«Os jogos da AFC da Ásia foram sempre fora. Os dois portugueses que tínhamos fugiram para o Chipre» – Entrevista BnR a Paulo Meneses

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    Paulo Meneses foi jogador de futebol durante 14 anos e em nove clubes diferentes. Ao mesmo tempo que jogava profissionalmente, começou a carreira universitária para estudar Educação Física, em Viseu. Ainda enquanto jogador, começou a dar aulas de Educação Física até que, em 2010, entrou na FMH para estudar Ciências do Desporto, curso que viria a terminar em Madrid. Aos 31 anos, pendurou as botas e assumiu o papel de treinador na academia do Sporting. Desde então, foi analista na União de Leiria, trabalhando com Pedro Caixinha, e fez trabalhos similares na área, nomeadamente na seleção espanhola, onde trabalhou com Javier Miñano na equipa de Vicente Del Bosque. Depois do seu tempo como analista, seguiu a carreira de treinador, tendo já orientado clubes em Portugal, na Índia e, mais recentemente, no Líbano, onde teve a sua ultima experiencia até ao momento, e teve de lidar com o conflito em Israel. Com o objetivo de conhecer um pouco mais o seu testemunho, o Bola na Rede esteve à conversa com Paulo Meneses.

    «Se pudesse escolher preferia ficar em Portugal».

    Paulo Meneses, treinador de Futebol

    Bola Na Rede: Paulo Meneses, obrigado pelo tempo para esta entrevista. De que forma é que o seu percurso académico o ajudou na transição de jogador para treinador?

    Paulo Meneses: Há vários treinadores, como o Marco Silva, por exemplo, que não precisaram da vertente académica para se tornarem ótimos treinadores. Eu tive a oportunidade de estagiar com ele no Estoril e pude comprovar isso. Já o Ruben Amorim, por exemplo, mesmo sendo ex-jogador, fez a pós-graduação na qual o José Mourinho é um dos diretores, na Faculdade de Motricidade Humana. Existem vários casos, há ex-jogadores que optam por estudar e outros não. No meu caso, senti a necessidade de o fazer, para me preparar mais e melhor. A experiência que eu obtive enquanto jogador não me preparou suficientemente para aquilo que eu queria. Comecei ainda como jogador a preparar essa vertente, em Viseu, mas depois quando houve o boom de Mourinho em 2004, eu decidi estudar na mesma universidade que ele, a FMH. Não só por ele, mas também por pessoas como o Carlos Queiroz, o José Couceiro, o Jesualdo Ferreira, muitas outras referências que haviam estudado lá. A partir da FMH acabei por ir para Madrid, para o INEF e foi uma experiência brutal. Pude estagiar com o José Mourinho, no Real Madrid, com o Diego Simeone, no Atlético Madrid, e foi espectacular para completar a minha formação. Eu sei que a formação para treinador não precisa de passar sempre por estas etapas, pode não existir essa necessidade, pode ser através da capacidade autodidata de cada um, mas a verdade é que a minha experiência é esta. Na minha perspetiva, achei bastante importante toda a formação académica que tive. Esses estímulos e essa experiência que obtive, com pessoas como o Javier Minano ou o Fernando Mata, por exemplo, não têm preço.

    Bola Na Rede: De que forma é que a passagem por Espanha o enriqueceu?

    Paulo Meneses: Depois de ter feito Erasmus em Madrid, acabei por ficar lá a convite do Javier Miñano, para colaborar com ele na seleção espanhola. Como analista fazia vários estudos e abordagens a possíveis problemas a enfrentar pela equipa. Por exemplo, em 2013 e 2014, estudámos a problemática do clima que a Seleção iria ter de enfrentar na Taça das Confederações e no Mundial do Brasil. A temperatura e a humidade afetavam o rendimento dos jogadores e nós tínhamos de analisar essas condições e perceber de que forma poderíamos adaptar a equipa às condições impostas, nomeadamente no que diz respeito ao próprio centro de estágios. Também realizei estudos sobre a carga cognitiva que os jogadores poderiam ter em treino, fiz observações dos jogadores que poderiam ir à seleção, observava a forma como atuavam nos clubes e fazia relatórios sobre os seus desempenhos ao longo da época para depois se fazer a convocatória. Já no AD Alcorcón foram duas temporadas incríveis. Foi a etapa onde eu senti um crescimento abismal. Todo o contexto à minha volta, com tanta gente e tanta experiência ao meu redor senti mesmo algo brutal. Na altura ainda não tinha o nível de treinador então na foram-me dadas várias funções dentro do clube. Na primeira época até cheguei a ser treinador-adjunto em quatro equipas diferentes dentro do clube, desde a equipa B aos juniores. Na segunda temporada, para além dessas funções, fui também coordenador da metodologia do treino de toda a formação, foi algo incrível. Depois o clube foi comprado e maior parte dos funcionários acabou por sair, porque os novos donos acabaram por colocar lá pessoas da sua confiança.

