pela Seleção Grega –

    BnR: No Panathinaikos, eras utilizado com regularidade e a fazer boas exibições, embora não tenhas sido chamado à Seleção. Ninguém da Federação chegou a falar contigo para seres convocado? Pode ser um tema delicado de falar…

    ZR: Não, ninguém chegou a falar comigo e não é um tema delicado muito sinceramente, pois consigo ver e perceber que a qualidade de opções na seleção portuguesa era imensa. Acredito que podia ter tido uma oportunidade nessa altura, talvez ser chamado para um estágio para um particular, confesso que acredito que poderia ter sido chamado a certo ponto. Nunca aconteceu, não guardei mágoa e nem fiquei muito triste, não pensava nisso a toda a hora. Houve uma altura em que pensei que poderia acontecer, mas o tempo foi passando e eu sabia que já não ia acontecer. A qualidade na seleção continuava a crescer com novos jogadores, jovens com muito potencial e em grandes clubes. Também tens de tentar perceber em que situação é que estás e em que situação os outros estão e reconhecer que a qualidade era muita. Então isso não me faz sentir triste ou magoado com alguma coisa.

    BnR: Como surgiu a possibilidade em naturalizares-te como grego?

    ZR: Surgiu através de uma conversa com o presidente do Panathinaikos. Tinha uma relação muito boa com o presidente, e ele estava sempre a dizer “Vais ficar aqui para sempre, vais viver aqui” e pergunta por que não trato da minha naturalização. Eu disse “Não tenho problema nenhum. Posso naturalizar-me grego”. “Aí é? Então pronto!”. Passado umas semanas, ele liga-me e diz “Olha Zeca, preciso disto, disto e uns papéis para dar entrada para o passaporte”. Achei estranho e disse “A sério? Você está mesmo a falar a sério?”. “E tu não estavas a falar a sério?” pergunta ele. “Sempre achei que estava na brincadeira comigo” disse (risos). “Fica descansado que vou tratar de todas as coisas, vou colocar os papéis”, e assim aconteceu. Na altura, já conseguia falar bem grego, sentia-me como um deles, e quando o treinador da seleção grega, na altura era o alemão Michael Skibbe, se apercebeu que estava a tratar do passaporte, ligou-me e perguntou se podia tomar um café para conversar comigo. Nessa conversa, ele disse-me assim: “Tu estás a fazer o passaporte e nós queremos que tu jogues pela seleção. Tu queres Zeca?”. Respondi “Eu quero, se me derem essa oportunidade”. “Então vamos ajudar com o processo do passaporte, para que as coisas sejam mais rápidas e assim puderes jogar o mais rápido possível pela seleção grega”, e assim foi. Na altura, três semanas antes de receber o passaporte, a Grécia teve dois particulares na Austrália contra a seleção australiana, e o treinador fez um pedido à FIFA a ver se eu podia ir com o grupo e jogar, pois, o passaporte estava a sair, tinha passado no teste e só faltava isso, mas a FIFA não permitiu. Depois o passaporte veio e acabei por ser chamado à seleção. Foi um momento especial e único, saberes que não nasceste no país, mas as pessoas vêm-te como um grego, tratam-te bem e dão-te oportunidade de representar o país deles, e sinto que isso é das coisas mais bonitas que tu podes conseguir no futebol. O amor e carinho de um país que tanto querem que jogues pelo país deles.

    Fonte: Arquivo pessoal de Zeca

    BnR: O facto de teres aceitado o convite para representar a Grécia pode ser visto como uma forma de agradecimento por tudo o que fizeram por ti no Panathinaikos?

    ZR: Sim, representar a seleção grega, a partir do momento em passou a ser uma possibilidade, era uma forma de agradecer ao Panathinaikos, à Grécia e por incrível que pareça, eu sentia o carinho do povo porque até os adeptos do Olympiacos chegavam ao pé de mim e diziam “Eu sei que és do meu clube rival, mas eu olho para ti e vejo que dás tudo pela tua equipa. Gosto da tua forma de jogar, do teu caráter, da pessoa que és e do que demonstras”. Então aí já começavas a perceber que até os adeptos do clube rival gostavam de ti, e os gregos sempre foram espetaculares comigo. Eu tinha essa “dívida” para com eles, de tentar fazer com que se sentissem orgulhosos de mim por me terem deixado representar o país deles.

    BnR: A estreia foi frente a Bélgica. Que tal foi essa noite?

    ZR: Por acaso, foi uma noite tranquila (risos). Na noite antes dos jogos, é tranquilo pois sou um jogador que não fica a pensar como vai ser o jogo, confesso que levo as coisas de uma forma tranquila. O “problema” foi quando saímos para o jogo, ali começa a vir a adrenalina toda e não é fácil, mas como também já sabia que ia para o banco de suplentes e nem sabia se ia entrar, mas estava muito feliz por realizar um sonho de poder jogar por uma seleção, e ainda para mais poder jogar contra uma seleção forte para uma qualificação para o Euro, e ter a ideia de que poderia jogar um Europeu era incrível. Lembro-me da altura em que oiço o hino nacional grego e canto-o, tive o mesmo sentimento quando me estreei pelos sub-23 de Portugal a cantar o hino nacional português, arrepiei-me da mesma forma e senti as mesmas coisas. Na altura de estar a cantar o hino, lembrei-me do meu pai, que faleceu quando tinha 10 anos, e o quão orgulhoso ele estaria, e isso mexeu muito comigo e com as minhas emoções. Na altura em que acaba o hino, os meus colegas ficam perplexos a olhar para mim e dizem “Sabes cantar o hino?”, pois não estavam à espera de que eu conseguisse cantar o hino como eles. E foi por pouco que a minha estreia não foi vitoriosa, já que estivemos a ganhar até ao fim, mas acabamos por empatar frente a uma Bélgica fortíssima. Foi bom para nós, era a melhor a vitória, mas foi um bom resultado.   

