O globetrotter da tática – Entrevista a Eduardo Almeida

    BnR: Foram muitos os clubes portugueses pelos quais passou mas interessa-me bastante esta sua multiculturalidade tática, digamos assim. Já falámos de Hong Kong e Tanzânia mas há mais. Fale-nos um pouco dessa sua vivência nas diferentes realidades do futebol mundial.

    EA: De facto são todas realidades muito distintas: Hong Kong é uma cidade cosmopolita, onde há dinheiro mas não envolve muita paixão pela modalidade. Tínhamos excelentes condições para trabalhar, era inclusive, o melhor clube e sim, gostei de lá trabalhar e da cidade.

    Depois o oposto, que é a Tanzânia, onde não haviam quase condições de trabalho, uma realidade completamente diferente! Para perceberem, chegámos a fazer viagens de 18h, com animais selvagens à frente e a ter que parar o autocarro para eles passarem. Por outro lado, havia muita paixão, mesmo com pouco dinheiro. Com eles vivi o futebol na sua fase mais pura, na sua essência.

    A seguir, Malásia, que é Ásia, embora mais evoluída, mas com as suas limitações. Lá participei na abertura de uma academia, que até ali não existia e foi muito interessante. Dar a oportunidade a miúdos para praticarem e começarem com 10/11 anos e agora, alguns estão nas respetivas seleções. Ainda há pouco tempo, um deles, me enviou uma mensagem a dizer: “Mister eu vou à seleção”. Portanto, começámos um trabalho de base, juntamente com um trabalho de seniores e isso foi muito enriquecedor. Era no Norte da Malásia, onde a população é maioritariamente muçulmana e senti muitas diferenças culturais mas não houve qualquer problema. Na Tanzânia também senti mas era fifty fifty, ali era mais radical mas tenho alguma facilidade de adaptação também, e não tive, até hoje, quaisquer problemas.

    E novamente, ocorre outra grande mudança de ambiente, a Hungria. Surgiu através de um amigo que me indicou e também posso dizer que gostei muito. Era um clube pequeno, em que o presidente controlava tudo e as pessoas que lá trabalhavam eram uma família, como que uma aldeia, e acarinhavam-me muito. Eles recebem as pessoas incrivelmente bem, ganhei uma mini-família com quem mantenho sempre contacto. Em termos de futebol, já é muito bom, muito perto da Europa: rígidos, influência nórdica, físico em detrimento do tático, com um treino muito especializado, um pouco mais ao nosso estilo. Consegui introduzir algumas alterações e foi muito positivo.

    Em termos de experiência internacional, a última foi Laos, através de um ex-jogador que me indicou. A minha maior promoção são os jogadores que treino e chegam a outros clubes e acabam por me indicar. Apesar de já ter estado na Ásia, Laos tem uma cultura diferente, mais budista. É um país grande mas com pouca população, bastante seguro também mas pouco desenvolvido. Quanto ao futebol, o campeonato não é dos melhores, existem duas equipas boas, que era a minha, o Lane Xang Intra, e a Laotoyota, e mais uma vez, não era aquela paixão pela modalidade. Como costumo dizer, na Ásia pagam como profissionais e são amadores e noutros países, são profissionais e recebem como amadores.

    A que me marcou mais de todas foi, sem dúvida e por incrível que pareça, a Tanzânia, que em termos de trabalho tinha menos condições mas que me deu muita alegria. Se algum dia tiver de morar noutro país por opção, é lá!

    Fonte: Eduardo Almeida
    Fonte: Eduardo Almeida

    BnR:Vi uma entrevista em que disse que era conhecido por ter “experiência em equipas aflitas”. Como é que explica esse reconhecimento?

    EA: Posso dizer que só comecei uma época de início quando tive no Pinhalnovense. Como principal só comecei uma época, fiz uma equipa, a do Pinhalnovense da presente época mas só realizei 5 jogos e fui demitido sem nunca perder . Todas as outras comecei sempre a meio ou já na parte final dos campeonatos e sempre com o objetivo de ajudar as equipas. Tenho aceite todas as propostas e já tenho tido sucesso em algumas equipas, noutras nem tanto mas as dificuldades também fazem parte. No entanto, tenho tido mais sucesso que o contrário. Gosto quando tudo está mal, dá-me mais força para tentar apoiar e dar tudo, é isso que me satisfaz: sairmos de situações difíceis para depois podermos festejar. Uma manutenção, em situações como tenho apanhado algumas equipas, é um título. Não estou a dizer que não gosto de começar uma época e lutar por títulos mas nunca tive essa oportunidade até hoje. Nunca fui muito de falar de mim mas já que pergunta, a verdade é que já passei por quase todas as divisões, por várias realidades e tive que superar muitas situações, em vários pontos do mundo com culturas, métodos e jogadores muito distintos. Às vezes as coisas não correm bem e nem sempre é possível ter a família connosco e isso torna-nos mais completos como profissionais e pessoas e obriga-nos a dar a volta e a lutar para virar o rumo dos acontecimentos a nosso favor.

    BnR: Pegando na sua vasta experiência com as camadas mais jovens, diga-nos, que valores gosta de transmitir aos seus jogadores?

    EA: Os valores que eu transmito e com os quais trabalho em equipas séniores e com qualquer jogador são a seriedade, honestidade e entrega no trabalho. Dar o que temos e o que não temos e quem não o quiser fazer, não pode trabalhar no mesmo grupo que eu. Sou muito sincero e por vezes custa mas não consigo ter um jogador no plantel que eu sei que não conto com ele mas está ali porque me custa mandá-lo embora e é bom rapaz, isso não acontece!  Custa mais dizer uma vez que ele nunca irá jogar, do que estar todas as semanas a mentir. Sou frontal na vida e no futebol também o sou. Peço-lhes honestidade e trabalho no nosso caminho, independentemente do escalão, salário ou clube. Profissionalismo e rigor acima de tudo. Mas também tenho sempre a porta aberta para os jogadores e tento sempre ser amigo deles e ajudar no que for possível.

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