    Bola na Rede: Como treinador principal onde é que teve a sua melhor experiência e de que forma é que avalia a sua passagem por lá?

    Paulo Meneses: Repara, por exemplo, no Sporting Ideal e no Aizawl FC, na Índia, como não eram clubes para disputar títulos, acabámos por fazer história, principalmente no Sporting Ideal. Tem que se dar mérito também a estes projetos. Na Índia, o Aizawl FC,  depois de ter sido campeão, quase descia nas temporadas seguintes, porque é um clube pequeno. É um clube pequeno que não tem dinheiro e vive muito da formação, percebes? Quando lá estive naquele ano ficámos em quinto, fomos finalistas do estadual e fizemos o que fizemos na Liga dos Campeões. Por outro lado, a única experiência que eu tive num clube para lutar por títulos foi no Al Nejmeh. Poder-se-ia considerar em sucesso se não ganhasse nenhum título até. O Al Nejmeh é o clube com mais fãs lá, com mais adeptos na liga, ainda assim, em termos de orçamento é o terceiro, mas as coisas correram muito bem. Qualificamo-nos em terceiro para a AFC da Ásia e ganhámos a Taça do Líbano, no primeiro ano. Depois, na época a seguir, ganhámos a Supertaça e tivemos um arranque na liga fabuloso: acabámos por ser campeões da fase regular, em dezembro. Em termos de valorização dos jogadores, foi brutal. Mas isso já tinha acontecido na Índia e no Sporting Ideal também. Em termos desportivos, foi fantástico. Nós tivemos os primeiros 11 meses imbatíveis, sem perder um jogo. 11 meses. E, no total de um ano e dois meses, perdemos dois jogos. Ou seja, em termos estatísticos, juntando os títulos que conseguimos, foi muito bom.

    Bola Na Rede: Ainda sobre a experiência no Líbano, sei que veio embora um pouco pelo conflito Israel-Palestina, apesar de ter sido uma experiência ótima a nível desportivo. Nesse contexto queria-lhe perguntar, não só como treinador, mas também como imigrante e cidadão português, como é que viveu essa situação e todo o contexto geopolítico envolvente?

    Paulo Meneses: O conflito começou em outubro e eu penso que isso começou a influenciar tudo porque não se pode dissociar o futebol da sociedade. Nós, nessa altura, estávamos a jogar competições nacionais, a Taça e o Campeonato, mas também a AFC da Ásia. Então, viajávamos de 15 em 15 dias para o Kuwait, para o Bahrein, para a Arábia Saudita, para o Iraque, para todos esses sítios. Com o início do conflito não eram, nem são ainda, permitidos jogos internacionais em território libanês. A própria seleção tem de jogar sempre fora. Os jogos da AFC da Ásia, do Al Nejmeh, foram sempre fora. Os dois portugueses que tínhamos, o Gilson e o Embaló, fugiram para o Chipre, que está a 20 minutos de avião de Beirute e só se juntavam à equipa em jogos fora, nem pisavam o Líbano. O clube comprava-lhes as passagens para jogar onde fosse preciso. Não treinavam connosco, nem jogavam quaisquer outras competições, era uma situação dramática. A minha família veio embora, um dos adjuntos veio embora, os portugueses ausentaram-se, os holandeses também. Foram todos embora de acordo com as recomendações das embaixadas. Eu fui ficando e aguentando o barco, também muito por mérito dos dois capitães. Falaram comigo e disseram: “Mister, tu conheces a nossa família, sabes que nós também temos miúdos pequenos. Neste momento estão em Beirute com as esposas, e, como tu vês, em Beirute não se passa nada. O problema é na fronteira, no sul, perto de casa, entre o Hezbollah e Israel, porque aqui, como vês, nós vivemos uma vida normal, portanto confia em nós que aquilo não vai passar disso.” Para eles aquilo é normal, porque eles cresceram assim. Começam-me a passar muitas coisas pela cabeça. Eu sei que no primeiro mês eu não conseguia dormir com facilidade. Mas em termos desportivos, com tanta gente que estava a ir embora, desde membros da equipa técnica, a jogadores importantes, não foi a mesma coisa. A partir dali, eu senti-me mais fragilizado como treinador e a equipa e o clube também. A tarefa acaba por começar a complicar. No entanto, mesmo assim, fomos campeões da fase regular.  Foi muito complicado. Eu aguentei, acho que até ao limite. Quando eu percebi que não ia melhorar, que a minha família não poderia voltar e que a situação do clube estava um pouco mais complicada e que eu me sentia mais fragilizado, eu pensei: “Já ganhei vários títulos aqui, em termos desportivos não podia correr melhor, levámos nove jogadores à seleção, estabelecemos recordes. É altura de sair.”