    BnR: O primeiro golo pela seleção A helénica foi contra quem?

    ZR: Foi precisamente contra a Bélgica, no segundo jogo em Atenas. Estávamos a perder 0-1, e nessa altura o mister pôs-me a jogar a extremo direito, lembro-me que o Tzavelas tinha a bola na esquerda, e ele tem uma capacidade de cruzamento enorme. A Bélgica jogava em 3-5-2, e o Carrasco é que estava comigo, vejo o cruzamento a partir e antecipo-me a ele, remato de primeira de pé esquerdo e faço o golo ao Courtois.

    (Resumo do jogo: Golo aos 0:58)

    BnR: Uma alegria enorme não?

    ZR: Sim, e só me lembro realmente de correr, cair de joelhos e apontar para o céu. Pensei em toda a minha família e arrepiar-me todo, inclusivamente ter vontade de chorar. Acabamos por perder o jogo 1-2, mas foi um momento muito bom e posso dizer que sou um sortudo no Futebol, também acredito que faço por isso, mas sou um sortudo porque as coisas acontecem na hora certa e momento certo, isso faz com que seja ainda mais incrível.  

    BnR: A Grécia conquistou o Euro 2004 em Portugal. Existe alguma pressão dos adeptos para conseguirem voltar a repetir esse feito num futuro próximo?

    ZR: Não, não há qualquer tipo de pressão. A pressão que há é de qualificarmos para o Europeu e Mundial. Em relação a isso há pressão, mas para repetir a conquista do Euro não, e acredito que os próprios adeptos saibam que é muito complicado isso voltar a acontecer. E já que tocas nesse ponto do Euro 2004, posso confessar que sofri tanto quando cheguei à Grécia (risos). Os meus colegas tinham ganho, gozavam comigo e não gostava muito, tanto que ficava chateado.

    BnR: Doloroso para todos os portugueses falar nisso (risos).

    ZR: Perguntavam para me picar “Então Zeca, conta lá nesse dia, o que é que aconteceu? Como é que estavas quando acabou o jogo?”. Pedia sempre para me deixarem em paz, mas insistiam para falar desse jogo (risos). Agora, já não se fala tanto nisso, e às vezes quando estou na seleção e há conversas sobre Euros, e vem à conversa o de 2004, eu viro-me para eles e digo: “Epá, eu não sei quanto a vocês, mas eu ganhei dois Euros. Ganhei o de 2004 e o de 2016 com duas seleções diferentes, por isso estou melhor que vocês” e depois acaba ali a conversa pois desatam-se todos a rir (risos). Mas já não se fala tanto nisso, mas custou-me muito no início.

    BnR: Uma das coisas que gostas sempre de vincar é que, mesmo representado a Grécia, não deixas de ser português, apesar de haver pessoas que pensem o contrário certo?

    ZR: Claro, e não posso deixar de falar porque eu sou português, entendes? Há cerca de 7/8 meses, dei uma entrevista, e depois li uns comentários das pessoas a dizer que já não era mais português por ter optado jogar por outra seleção. Mas enganam-se, sou português, tenho uma filha portuguesa, o meu irmão é português, o meu pai era português, a minha mãe é africana, mas a minha vida foi passada em Portugal. Nasci em Portugal, sou português como os outros. Levo o país no coração para todo o lado que vou e tento fazer o melhor por Portugal e pela Grécia agora, pelos dois juntos. Não tive oportunidade de representar a minha seleção, mas não quer dizer que deixe de ser português ou seja menos português. E porque é que os portugueses tanto adoram o Pepe e o Deco? Lá está, são brasileiros que se sentem portugueses, não deixam de ser brasileiros, mas fizeram de tudo por Portugal. E cada vez que jogam dão o máximo por Portugal, mas não deixam de ser brasileiros. E é esse o meu caso também, tanto que em todas as entrevistas que dou na Grécia, os jornalistas costumam dizer que é o “grego português” sempre, e as pessoas sabem da minha ligação ao meu país e a ligação que tenho a eles.

    BnR: Deveria ser um motivo de orgulho ver um português que partiu tão jovem do nosso país e tem tido uma carreira de sucesso lá fora.

    ZR: Também acho que sim, deveriam estar orgulhosos por um português que venceu na vida. Teve um ano a jogar na Primeira Liga, foi para outro país, é adorado por um povo diferente, fez a carreira que fez e continua a fazer. Eu acho que as pessoas deveriam ter um motivo de orgulho, mas as que não tiverem cabe também a mim mudar a opinião delas.     

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    João Carlos Pereira segue os passos de Villas-Boas e é candidato à presidência do Marinhense

    João Carlos Pereira, treinador de futebol, oficializou esta sexta-feira...

    Zinédine Zidane a um passo de regressar ao ativo

    Zinédine Zidane vai ser o novo treinador do Bayern...

    Matheus Pereira, ex-Sporting, confessa que se tentou suicidar

    Matheus Pereira representou o Spoting e o Chaves, em...

    A incrível temporada do Brest

    O Stade Brestois (ou Brest) é um clube francês...
    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.