«Quando fui convocado para a seleção não acreditei, meti-me de joelhos no meio da rua a chorar e deixei as saladas cair no meio do chão» – Entrevista BnR com Pedro Mendes

    entrevistas bnr bola na rede cabecalho

    Depois de 10 anos no estrangeiro, Pedro Mendes regressou a Portugal e abraçou o projeto do Estrela da Amadora. Uma temporada depois, o defesa central está novamente sem clube, mas com mais uma conquista na carreira: a manutenção na Primeira Liga. Antes disso, jogou a Liga dos Campeões pelo Real Madrid, vestiu a mesma camisola que o ídolo Cannavaro e viveu a turbulência do sétimo lugar do Sporting em 2012/13. Ao Bola na Rede, o defesa central abriu-se e falou de uma carreira trilhada entre falências de clubes, transferências frustradas e lesões alarmantes, mas guiada por um sonho: jogar futebol. Cumprido em todo o lado, mesmo na seleção nacional.

    «Todos os sonhos que tinha, por mais fúteis que fossem, realizaram-se»

    Pedro Mendes

    Bola na Rede: O que é para ti o futebol? Pedro Mendes

    Pedro Mendes: Pergunta difícil e bastante profunda. O futebol para mim é paixão, é algo intrínseco. Lembro-me com quatro anos de jogar à bola pelos corredores de casa, de partir algumas loiças com o meu irmão e dos castigos que vinham a seguir. Lembro-me de ver outros jogadores na televisão, de ter esse sonho e de me ir aproximando cada vez mais desse sonho.

    Bola na Rede: Esse rapaz que partia a loiça em casa ficaria orgulhoso da carreira que traçou até hoje?

    Pedro Mendes: Eu olho para a minha carreira e sinto que poderia ter sido melhor. É o meu lado exigente a falar. Mas também olho para trás e sinto-me orgulhoso daquilo que conquistei. Vendo alguns clubes e a seleção nacional no meu CV, posso dizer que muitos dos sonhos que tinha em pequenino foram realizados.

    Bola na Rede: No início desse CV, um rapaz ainda jovem recebe uma proposta para ir para o Sporting e deixar o Real Massamá. Como é que esta foi recebida?

    Pedro Mendes: Era mais um sonho. Em conversas com a minha esposa há uns dias fiz essa reflexão. Olhei para trás e vi que todos os sonhos que tinha, por mais fúteis que fossem, se realizaram. Quando era pequeno via os jogadores de futebol a dar autógrafos, a aparecer nos jornais e na televisão, a jogar num clube grande e com um contrato profissional, um grande carro, uma casa com piscina… as coisas que os miúdos sonham ter. Sem nunca pensar muito nelas foram consequências positivas daquilo que fiz na minha carreira. O dar autógrafos, pedirem-me fotografias, ter um clube de fãs. São pequenas coisas, mas o principal objetivo era ser profissional de futebol. Estou satisfeito com o que realizei, mesmo com um sentimento agridoce porque acho sempre que posso fazer mais e melhor.

    Bola na Rede: Foi essa vontade insaciável que te fez chegar onde chegaste?

    Pedro Mendes: Sim. Vindo de uma família humilde sabia que consegui-lo era uma grande ajuda para toda a gente, mas o principal foco sempre foi por mim. Queria chegar lá e cumprir tudo à risca. Sei que não sou um jogador talentoso, mas sei que sou muito exigente, profissional, trabalhador e resiliente. Por isso é que cheguei onde cheguei.

    Bola na Rede: Na primeira mudança, e sendo ainda tão novo, onde notaste a diferença?

    Pedro Mendes: Nas infraestruturas. Estava no primeiro clube em Portugal que tinha uma academia. Chegar ao Sporting era o primeiro sonho e ficou concretizado, mas à medida que vais alcançando esses sonhos vais adquirindo novos. O passo seguinte era um contrato profissional, residir na academia do Sporting e ser chamado à seleção nacional na minha faixa etária. Na altura vi os meus colegas todos com as primeiras internacionalizações e disse para mim «também gostava de ir à seleção e hei de chegar lá». Não foi nesse ano, mas foi no ano seguinte. Lembro-me de ser chamado aos sub-15 e de ir aos treinos, mas não ser convocado para os jogos. Ia desiludido para casa, mas nunca abatido. Fiz disso força, continuei a trabalhar e a oportunidade apareceu para a agarrar. Desde os sub-16 aos sub-21 que integrei sempre a lista de convocados. Mas voltando ao início, a mudança foi difícil porque saí do clube da terra e a diferença foi abismal. A logística era complicada e diferente do que estava habituado, ia de autocarro para Alvalade e seguia para a Academia. Depois voltava da Academia para Alvalade onde o meu pai me apanhava ou ia de transportes públicos para casa. Não era fácil conciliar com a escola, mas se o meu sonho era esse, não havia nada a cansar-me ou a puxar-me para baixo. No dia seguinte acordava sempre como se fosse o primeiro dia.

    Bola na Rede: Foi esse sonho que te levou a sucessivos empréstimos para encontrar o teu espaço?

    Pedro Mendes: Na altura não havia equipa B e a transição dos juniores do Sporting para os seniores era muito brusca. Do Campeonato de Juniores para a Primeira Liga há uma grande diferença. Se não tens um talento do outro mundo tens de ser emprestado e foi isso que me aconteceu. Lembro-me que o Sporting criou no Real SC um clube satélite que jogava na Segunda Liga B, o equivalente de hoje à Liga 3, e muitos dos jogadores sem espaço rodavam lá. Foram os casos do André Martins, Wilson Eduardo, Diogo Amado, Diogo Rosado, Vítor Bolas e o meu também. O sonho foi adiado. Quando era júnior tinha sido convocado para alguns jogos da Liga dos Campeões pelo Sporting, contra o Basileia e o Barcelona. Quando passei para sénior o sonho ficou mais próximo, mas começou a desvanecer-se. Mas quando recebi a notícia não desisti do sonho e mantive a esperança de, fazendo um bom trabalho, ser integrado na pré-época no ano seguinte. Numa época tudo pode mudar. Não foi bem assim e fui emprestado ainda mais dois anos.

