As competições de seleções são terreno fértil para as grandes histórias individuais e coletivas. Este Euro 2024 não foi exceção e saiu, aliás, muito valorizado pelas seleções mais alternativas e da segunda prateleira do futebol europeu.
Se a fase a eliminar foi, na sua maioria dos casos, marcada por jogos muito amarrados, com equipas mais preocupadas no espaço que não deviam dar do que no espaço que podiam criar e ameaçar, a fase de grupos foi marcada por muitas histórias bonitas, protagonizadas por seleções que valorizaram o Euro 2024. Entre os vários estilos de jogo, as seleções com menos holofotes trouxeram para si a luz pela capacidade de valorizar jogadores e de dar espetáculo (também nas bancadas).
Por estes fatores, há vários nomes alternativos, muitos deles eliminados em estágios precoces da competição e que, mesmo assim, se mostraram. Sem estar na primeira página do livro do Euro 2024, valorizaram-se e, muitos destes, podem ainda ousar dar o salto na carreira para clubes com outra ambição.
Para o destaque estar nestas histórias mais alternativas, ficam de fora jogadores das principais seleções e de fora alguns jogadores mais mediáticos de seleções menores aqui representadas. O Euro 2024 já acabou, pensando no futebol jogado, mas continua bem vivo. Pelo menos enquanto os craques bailarem nas nossas memórias.
1.
Michel Aebischer (Suíça): Coletivamente não houve nenhuma equipa a surpreender tanto como a Suíça. A seleção helvética não é de dar nas vistas, mas este ano deixava mais dúvidas que certezas, até pela preparação abaixo das expectativas e pelo nível oscilante de futebol jogado.
A Suíça viveu pela capacidade de adaptação tática e de leitura de cenários de jogo de Murat Yakin. Em todos os jogos apresentou nuances e ajustes pensados ao pormenor que potenciaram cenários de vantagens e resultaram numa das equipas mais atrativas do Europeu.
A primeira delas, e que se fez notar ao longo do torneio, foi Michel Aebischer. O médio centro do Bolonha foi puxado para a ala esquerda no momento defensivo, fechando a linha de 5. No entanto, com bola, procurava constantemente o espaço interior permitindo à Suíça ter vantagem numérica por dentro e definir com qualidade. Mostrou leitura de jogo, sentido posicional e, taticamente, foi a chave para entender o jogo da Suíça.
Estatísticas: 5 jogos, 1 golo, 2 assistências
2.
Dan N’Doye (Suíça): A Suíça é a única seleção a repetir um jogador na lista. O coletivo bem trabalhado permitiu que não só os nomes mais badalados (Manuel Akanji e Granit Xhaka fizeram um Europeu fenomenal) se destacam-se.
O Euro 2024 teve muito do Bolonha que, ao longo da temporada, encantou Itália. Sem treinar qualquer seleção, Thiago Motta deu Riccardo Calafiori à Itália ou Stefan Posch à Áustria, mas foi a Suíça quem mais beneficiou com a valorização de jogadores por parte do conjunto italiano. Remo Freuler, Michel Aebischer e Dan N’Doye foram protagonistas da mais italiana seleção do Euro 2024 (pensando em marcações individuais e vantagens para superar pressões adversárias).
A polivalência tática e capacidade de desequilibrar de Dan N’Doye permitiu à Suíça ter, de forma permanente, uma ameaça capaz de criar perigo. Pela velocidade no ataque à profundidade e pela capacidade de atacar as costas da linha defensiva em ruturas, criou situações de finalização à formação helvética.
Estatísticas: 5 jogos, 1 golo
3.
Rey Manaj (Albânia): Entre as seleções eliminadas na fase de grupos, nenhuma se destacou tanto quanto à Albânia do tantas vezes injustiçado Sylvinho. O grupo da morte deixava antever um cenário de qualificação praticamente impossível – como se verificou – mas a seleção albanesa foi uma das atrações do torneio.
A capacidade de defender de forma compacta e organizada com linhas muito próximas e definidas pelo posicionamento dos extremos (alternando entre um 4-4-2 a controlar o corredor central e o 6-3-1 para defender a largura) permitiu à Albânia manter a segurança atrás e sustentar as saídas rápidas.
Pela capacidade técnica em reter a bola e definir, a estética de Rey Manaj sobressaiu no ataque albanês. Nem sempre foi titular, mas quando entrou em campo notou-se a diferença. Ataca o espaço em ruturas inteligentes e tem na capacidade de definição o principal fator decisivo pela qualidade na ação (passe e remate) e pelo timing. Não teve a carreira esperada, mas a passagem pelo Barcelona não foi aleatória.