    Face a todo este envolvimento, o que é perspetiva para o futuro? Gostava de treinar em Portugal ou olha para o estrangeiro como uma solução melhor?

    Paulo Meneses: Claro que, quando se está fora muitos anos, sabe sempre bem voltar a casa. No meu caso, a casa estaria entre Portugal e Espanha, devido à minha situação familiar. O mercado em Espanha para os treinadores portugueses é muito difícil, há poucos casos, atualmente. Foco-me mais no mercado português, contudo, vejo que mesmo ganhando títulos e batendo recordes no estrangeiro, é muito difícil entrar cá. Em Espanha é um fenómeno sobretudo cultural, mas, em Portugal, é uma dinâmica diferente. Tem mais a ver com o facto dos ex-jogadores de Primeira Liga se tornarem treinadores e há que entender e saber viver com isso. E depois também um pouco com as agências que sabem mexer-se muito bem no mercado. Em Portugal, há treinadores que mal saem de um clube têm logo outra solução. Agora tem tudo a ver com as oportunidades. Lá fora sinto que em equipas onde me foi dada a oportunidade de trabalhar em equipas para ganhar títulos, eu fi-lo. Se não me tivessem dado essas oportunidades, não os teria ganho. Agora estamos numa altura em que os campeonatos estão todos a acabar, há muitos clubes a movimentarem-se, por isso vamos ver que oportunidades podem surgir. Não desgosto da ideia de continuar no estrangeiro, até porque se não tivesse ido para o estrangeiro nunca teria a oportunidade de experienciar tudo aquilo que experienciei. Desde a conquista de títulos à participação na Liga dos campeões da Ásia, por exemplo. Ainda assim, se pudesse escolher preferia ficar em Portugal, claro, desde que fosse um projeto profissional positivo.

    PASSES CURTOS

    Com que treinador se identifica mais?

    Paulo Meneses: José Mourinho.

    Qual é a sua principal referência?

    Paulo Meneses: Não consigo nomear apenas uma. Retiro um pouco de cada treinador desde a liderança, à comunicação e metodologia. É uma ligação funcional. Diria principalmente Mourinho, Guardiola e Del Bosque.

    Qual foi o melhor jogador que já treinou?

    Paulo Meneses: O Barata. Passou pela formação do Sporting e eu levei-o para o Al Nejmeh. É um médio ofensivo de muita qualidade, merece outros voos.

    Qual foi o clube em que mais gostou de trabalhar?

    Paulo Meneses: O Al Nejmeh. É um clube de grande dimensão.

    No panorama português, que clube se encaixaria melhor consigo?

    Paulo Meneses: Pelo estilo de jogo, o Braga. Vai muito de encontro à minha filosofia de jogo.

    A nível tático, qual é o elemento chave a ter em conta nas suas equipas?

    Paulo Meneses: A organização nos quatros momentos do jogo. É algo que dá muito trabalho a preparar desde o início da época mas é por aí que passa o sucesso.

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    Guilherme Terras Marques
    Guilherme Terras Marques
    Orgulhoso estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vê no futebol e na sua cultura uma paixão. É apenas mais um jovem ambicioso que sonha fazer do jornalismo desportivo a sua vida. Escreve com o novo acordo ortográfico