    «Fui para a Suíça tranquilo e com grande expectativa. Quando cheguei lá desatei a chorar»

    Pedro Mendes

    Bola na Rede: No ano seguinte rumaste ao Servette. Foi fácil a adaptação ao estrangeiro para um jogador tão novo?

    Pedro Mendes: Não foi fácil, mas quando o sonho permanece vivo és capaz de tudo. Lembro-me de estar muito recetivo ao projeto, mas o treinador era o João Alves, português e lenda do Benfica. Deixou-me mais confortável para abraçar o projeto e fui tranquilo e com grande expectativa. Quando cheguei lá desatei a chorar, confesso. Cresci em Monte Abraão, conhecia o Real SC de trás para a frente e estava numa zona de conforto. Na Suíça não tinha apoio de ninguém. Só sabia falar o básico de francês e tinha uma tia a viver lá.

    Bola na Rede: Vivias com ela?

    Pedro Mendes: Não. Sou um pouco orgulhoso e gosto de ser eu a fazer as coisas, mas se fosse preciso fazer alguma coisa que eu não conseguisse pedia ajuda. Foi bom para crescer, fez-me amadurecer mais rápido e acabei por me adaptar à cultura e ao meio. Vivi momentos muito bons, o balneário era espetacular e não foi por acaso que subimos de divisão.

    Bola na Rede: Como é que se dá o salto para o Real Madrid?

    Pedro Mendes: Na altura era agenciado pela Gestifute e o bom trabalho que fiz no Servette deve ter levado a conversas entre o Jorge Mendes e o José Mourinho. Não sei especificar, mas acredito que tenham chegado a consenso para me dar a oportunidade. Se não tivesse feito um bom trabalho não seria eu a ir para lá e era outro miúdo.

    Bola na Rede: Como é que se entra no balneário do Real Madrid? Sentiste-te pequenino num clube tão gigante e ao lado de jogadores dessa dimensão?

    Pedro Mendes: Cheguei muito tímido porque ninguém me conhecia. Não era o Arda Guler, que tem um talento incrível e todos já o conhecem, era o Pedro Mendes que vinha do Servette. Era só mais um a ir para lá tentar a sua sorte. Nesse exato dia subimos eu, o Álvaro Morata, o Nacho Fernández, o Dani Carvajal e mais dois para o balneário.

    Bola na Rede: Foi aí que a Espanha começou a vencer o Euro 2024?

    Pedro Mendes: [risos] A Espanha tem argumentos em todos os desportos. É um país muito maior, com ajudas e vivências diferentes. Há grandes atletas espanhóis em desportos como o ténis, a fórmula 1 e o basquetebol. Porque entram em tudo com rigor máximo e para ganhar.

    Bola na Rede: Sentiste diferença na mentalidade?

    Pedro Mendes: Senti. Prezam muito a qualidade dos terrenos de treino. No Parma fiz pré-épocas em que estava uma semana sem tocar na bola, a correr no meio das montanhas e na praia e a nadar em alto mar. Em Espanha era o contrário, o cardio era feito com bola e imensos meinhos. É isso que o jogo pede, não correr no meio de penhascos. A maneira como veem o futebol em Espanha é completamente diferente.

    Bola na Rede: Acordavas já com bola no pé?

    Pedro Mendes: Exatamente. Em campo lembro-me de saltar na pressão e quando estava a chegar ao homem, a bola já não estava lá. Era uma intensidade completamente diferente. Os campos estavam sempre regados para a bola rolar bem, mas também estamos a falar do melhor clube do mundo. Se os campos estivessem com buracos, todos os campos teriam problemas.

    Bola na Rede: Tantas Ligas dos Campeões têm de nascer nalgum lado.

    Pedro Mendes: Não faltava nada. É tudo o top do top.

    Bola na Rede: Jogavas principalmente na equipa B, o Real Madrid Castilla, mas com alguns saltos à equipa A. Como era gerido este processo?

    Pedro Mendes: Acho que geria bem. Sempre tive uma educação que me permitiu manter os pés bem assentes na terra e nunca me deslumbrei. Quando fui convocado para a Liga dos Campeões liguei para os meus pais e foi uma festa do lado de lá, mas estive sempre tranquilo. Por dentro estava muito efusivo, mas não mostrava cá para fora. Era como se fosse uma coisa normal, talvez por não acreditar que fosse verdade. O foco e a atenção não estavam sobre mim então eu passava despercebido e continuava a minha vidinha. Quando surgiu a oportunidade de jogar uns minutinhos na Champions não ia dizer que não. Não ia dizer «Mister, não me meta que estou todo borrado e não quero essa oportunidade para mim». Quando me chamou o coração disparou, mas lá dentro tudo passa. É só não errar o primeiro passe, jogar simples e a seguir é normal.

    Bola na Rede: Foi um ponto marcante da tua carreira jogar na Liga dos Campeões e logo pelo Real Madrid?

    Pedro Mendes: É um momento que não vou esquecer. Tenho a camisola emoldurada e é uma história bonita para contar. Essas memórias ninguém me pode retirar.

    «Ele perguntou-me “Já conheces o bicho?” e eu fiquei confuso “O Bicho? Quem?”. “O Cris” e eu “Ah, não conheço”. “Então vem lá comigo”»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Real Madrid
    Fonte: Real Madrid CF

    Bola na Rede: Partilhaste essas memórias com alguns dos portugueses mais bem-sucedidos no futebol de sempre. Como era conviver com José Mourinho?

