«Quando cheguei, SC Braga era “Braguinha” e hoje é tratado de outra forma» – Entrevista BnR com Andrés Madrid

– Dentro do Futebol, Fora das Quatro-Linhas –

«Nesta divisão, aprende-se a contar ao euro. Todos os treinadores deviam ter esta experiência de trabalhar com este tipo de situações, porque se dá muito valores a cada euro que se investe»

Bola na Rede: No Vianense, terminou a carreira de jogador e iniciou a de treinador. Como surgiu esta oportunidade tão rápida e porque razões?

Andrés Madrid: Durante a minha carreira, 80/90% dos treinadores que tive viram sempre essa qualidade em mim: visão diferente da maioria dos jogadores. Tentava analisar muito aquilo que se passava à minha volta. Quase de repente de um dia para o outro, o treinador do Vianense sai e a direção abordou-me para esse lugar. Nem tinha equacionado essa possibilidade, nem tinha falado com ninguém disto. A minha mulher disse que era uma boa oportunidade para seguir. Já não conseguia jogar mais. Tocava agora meter a cabeça a funcionar e sinceramente acabei por gostar mais desta fase de treinador do que jogador.

Bola na Rede: Como foi a transição de jogador para treinador?

Andrés Madrid: Para mim, foi relativamente fácil. Sempre tive respeito dos meus colegas e mesmo dos jogadores. Quando comecei a treinar, tinha algum conhecimento do que tinha sido quando era jogador e consegui passar melhor a mensagem. Penso que um jogador quando acaba a carreira tem mais facilidade de transmitir os seus ideais, porque talvez quando estava no papel de jogador gostava que o seu treinador falasse de certa forma para que percebesse melhor o que estava a pedir e acredito assim que seja um pouco mais fácil para explicar aos jogadores hoje em dia.

Bola na Rede: Na época 2018/19, esteve um ano parado sem treinar. Há algum motivo em específico que nos possa contar?

Andrés Madrid: Eu tenho uma situação familiar. Felizmente, todos os anos tenho convites: muitas vezes, essa equipa não tem capacidade económica para contratar e outras vezes que tinham possibilidade, ficam muito longe. E no momento familiar que tenho de um problema de saúde, não consigo afastar-me daqui. Eu e a minha mulher não temos família. Somos só dois. O pai dela tem uma doença grave e portanto, temos de nos manter por perto juntos para conseguir resolver esse tipo de situação. Tentei no início, vimos que não era possível e então é melhor ficar por perto.

Fonte: Âncora-Praia FC

Bola na Rede: Passou pelo FC Tirsense, Rebordosa AC, AC Marinhense, Juventude de Pedras Salgadas e agora está no Âncora-Praia FC. Como avalia a evolução da equipa desde o momento da sua chegada até precisamente ao dia de hoje?

Andrés Madrid: No momento que entrei, era para fazer algo totalmente diferente ao que estava habituado: transformar uma equipa sem objetivos primários numa estrutura forte que tenha uma camada jovem melhor e mais consistente que aprenda a jogar em determinados palcos. Vamos tentar criar um clube, em vez de uma equipa. Como não temos qualquer obrigação de resultados, dá para trabalhar muito bem, com tempo e sem pressão para criar uma estrutura forte.

Bola na Rede: Pergunto-lhe ainda quais são os pontos fortes da equipa e as maiores dificuldades, ou seja, o que acredita ainda que possa ser melhorado?

Andrés Madrid: O maior ponto-forte é a família e acredito que tudo o que façamos vá agarrado à mão daquilo que somos como grupo. Esta família que conseguimos encontrar ajuda a que todo o trabalho envolvido se torne mais fácil a que acreditem ao que proponho. A nível de jogo, têm aquela coisa rara de não se preocuparem com o resultado. Jogam efetivamente para ganhar o jogo, são desinibidos e criamos 14/15 oportunidades por jogo. Em todos os jogos, independentemente do resultado (ganhar, empatar ou perder), os adeptos acabam por bater palmas por aquilo que vê da equipa. Acredito que isso é impagável para os jogadores em si e tentar criar isso na maioria das equipas seria muito bom para o futebol português. Desde já o “baixo”, dá para perceber que a única forma de estar no futebol é tentar passar mais e melhor, sem pensar muito naquela mentalidade de resultado.

Bola na Rede: Quais são os seus maiores objetivos no Âncora?

Andrés Madrid: Quero que evoluem como clube e os jogadores como equipa. Quero que se mantenham uma família e aquela postura que faz com as pessoas queiram ir ver os jogos (somos a equipa que leva mais adeptos em casa e fora). Penso que isso vai contagiar mais pessoas e que vejam o Âncora como um exemplo a seguir.

Bola na Rede: E no geral, está a gostar da experiência?

Andrés Madrid: Claro! Quando aceitei este projeto, tive várias possibilidades de patamares superiores (até profissional), mas considerando a minha situação familiar, não podia aceitar nada que saísse da minha rotina. E então apareceu esta possibilidade interessante de fazer algo novo de início, começar a sério e fazê-lo crescer o máximo possível e estou a adorar esta oportunidade de trabalhar com este clube

Bola na Rede: Como caracteriza o seu estilo tático e que dinâmicas não podem faltar às suas equipas?