Estatísticas: 3 jogos
4.
Jaka Bijol (Eslovénia): Nos 120 minutos diante de Portugal, a Eslovénia expôs todas as suas forças que levaram a seleção comandada por Matjaz Kek à melhor classificação de sempre numa competição de seleções.
O 4-4-2 bem definido da Eslovénia abriu espaço ao brilho de duplas num trabalho que permitiu com que todos os jogadores da seleção se destacassem do ponto de vista positivo. A complementaridade da dupla de ataque (Benjamin Sesko e Andraz Sporar), a capacidade de preenchimento de espaço e as opções com bola dos médios (Adam Cerin e Timi Elsnik) foram atrações, mas a maior valência da Eslovénia foi a segurança defensiva.
Além de Jan Oblak, esta consistência defensiva esteve muito assente em Vanja Drkusic e, principalmente, Jaka Bijol. O central da Udinese mostrou argumentos na defesa da área (posicionamento, agressividade nos duelos e sucesso pelo ar) e na definição da linha defensiva, alternando os momentos de bloco médio/baixo e bloco médio. Oferece ainda opções com bola nos pés que o valorizaram como um dos melhores centrais do Euro 2024.
Estatísticas: 4 jogos
5.
Florian Grillitsch (Áustria): A Áustria foi a sensação coletiva do torneio em parâmetros como o desenho da pressão, a ocupação dos espaços ou a agressividade nos duelos. Não seria de esperar outra coisa de Ralf Rangnick, um homem muito maior para o futebol do que a imagem cinzenta do bombeiro incapaz de apagar os fogos que outros acenderam em Manchester.
A capacidade de impedir saídas de bola limpas, de obrigar o adversário a errar e de, rapidamente, chegar ao outro lado do campo num jogo vertical bem executado tornou a Áustria uma das sensações do torneio. Nomes como Nicolas Seiwald, Konrad Laimer ou Marcel Sabitzer e o aparecimento de extremos como Romano Schmid ou Patrick Wimmer são protagonistas claros, mas o nome de Florian Grillitsch ficou na retina por ser o jogador fora da engrenagem.
Com bola, faltou outra capacidade e brilho do ponto de vista individual à Áustria. Apesar de ser capaz de se agigantar em campo e de incomodar os adversários, faltaram argumentos criativos que só Florian Grillitsch ofereceu. Começou a jogar mais avançado no terreno, mas tem recuado e quanto mais perto da bola estiver, mais eficiente é o seu jogo. Oferece critério no passe, descobrindo saídas limpas e permitindo à equipa respirar com bola e junta-se à frente para definir no último passe. Tem um toque de bola diferenciado numa equipa em que o pulmão foi mais importante.
Estatísticas: 4 jogos, 1 assistência.
6.
Stanislav Lobotka (Eslováquia): É profundamente injusto colocar Stanislav Lobotka numa lista alternativa. O médio é, já há vários anos, um dos principais destaques do Nápoles e, por brilhar neste palco alternativo do topo europeu, é constantemente subvalorizado.
A Eslováquia esteve a segundos de ser a maior surpresa do Euro 2024 e de eliminar Inglaterra nos oitavos de final da competição. O meio de transporte algures entre a bicicleta e o triciclo de Jude Bellingham impediu uma valorização justa a uma das seleções mais agradáveis de assistir, principalmente enquanto o pulmão o permitia.
No modelo de jogo de Francesco Calzona, Stanislav Lobotka destaca-se como a bússola que orienta caminhos e define os ritmos de jogo. Todas as jogadas da Eslováquia passaram pelo médio mais recuado que, quer através de passes curtos para reter a bola e atrair a pressão, quer com lançamentos na procura de uma referência para a primeira bola ou de ativar os extremos. Elegante nas suas ações, o médio eslovaco continua a mostrar que tem capacidade para jogar nos maiores palcos do mundo.
Estatísticas: 4 jogos
7.
Radu Dragusin (Roménia): O grupo E do Euro 2024 permitiu histórias curiosas e imprevisíveis. Nenhuma tão agregadora e surpreendente quanto a Roménia que, contra todas as expectativas, terminou o grupo no primeiro lugar.
A goleada diante da Ucrânia num jogo com muita criação através de remates de fora de área (Andriy Lunin não ficou bem na fotografia), camuflou alguns problemas e limitações que, nos oitavos de final, os Países Baixos descobriram. Dificuldades que, daqui a uns tempos, serão esquecidas e colocadas num fundo de um baú pintado a ouro pela Roménia.