    Pedro Mendes: Eu não convivia diariamente com ele. O meu percurso era no Real Madrid Castilla e esporadicamente ia treinar à equipa A. Depois da Champions, aproveitávamos os treinos de recuperação. Às vezes era eu chamado e outras vezes eram outros. Não era por ser português que sempre que havia oportunidade era chamado. Numa semana tipo, só era chamado alguém se um jogador se lesionasse ou quando queriam chamar um jogador para um fim de semana em específico. Eu tentava aproveitar ao máximo, mas não convivia muito com ele. Lembro-me de me ter deixado super à vontade na primeira reunião. Abriu o escritório, disse «senta-te aí, amigo» e não prometeu nada. Só me disse para aproveitar o momento porque me poderia abrir imensas portas e se fizesse bem o meu trabalho podia ficar mais um ano no Castilla, voltar ao Sporting e ser visto por outros olhos ou dar o salto. Disse-me para disfrutar das oportunidades que me fossem dadas.

    Bola na Rede: E dos jogadores portugueses do Real Madrid, qual a principal memória que tens deles?

    Pedro Mendes: Lembro-me de chegar ao balneário com vários outros jogadores e os meus colegas cumprimentarem todos em espanhol, porque é a língua deles. E eu também «Hola, que tal? Como estas?», não fugi à regra. Cheguei ao pé do Pepe, do [Fábio] Coentrão e do Cris [Cristiano Ronaldo] e «Hola, que tal? Como estas?», falei em espanhol. O Coentrão já me tinha topado e ouvi-o a falar em português no fundo do balneário. Disse aos outros dois: «Acho que aquele miúdo é tuga. Acho que é o Pedro Mendes, vamos lá apertar com ele». Eles vieram e disseram: «Ouve lá, és português e estás a cumprimentar-nos em espanhol»; e eu respondi: «Não tenho confiança com vocês, vi os outros a cumprimentar assim e cumprimentei também». Disseram-me logo para falar português e fiquei mais tranquilo. Eu tinha mais ligação com eles na zona de recuperação, nas piscinas, banhos, massagens e saunas. Era uma zona comum às duas equipas, só o Castilla e a equipa principal tinham direito a estar nessa zona. Eram as alturas em que estava com eles.

    Bola na Rede: Apesar de toda a dimensão que têm no futebol, sentias que era um apoio ter companhia portuguesa?

    Pedro Mendes: O Pepe ajudou-me bastante a nível extrafutebol, naquilo que ele podia ajudar. Lembro-me de ainda estar no hotel e ele me dizer: «Olha, o meu cunhado vai passar aí para te levar para Valdebebas [centro de treinos do Real Madrid]», de me perguntar se tinha carro e de me dar contactos para comprar um. Acabou por não se realizar porque eu não podia naquela altura, mas não é isso que importa. É o gesto e a atitude que teve. Podia ter deixado passar e diz muito do que é a pessoa. Não tenho nada a apontar do Pepe, do Coentrão ou do Cristiano. Conheci o Cris num restaurante, ainda não tinha tido oportunidade de treinar com a equipa A. Tínhamos um amigo em comum, o Ricardo Regufe, que é o seu braço direito, e encontrei-o lá. Ele perguntou-me «Já conheces o bicho?» e eu fiquei confuso «O Bicho? Quem?». «O Cris» e eu «Ah, não conheço». «Então vem lá comigo». Chamou o Cristiano Ronaldo e disse-lhe que eu tinha vindo para o Real Madrid. Estivemos a falar com muita gente à volta a tentar autógrafos e fotografias. Marcou-me nós estarmos a falar e ele interromper a conversa e pedir às pessoas para pararem de insistir porque estávamos a conversar. Eu não era ninguém, tínhamos acabado de nos conhecer e ele pediu para nos darem um momento para terminar a conversa. Só quando terminou é que deu atenção aos fãs. O Coentrão é uma paródia total, é só rir com ele. O jeito dele ser e a sua pronúncia tornam-no muito engraçado. Na piscina era só paródia com o Marcelo à mistura que também gostava muito de brincar.

    Bola na Rede: Dentro de campo sentias uma diferença grande de nível?

    Pedro Mendes: Eu tenho uma velha máxima. Se treinas com os piores ficas pior, se treinas com os melhores acabas por melhorar. Quando sai do Servette para o Castilla senti a diferença na qualidade do passe, na intensidade e comecei a apanhar esse ritmo. Quando passava do Castilla para a equipa principal, ainda via mais diferença. Se eu já achava uma diferença abismal, na equipa principal era completamente diferente. Mas estava cada um na sua, ninguém me via como uma ameaça, até porque não era nenhuma ameaça. Senti um olhar mais intimidatório no Castilla quando viam alguém novo chegar. Olham-te com outros olhos, não é como na equipa principal onde não olham para quem vem de baixo, nem questionam. Era só mais um para ajudar e eles ajudavam-me também.

    «Foi o último ano do Godinho Lopes e a transição para o Bruno de Carvalho. Sentiam-se as eleições»

    Pedro Mendes

    Bola na Rede: Depois do empréstimo regressas ao Sporting. Como se viveu dentro do clube uma temporada muito difícil [2012/13 – 7º lugar na Primeira Liga] e qual o ambiente que sentias?