Andrés Madrid: Intensidade e carácter. Em cada treino e jogo, penso sempre em três aspetos: intensidade, disciplina e carácter. Por vezes, a disciplina e a concentração não são os melhores e às vezes, acabam por abdicar um pouco disso. Mas há a intensidade e o carácter de jogarem nesta divisão (ninguém joga por outra coisa que não seja paixão pelo futebol). Tem obrigatoriamente de ter este carácter de assumir o jogo e pensar que estão a representar um clube e um grupo de pessoas.

Bola na Rede: Para si, considera mais fácil chegar a um plantel já definido (como o caso do Âncora, por exemplo) ou ser o próprio treinador a construir as bases como quer?

Andrés Madrid: Depende, se tiveres orçamento. Uma coisa é teres a possibilidade de fazer uma equipa com um par de milhares. Nesta divisão, aprende-se a contar ao um euro. Todos os treinadores deviam ter esta experiência de trabalhar com este tipo de situações, porque se dá muito valores a cada euro que se investe. E o facto de trabalhar não é só mesmo o treinador que tem essa ideia definida, tem de chegar e sabe que o teu jogador vai carregar caixas a tarde toda. Não é o mesmo de um jogador profissional que estava cansado e que pensa só em jogar. Por isso, é importante que todos os jogadores (quando terminam a carreira) acabem por passar por estas situações porque ajuda a abrir a cabeça e a pensar de forma diferente.

Bola na Rede: Acredita que a ideia do treinador deve sempre prevalecer numa equipa, ou o treinador é que se deve adaptar em relação às características dos jogadores à sua disposição?

Andrés Madrid: Acho que o treinador tem de se adaptar aos jogadores, ao clube e à sua mística. Há treinadores que, às vezes, chegam às equipas, tentam pôr aquilo de forma diferente, pensam que é muito rápido e que só com ideias e jogadores é que se faz aquilo e não é. Tens de ir à procura da mística do que é o clube, do que se vê e idealiza o que pode ser o clube e a equipa. A partir daí, com os jogadores que tens junto das ideias do treinador, é tentar desenvolver o melhor possível. Quanto mais pessoas implicadas naquele projeto, maior será o apoio e a possibilidade de triunfar.

Bola na Rede_ Quase sempre no futebol, ouvimos os jogadores e treinadores nas flash-interviews e conferências de imprensa, com um discurso mecanizado e, por isso, “decorado”. Acha que os jogadores e treinadores são proibidos de dizerem o que pensam?

Andrés Madrid:Muitas vezes sim. Já na altura que eu jogava havia diretores de comunicação que quando acabava o jogo diziam o que nos podiam perguntar e como podíamos responder. Acaba por ser sempre assim e perde-se um pouco talvez o que queremos ouvir, mas também se protege alguma situação que possa estar menos bem no clube e acaba por minimizar esse problema. Mas sim, é muitas vezes mecanizado. Pode-se pensar que é sempre o mesmo, mas é o que se pode dizer.

Bola na Rede: Na sua carreira ainda curta, pode-nos revelar quais são os seus objetivos a médio e longo prazo?

Andrés Madrid: Não penso a longo prazo. Só penso no momento e ver o que posso fazer melhor com o que tenho. Só ligo àquilo que tenho em mão e o que tenho no dia-a-dia. Não gosto de quem pensa “imagina o futuro”. Já não reparamos no dia-a-dia que é tão conflituoso e é tão difícil de estarmos no nosso dia-a-dia que se estamos a pensar no futuro já fomos. Temos de estar no presente de alma.

Bola na Rede: Tem alguma história/vivência engraçada ou caricata que nos possa contar sobre a sua carreira como jogador ou treinador?

Andrés Madrid: Muitas não se podem contar.. deixa-me pensar (risos). Quando decidi ir para a África, o João Tomás convenceu-me a ir jogar a Champions Africana e veio comigo. Viajámos e tal. Chegámos lá e estávamos no meio de Angola num condomínio fechado. No quarto onde estava, aparece de repente uma aranha do tamanho da minha mão, espalhada na parede. Era daquelas abertas, preta e roxa. Era horrível e eu estava tapado até à cabeça a gritar pelo João e ele também cheio de medo. “Vai-te embora” (João). “Não, daqui eu não me mexo!” (Andrés). Fiquei tapado durante duas horas, porque sempre que nos tentávamos mexer a aranha mexia-se muito rápido e o medo fez com que eu ficasse tapado durante duas horas no cobertor com 40 graus de calor, a ver se desaparecia o raio da aranha.

Bola na Rede: Então e o que fizeram à aranha?

Andrés Madrid: Não faço ideia (risos). Desapareci dali e disse a alguns indivíduos do condomínio para tentar apanhar, mas disseram-me que já tinha ido embora. Mas pronto, passei duas horas mal e foi um pouco assustador.

Diogo Lagos Reis
Diogo Lagos Reishttp://www.bolanarede.pt
Desde pequeno que o desporto lhe corre nas veias. Foi jogador de futsal, futebol e mais tarde tornou-se um dos poucos atletas de Futebol Freestyle, alcançando oficialmente o Top 8 de Portugal. Depois de ter estudado na Universidade Católica e tirado mestrado em Barcelona, o Diogo está a seguir uma carreira na área do jornalismo desportivo, sendo o futebol a sua verdadeira paixão.

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