Depois de uma exibição dominante no primeiro jogo com o brilho individual dos elementos do meio-campo e da frente, os restantes encontros permitiram a Radu Dragusin evidenciar-se como o melhor nome da nova geração romena que tem potencial para continuar a crescer. O defesa tem atributos para defender mais subido no terreno e cobrir a profundidade e agressividade nos duelos com os avançados e foi capaz de apagar alguns fogos provocados por alguma desorganização defensiva da Roménia. Ange Postecoglou tem alguns dos mais rápidos e promissores centrais do mundo para potenciar no Tottenham.
Estatísticas: 4 jogos
8.
Georgiy Sudakov (Ucrânia): A participação da Ucrânia no Europeu ficou aquém das expectativas. A pesada derrota diante da Roménia na abertura condicionou o saldo de golos dos ucranianos que reagiram, mas foram incapazes de garantir o apuramento.
O contexto geopolítico da Ucrânia é, naturalmente, um condicionante enorme ao futebol ucraniano que até tem uma das mais promissoras gerações dos últimos anos. Quando o futebol deixa de ser a única prioridade e o único foco, torna-se mais difícil que vários jogadores se valorizem, mas um dos nomes da Ucrânia no Euro 2024 destacou-se acima de todos os outros.
É até algo estranho, embora o contexto possa ser uma justificação simples de entender, que Georgiy Sudakov continue no Shakhtar Donetsk. O jovem médio tem a consistência como trunfo: quando tudo corre bem é destaque do conjunto, quando nem tudo se desenrola como planeado corre por fora para continuar a dar opções. Ocupa o meio-campo e é um pilar no desenho do jogo ucraniano com capacidade no passe e no lançamento. Tem inteligência, sentido posicional e criatividade para ser um dos médios em destaque nos próximos anos e figura de proa da Ucrânia.
Estatísticas: 3 jogos
9.
Ferdi Kadioglu (Turquia): A seleção da Turquia é a maior caixinha de surpresas do futebol europeu. Capaz dos melhores e dos piores jogos, de torneios apaixonantes ou irrelevantes, Vincenzo Montella ajudou a dar consistência aos turcos que, excetuando a exibição paupérrima diante de Portugal, foram combativos e regulares nos restantes jogos.
Há, principalmente, uma ideia muito forte de futuro liderada pela estrela e coqueluche da Turquia. Arda Guler será, tudo indica, um dos nomes fortes do futebol nos próximos anos e foi capaz de liderar tecnicamente a seleção a um bom desempenho no Europeu. A Turquia valorizou jogadores e lançou as bases para uma candidatura que, mantendo esta estabilidade, pode ser séria à presença e desempenho nas grandes competições.
Na Turquia destacou-se também Ferdi Kadioglu, um dos laterais esquerdos do torneio. É difícil encontrar um jogador mais polivalente que o lateral turco que, pelo entendimento de jogo e capacidade técnica, tem capacidade para desempenhar inúmeras funções. Jogando a partir da esquerda foi capaz de dar soluções criativas na saída de bola, de se projetar por dentro e por fora e de definir no último terço. Ficando no Fenerbahçe, será o melhor reforço para José Mourinho.
Estatísticas: 5 jogos
10.
Giorgi Kochorashvili (Geórgia): Não há na Europa uma história tão bonita no futebol de seleções como a Geórgia. Começou na última divisão da Liga das Nações, aproveitou a competição para aumentar a competitividade e viveu o capítulo mais bonito da sua história no Euro 2024.
A entrada de 24 seleções no Europeu tem limitações evidentes na competitividade e emoção da fase de grupos, mas permite estas histórias. O apuramento da Geórgia para os oitavos de final vale mais do que alguns títulos e a tendência é o percurso ainda não ter atingido o apogeu. Há dois nomes de classe mundial na Geórgia (Khvicha Kvaratskhelia e Giorgi Mamardashvili) e jogadores com qualidade clara e adequados ao modelo de jogo como Georges Mikautadze, Guram Kashia, Giorgi Chakvetadze ou Giorgi Kochorasvili.
O médio da Geórgia é um jogador de culto. É inteligente no posicionamento defensivo, ocupando de forma racional os espaços, sabendo quando e em que jogador encostar para impedir transições e ganhando duelos e muito funcional com bola. Recua para organizar e ver o jogo de frente, oferece opções na saída de bola e consegue fazer desaguar o jogo com passes longos criteriosos. Um dos destaques mais bonitos do Euro 2024.
Estatísticas: 4 jogos, 1 assistência