    Pedro Mendes: Um ambiente muito instável. Foi o último ano do Godinho Lopes e a transição para o Bruno de Carvalho. Sentiam-se as eleições. Durante a temporada é horrível. Os clubes deviam pensar nisso. Por exemplo, mesmo nestes anos todos do Pinto da Costa [no FC Porto] em que todos sabiam que ia ganhar, são um momento de instabilidade que pode afetar a equipa e o balneário. É difícil manter fora esse ruído. Devia-se pensar noutras datas. Foi uma altura de instabilidade logo a começar pelos treinadores. Começou o [Ricardo] Sá Pinto, veio o Oceano e juntou-se o [Franky] Vercauteren, que depois foi despedido. O Oceano continuou e veio o professor Jesualdo Ferreira que se manteve até ao fim da temporada. São muitos treinadores numa só temporada e com ideias muito diferentes. Depois alguns jogadores eram bem pagos, não correspondiam ao investimento e os adeptos exigiam isso. É normal, estamos a falar de um clube grande. Como nós na equipa B estávamos a fazer um excelente campeonato começaram a chamar a rapaziada. A equipa B começou a ficar desfalcada e descemos para quarto lugar, mas mesmo assim foi uma classificação acima da expectativa visto que a partir de outubro começámos a ficar desfalcados. Chegávamos à véspera do jogo da equipa B e não sabíamos quem ia jogar, quem subia à equipa A e quem descia à equipa B. Era uma grande instabilidade e uma grande confusão. Ficámos muito tristes, mas se assim não fosse não teríamos tido a oportunidade de jogar na equipa A. Falo de mim, do Bruma, do João Mário, do Illori, do Eric Dier… Se estivesse tudo bem na equipa principal não iriam buscar jogadores à equipa B.

    Bola na Rede: O azar de uns é sempre a sorte de outros e no futebol ainda mais.

    Pedro Mendes: Mesmo com lesões ou suspensões. É preciso é estar preparado para agarrar a oportunidade.

    Bola na Rede: Depois desta temporada rumas a Itália. Foi no Parma e no Sassuolo que mais cresceste a nível tático e técnico?

    Pedro Mendes: Sim. Eu costumo dizer que os clubes e os campeonatos apareceram no timing certo. O Sporting foi excelente pelo que me deu na formação, tanto como pessoa como futebolisticamente. Em Espanha pelo que é o tratamento da bola, a maneira como se joga. E depois fui para Itália porque era um sonho. Era um sonho jogar no Parma, no mesmo sítio que o meu ídolo Fabio Cannavaro. Atraiu-me muito a ideia de jogar num clube mítico e histórico. Saber que ia ter treinador que é uma lenda nacional, o Roberto Donadoni, ajudou-me a aceitar o projeto. Sabemos que Itália tem fama de ser um campeonato cínico, onde se defende bem e ataca de forma cirúrgica e então quis aprender com os melhores e ir para um campeonato que produz muitos e bons defesas. Tentei absorver o máximo de ensinamentos e tudo o que apanhei a seguir a nível físico e tático foi muito mais fácil. Quando fui para o Rennes parecia que já sabia tudo o que me ensinaram. No Montpellier igual. Aguentava perfeitamente os treinos físicos e colegas mais jovens e com outras aptidões não o conseguiam porque eu já tinha “levado tanta porrada” em Itália que tudo o resto se tornou mais fácil.

    Bola na Rede: Foi uma etapa importante para alicerçar as etapas seguintes?

    Pedro Mendes: É verdade, foi um bom alicerçado. Apesar de só ter durado dois anos por infelicidade do clube, que declarou falência, foi uma boa experiência.

    «O presidente entrou no balneário e disse que não tinha dinheiro para pagar salários e que estava a tentar vender o clube»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Parma
    Fonte: Parma FC

    Bola na Rede: Passas de uma temporada muito instável no Sporting para um clube que, passados dois anos, decretou falência. Como é que viveste a queda do Parma?

    Pedro Mendes: Eu assinei um contrato de cinco anos com o Parma. Nos primeiros seis meses estive no Parma engatei como titular devido a algumas lesões. Quando voltaram perdi o lugar, mas sentia que podia continuar a jogar. Se eu tinha jogado muito bem contra a Juventus, podia jogar bem contra qualquer equipa. Se não senti medo a Juventus de Tévez, Pogba, Bonucci, Barzagli, Pirlo, Buffon, então não tinha medo de jogar contra ninguém. Era o meu sonho jogar contra estas equipas. Então pedi para sair para ter mais minutos e jogos na Serie A. Apareceu a oportunidade do Sassuolo que estava há 16 jogos consecutivos sem ganhar, mas o mais importante era jogar e crescer. Apesar de nos conseguirmos salvar na última jornada, não me senti feliz no clube.

    Bola na Rede: Por ser um clube a lutar para não descer ou por outra razão?

    Pedro Mendes: Acho que fui eu que não me adaptei. Ter chegado em janeiro sem conhecer ninguém e sem ninguém me conhecer teve impacto. Talvez por culpa própria não me adaptei à cidade e ao ambiente, mas cheguei já no fim do mercado. Senti-me como um peixe fora da água e no fim da época quis voltar ao Parma. Recordo-me também que o mister do Sassuolo [Eusebio Di Francesco] tinha intenções de fazer de mim um lateral direito e essa ideia não me agradava. Ele disse-me na reunião final que podia dar um bom lateral direito e eu achei que não se adequava. Eu às vezes jogava como lateral, mas era em circunstâncias especiais. Era um lateral mais posicional e mais baixo a fechar por dentro. Não me agradou, eu achava que tinha todas as condições para ser central e o Parma tinha-se qualificado para a Liga Europa. Era uma grande oportunidade e podia jogar novamente numa competição europeia. Decidi volta, todas as partes concordaram e correu tudo bem até outubro quando o presidente entrou no balneário e disse que não tinha dinheiro para pagar salários e que estava a tentar vender o clube. Não foi recebido de ânimo leve.

    Bola na Rede: Foi esse o motivo para deixares o Parma e o campeonato italiano no final da época?

    Pedro Mendes: Não. Eu acabei por ver aquela situação catastrófica como uma oportunidade. Havia jogadores a rescindir contrato como o Antonio Cassano, o Gabriel Paletta e o Filipe Dal Belo e vi o potencial onde muitos viram a fraqueza. Sabia que era um risco, mas podia ser que aparecesse um investidor. Gostava da cidade e do clube, já estava ambientado e nessa altura só queria jogar. Tudo mudou nos meses seguintes e no último dia do mercado de janeiro surgiu a oportunidade de ir para o Cagliari. Lembro-me de dizer à minha esposa para fazer as malas e de estar na sede do clube para assinar às 23:45. Não me abriram a porta. Tinha três meses de salários em atraso, um acordo com o Cagliari e não me deixaram sair porque precisavam de alguém para me substituir. Não iam encontrar ninguém em 15 minutos para me substituir e fiquei. Um bocado amargurado porque tinha três meses de salário em atraso e estava prestes a encontrar um bom clube e uma boa cidade. Talvez fosse um peixe fora da água como no Sassuolo, mas nunca se sabe, e ao menos o salário era garantido. Era mais um desafio e estava pronto a embarcar nele. Não se concretizou, fiz o meu luto e no dia seguinte apareci de cara lavada para treinar. Acabei por agarrar as oportunidades e fiz a minha melhor época.

    Bola na Rede: E a situação financeira não mudou?

    Pedro Mendes: Mudou. A meio da segunda volta ameaçámos com uma greve. A Juventus já tinha perdido pontos connosco e, como ainda não tínhamos jogado contra o Inter Milão e com o AC Milan, montou-se um alvoroço. A Juventus não estava disposta a perder pontos com um clube que os rivais iriam vencer na secretaria. Foi só preciso ameaçar para a Liga se mexer e todos os outros clubes se mexerem. Não sei qual a entidade controladora das finanças, mas se esta deixa inscrever uma equipa que dá garantias de pagar o salário dos jogadores até ao final da temporada e em outubro já não consegue, então há culpados. Tanto o Parma como quem permitiu que o clube se inscrevesse. Quando ameaçámos mexer com muita coisa, conseguiram uma solução. Acho que foi uma uma espécie de uma “vaquinha” com fundos para pagar viagens e hotéis para os jogos fora e recebíamos parte do salário em proporção. Quem ganhava menos recebia a totalidade e daí para a frente era repartido. Foi um acordo encontrado em grupo que deu para acabar a temporada.

    Bola na Rede: E acabas por rumar ao Rennes.

    Pedro Mendes: Fui para o Rennes porque precisamente nesse jogo que ganhámos à Juventus estava um dos olheiros do clube a observar um avançado, o Ishak Belfodil. Ficou encantado com o meu jogo e acabou por me levar a mim e não ao avançado. As conversas começaram aí, mas não avançaram antes do Parma declarar falência e eu tornar-me um jogador livre.

    Bola na Rede: Foi em França atingiste o nível mais alto da carreira?

    Pedro Mendes: Em França, mas no Montpellier. No Rennes foi uma passagem muito intermitente, não consegui ter a mesma consistência que tive na fase final no Parma. Depois mudou o treinador e percebi que não era primeira nem segunda opção. Que não ia ser muito requisitado e que tinham mudado a perspetiva sobre mim. Apareceu a oportunidade de ir para o Montpellier, o treinador [Michel Der Zakarian] já me conhecia dos dérbis entre o Nantes e o Rennes. Foi no Montpellier que tive maior consistência, era titular e totalista em mais de 90% dos jogos. É isso que um jogador precisa.

    Bola na Rede: Consideras-te um jogador referência do Montpellier nesse período?

    Pedro Mendes: Eu era acarinhado e respeitado no balneário por todos porque me viam como exemplo. Podem apontar-me erros no passe entrelinhas, no passe longo, na interpretação do jogo. Aí podem corrigir-me. Mas em trabalho, assiduidade e pontualidade não me podem apontar nada. Viam em mim alguém exemplar, tenho a certeza. Mas não era a maior referência. É difícil quando numa defesa a 3 além de ti tens o Hilton, há uma década no Montpellier, capitão e que tinha sido campeão pelo clube e o Daniel Congré já no Montpelier há oito temporadas. Havia ainda o Souley Camara, que tinha a alcunha de Camaradona, o Maradona do Montpellier… era difícil passar à frente desta gente. A verdade é que criei uma boa imagem.

    «Eu sabia que a convocatória ia ser anunciada às 13:00 e nem ficava em casa porque não estava à espera de ser convocado»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Portugal
    Fonte: FPF

    Bola na Rede: Uma imagem suficiente para te fazer chegar à seleção. Falamos do momento mais bonito da tua carreira?

    Pedro Mendes: Sim, sem dúvida. É o expoente máximo da minha carreira e o que sonhava desde pequenino. Via na televisão o Figo, o Paulo Sousa, o Fernando Couto e dizia: «Quem de dera chegar ali». E consegui chegar. O esforço valeu a pena e foi recompensado. Poderia ter sido mais depressa? Poderia. Mas com outras escolhas se calhar não chegaria à seleção. A verdade é que consegui e na minha lista de sonhos está concretizado.

    Bola na Rede: Eras um nome um bocadinho fora do radar, mas na altura algumas pessoas já pediam a tua convocatória. Como reagiste à notícia de estares nos 23?

    Pedro Mendes: Eu já era pré-convocado há uma época. Lembro-me quando chegou a primeira pré-convocatória. Já era um sonho estar entre os 40 melhores de Portugal. Era um primeiro objetivo e o próximo era estar dentro dos 23. À medida que fui sendo pré-convocado e não fui chamado, comecei a dar de barato. Chegou a um ponto em que deixei de estar à espera de ser convocado. Eu sabia que a convocatória ia ser anunciada às 13:00 e nem ficava em casa porque não estava à espera de ser convocado. Nesse dia saí do treino e, em vez de ir para casa a correr ver a convocatória, fui buscar umas saladas. O meu treinador ligou-me, pensei que era sobre o jogo, e disse-me: «Vais ser convocado para a seleção». Não acreditei, meti-me de joelhos no meio da rua a chorar e deixei as saladas cair no meio do chão. Quem me viu de fora deve ter achado que ganhei a lotaria.

    Bola na Rede: Lembras-te da tua internacionalização contra a Escócia?

    Pedro Mendes: Lembro. Estava mais nervoso quando fui chamado para jogar na Champions do que para jogar na seleção. Era um sonho e a recompensa pelo que trabalhei, mas por ter maior maturidade estava confiante e tranquilo. Estava lá por merecer. Na minha cabeça parecia que já tinha 50 internacionalizações e era uma coisa natural. Entrei sem nervos nenhuns, talvez uma palpitação um pouco mais acelerada, mas estava muito seguro de mim mesmo. Era onde sempre ambicionei chegar.

    Bola na Rede: E lembras-te das palavras do treinador [Fernando Santos] antes de entrares em campo?

    Pedro Mendes: O mister não falou comigo. Quem me deu as indicações foi o mister João [Costa]. Disse-me só para jogar simples, com calma e tranquilidade. O mister [Fernando Santos] é mais frio, é a maneira dele ser. Mas lembro-me de estar a alongar num estágio e de ele se virar para mim e dizer: «Olha lá, tu não és português de gema». Eu disse que era português e que o meu pai era angolano. Ele respondeu: «Eu logo vi, com esse bronze não podias ser português», e começou a rir-se. Também tem estas saídas para deixar o jogador à vontade. Já tive treinadores com um contacto mais próximo e outros que nem bom dia ou boa tarde, só querem saber do jogo.

    «As portas fecharam-se em todo o lado, parecia que tinha matado alguém ou que tinha estado na prisão»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Montpellier
    Fonte: Montpellier HSC

    Bola na Rede: É ainda no Montpellier que sofres uma lesão muito grave e que se arrasta durante algum tempo. Foi um processo muito delicado e que se arrastou por mais do que o suposto. Isto complica um momento já por si doloroso?

    Pedro Mendes: Complica. Eu também não fiz bem o trabalho de casa. Disseram-me que a recuperação demorava sete meses e eu achava que ia fazer tudo para bater o recorde, mas não há medalha para quem vem de uma rutura do LCA [ligamento cruzado anterior]. Achava que aos seis meses e meio ia rebentar com tudo e não foi assim. Comparava-me com outros LCA quando tinha de me focar em mim e perceber que todos os corpos são diferentes e regeneram de maneira diferente. Outro erro foi não ter reajustado as minhas expectativas. Na altura disseram-me que devia demorar entre sete e nove meses e hoje já se aponta para entre nove meses e um ano. Quanto mais tarde um jogador voltar à competição, menor o risco de sofrer uma recaída e os seguros que pagam os salários não querem isso. Era suposto demorar nove meses no máximo e durou um ano. A técnica que foi realizado para o LCA influenciou-me no tendão e tive uma tendinopatia, uma coisa muito chata porque vai e volta. Tive oito meses inativo e nos seis meses seguintes mal treinava. Às vezes ia para a enfermaria e não conseguia dar continuidade a médio/longo prazo. Ao fim de três treinos deixava de conseguir. Não dava para jogar porque estava ainda a recuperar e tinha de ter consistência de treinos a alta intensidade para provar que merecia ser titular.

    Bola na Rede: E como ficou o Montpellier neste tempo todo?

    Pedro Mendes: Foi difícil. Com a mudança de treinador acabei por não ter mais oportunidades, entrei no meu último ano de contrato e percebi que já não fazia parte do projeto. Com as contratações que fizeram para a linha defensiva, caí no esquecimento e prejudicou o meu futuro. Não tive minutos e jogar na equipa B não serviu de nada. As portas fecharam-se em todo o lado, parecia que tinha matado alguém ou que tinha estado na prisão. Sentia que tinha cometido um crime por me ter lesionado no joelho. E foi em contexto de jogo, não foi a fazer surf ou jet ski. Lesionei-me na minha profissão e as pessoas começaram a duvidar que seria útil. Percebo que tenham duvidado, mas se me dessem a oportunidade para demonstrar que estava bem eu era capaz. Mas nem para testes se abriram portas.

    Bola na Rede: Até por esse contexto, regressar a Portugal era uma das prioridades?

    Pedro Mendes: Eu assinei pelo único clube que me deu oportunidade. Assinei pelo clube treinado pela única pessoa que acreditou em mim, que foi o mister Sérgio Vieira. Não posso mentir, o presidente do Estoril Praia, o Ignacio [Beristain] também me quis dar essa oportunidade e estive a um passo de assinar pelo Estoril. Depois aconteceram outras coisas que já vieram a público e fizeram com que a transferência não se concretizasse. Foram as únicas duas pessoas que acreditaram em mim. Graças a Deus consegui demonstrar que não estou acabado para o futebol, que não sou uma lata velha e que com trabalho, resiliência, exigência e profissionalismo se consegue. E consegui. De janeiro para cá em 17 jornadas joguei 13 e em nove fui titular. Não falhei jogos por lesão e, se em seis meses tenho esta continuidade, quer dizer que estou capaz.

    Bola na Rede: É curioso que em todos os balneários eras o miúdo recém-chegado ou o miúdo jovem. Chegas ao Estrela da Amadora e és uma das referências, como viveste este papel de mentoria?

    Pedro Mendes: Quero enaltecer o balneário do Estrela da Amadora. Foi um dos melhores que apanhei em termos de ambiente. Achava que a minha lesão era um problema, mas olhando para a história de vida de cada um deles, reparei que não era nada. Eles é que tinham problemas, às vezes mesmo com a família. E estavam ali porque precisavam e estavam atrás do sonho. Eu já vivi o meu sonho e eles ainda têm a ambição de saltar do Estrela para um grande europeu e jogar competições europeias. Por exemplo, o Kialonda Gaspar saiu para o Lecce e se calhar o objetivo dele é ir para a Lazio ou para o Nápoles e fazer uma grande carreira. O mesmo com os que ficaram. Os resultados não espelham o que vivíamos no balneário, foi mesmo muito bom.

    Bola na Rede: Resultados que se arrastaram numa luta pela despromoção que só terminou na última jornada. Foi duro viver esta situação por dentro?

    Pedro Mendes: Foi duro porque sentíamos que não merecíamos. Mas seria injusto dizer que os jogadores do Vizela e do Chaves não achavam injusto. Não é justo para ninguém, mas houve fatores externos que acabaram por mexer com o seio do grupo e com decisões como não ter campos disponíveis para treinar. Tínhamos o campo do Sindicato e chegámos a treinar em sintético por não haver disponibilidade. São infraestruturas que faltam a nível nacional. Lá fora o Valenciennes, que desceu à terceira divisão, tem academia, o Dijon tem academia e um estádio e relvado muito bons, o Parma tinha academia e as obras para a academia do Sassuolo começaram no ano em que saí. Não quer dizer que em Portugal não haja, o Estoril tem boas infraestruturas, o Famalicão e o Moreirense estão a crescer. Mas há uma grande discrepância na qualidade do trabalho quotidiano.

    Bola na Rede: É o passo que falta dar para o futebol português crescer?

    Pedro Mendes: Acho que sim. Não sei é de onde tem de vir o investimento. Lá fora há mais dinheiro e é por isso que os nossos jogadores acabam por querer sair para outros campeonatos. A realidade financeira lá fora é completamente diferente.

    «O Sporting fechava dentro por causa do Miguel Lopes e nós saíamos por fora com os extremos e o ponta de lança a fixar a linha defensiva»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Estrela da Amadora 3
    Fonte: Pedro Barrelas / Bola na Rede

    Bola na Rede: Taticamente o Estrela da Amadora tinha um estilo de jogo muito próprio, com processos simples e eficazes. Qual o objetivo a que se propunham dentro de campo?

    Pedro Mendes: A tática era sempre a mesma, mas identificávamos lacunas no adversário e tentávamos explorá-las. Contra o Rio Ave, por exemplo, queríamos explorar os alas porque subiam muito. Atraíamos para jogar nas costas. Há quem diga que era chutão para a frente, mas eu não vejo assim porque trabalhávamos isso. Colocávamos a bola no lateral, havia uma aproximação e um movimento de arraste que abrisse espaço nas costas e nós colocávamos lá a bola. Era trabalhado. Com o Sporting achei bastante interessante, mesmo tendo visto o jogo de fora. O Sporting estava à espera de três defesas, mas com bola o Miguel Lopes fazia de 6. Em vez de fazer de central do meio subia, os nossos alas fixavam os centrais e os nossos médios acabavam por receber a bola fora. Eles fechavam dentro por causa do Miguel Lopes e nós saíamos por fora com os extremos e o ponta de lança a fixar a linha defensiva do Sporting. Acabávamos por ter três médios, o Miguel Lopes, o Aloísio e o Léo Cordeiro, para o Hjulmand e o Daniel Bragança, que não tinham a capacidade para ir pressionar fora. Aí deviam chegar os alas, mas estavam presos com os nossos laterais. Cada jogo tinha a sua história. Tentávamos sempre disputar os jogos.

    Bola na Rede: Já tocaste numa das características mais vincadas do jogo do Estrela da Amadora na última época, que era a capacidade de atrair e bater a pressão com um passe mais longo à procura de um jogador em apoio ou a profundidade. Para um central que vê o jogo de frente qual a importância do jogo de pés e da capacidade de passe num modelo em que esta era exigida?

    Pedro Mendes: O jogo de pés é exigido cada vez mais a todos, até ao guarda-redes. Já vemos saídas de bola em que o guarda-redes faz de central. Vi uma entrevista do Kyle Walker que dizia que o Guardiola exigia ao seu guarda-redes que fizesse do jogo um 11×10. Só seria 11×11 se o guarda-redes adversário pegasse alguém na marcação e isso nunca vai acontecer, portanto há sempre superioridade. Um pequeno aparte, mas gosto também da maneira como o Sporting joga. Dá-me a sensação de que os centrais esperam a pressão do ponta de lança para descobrir espaços e os médios colocam-se nas costas da primeira linha de pressão para receber. O Coates pisava na bola e, quando a pressão saltava, abria-se espaço. Hoje em dia é preciso saber sair a jogar em todas as posições. O futebol já não é um jogo de chutão na frente, toda a gente quer jogar bonito.

    Bola na Rede: Identificar o gatilho para colocar o passe é o principal desafio que se coloca na saída de bola? Saber qual o momento certo para colocar a bola e onde a colocar?

    Pedro Mendes: Acho que sim. Mas, e se não existir pressão? Aí essa equipa que tem de abdicar de jogar. Por exemplo, se o Sporting joga em função da pressão adversária e o adversário decidir não pressionar, como é que vai ser? A verdade é que mais cedo ou mais tarde vai ter de pressionar e é isso que o Sporting faz muito bem. Controlam os tempos e os ritmos de jogo. Se não pressionam vão avançando no terreno até chegar uma altura em que o adversário não vai querer defender dentro da área, portanto vão dar o mote e pressionar. Para quem dizia que está tudo inventado no futebol, não é bem assim. Mesmo na vida, achávamos que estava tudo inventado e aparecem novas coisas. Há sempre alguém que chega e inventa qualquer coisa como o Pep Guardiola. Mas treinadores como o Pep Guardiola há muito poucos. Eu identifico-me com ele o [Roberto] De Zerbi e o Rúben Amorim.

    «Se um treinador tem o grupo na mão pode jogar na tática que quiser, porque os jogadores vão fazer tudo por ele. Basta é ter o grupo na mão. E isso é o mais difícil»

    Pedro Mendes
    Pedro Mendes Estrela da Amadora 2
    Fonte: Pedro Barrelas / Bola na Rede

    Bola na Rede: Deixa antever um futuro como treinador?

    Pedro Mendes: Sim. Eu tenho muito gosto pela tática e pela estratégia. Gosto de fazer a analogia do futebol com o xadrez. Dou um peão a comer para criar o engodo e libertar espaço. Tenho de ver a jogada à frente e ter um plano B. Desde pequenino que o meu pai me ensinou a jogar xadrez e tomei-lhe o gosto. Gosto muito de estratégia e de desafios. É desafiante ter uma equipa com um budget que não posso ultrapassar. Um bom treinador é aquele que agarra numa equipa com poucos recursos e coloca os jogadores que não valiam nada a render e a jogar bom futebol. Lembro-me do Paços de Ferreira do Paulo Fonseca que se qualificou para a Liga dos Campeões. Isso é que é bonito de se ver, os jogadores valorizaram-se e valorizou-se o clube. É outro treinador que também aprecio. Fazer uma omelete sem ovos é desafiante.

    Bola na Rede: Recentemente elogiaste o Neymar, dizendo que era um dos jogadores mais perigosos contra quem jogaste pela capacidade de improviso e de fazer diferente. Pensando como futuro treinador, sentes que a dimensão tão estratégica do jogo acaba por prender estes jogadores ou a função do treinador é mesmo potenciar e criar estes jogadores?

    Pedro Mendes: Eu penso pela minha cabeça e quando for treinador e vir que tenho um jogador como o [Ousmane] Dembelé ou o Neymar, que têm um talento incrível no 1×1, é deixá-los. Dar noções básicas, mas se são muito fortes no drible e conseguem ir para a esquerda e para a direita, para dentro e para fora, é deixá-los livres com bola e só dar umas diretrizes sem bola. Um treinador tem de conhecer os seus jogadores, não é por ser viciado em 4-4-2 que vai jogar assim para sempre. Se tem jogadores com características diferentes tem de os enquadrar e pode ser noutra formação. É preciso conhecer o grupo e tirar o melhor dos jogadores. É possível manobrar em tantas maneiras que não há uma tática certa, é preciso é conhecer os jogadores e os seus pontos fortes e menos fortes.

    Bola na Rede: Um treinador é melhor se for capaz de se adaptar ao contexto?

    Pedro Mendes: O treinador e toda a gente porque se o grupo entender que o treinador é diferenciado vai estar atrás dele. Se um treinador tem o grupo na mão pode jogar na tática que quiser, porque os jogadores vão fazer tudo por ele. Basta é ter o grupo na mão. E isso é o mais difícil.

    Bola na Rede: Sentes que vais beber muito ao conhecimento que absorveste da experiência como jogador?

    Pedro Mendes: Pensando nos treinadores que mais me marcaram a esse nível, vou tirar o Mourinho porque seria batota. É uma escolha fácil. Curiosamente aprendi muito no Sassuolo, o sítio onde passei menos tempo, e com o Eusebio Di Francesco que me disse que seria um bom lateral direito. Os ensinamentos que me dava, os treinos específicos que fazia para a defesa, posicionamento do corpo, apoios, bola coberta e descoberta… aprendi muito e são coisas que absorvi. Não era indiscutível e jogava numa posição onde não gosto de jogar, mas sei apreciar e ver quando o trabalho é bem feito. Nós fazíamos no jogo o que trabalhávamos e resultava. Aprendi muito futebol em Itália, também com o Donadoni. O Jesualdo Ferreira também me ensinou algumas coisas.

    «Tenho capacidade para continuar na Primeira Liga»

    Pedro Mendes

    Bola na Rede: Voltando ao Pedro Mendes como jogador, ainda tens objetivos concretizáveis na carreira?

    Pedro Mendes: O mais tangível é continuar na Primeira Liga, ainda tenho capacidade. Mas a situação da lesão fez-me ver as coisas de outra forma e agarrar-me ao presente. Deixei de fazer planos a médio/longo prazo e vivo um dia de cada vez. Ao dia de hoje tenho capacidade para continuar na Primeira Liga e em Portugal, mas se tiver de ir para fora assim farei. O meu objetivo continua a ser jogar até à mente e ao corpo me deixarem.

    - Advertisement - Betclic Advertisement

    Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

    Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

    Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

    • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
    • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
    • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
    • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

    Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

    Subscreve!

    PUB

    Artigos Populares

    Ángel Di María: «Queremos tentar estar assim até ao final do ano»

    Ángel Di María analisou o encontro entre o Estrela Vermelha e o Benfica para a primeira jornada da Champions League. Lê o que disse.

    Benfica passa no Marakana e vence Estrela Vermelha para a Champions League

    O Benfica foi a Belgrado vencer o Estrela Vermelha por 1-2, em jogo relativo à primeira jornada da Champions League.

    Premier League: treinador tem vindo a ser contestado mas a sua continuidade não está em causa

    O Everton não começou da melhor maneira a nova edição da Premier League. Apesar disso, Sean Dyche não corre risco de despedimento.

    Boniface recorda Thierry Henry e Grimaldo faz golo na Champions League

    O Bayer Leverkusen está a vencer o Feyenoord por 4-0 na primeira jornada da Champions League. Alejandro Grimaldo marcou um deles.

    Kylian Mbappé entra no top 10 de melhores marcadores da Champions League

    Kylian Mbappé marcou um golo na vitória do Real Madrid sobre o Estugarda na primeira jornada da Champions League. Fez história.