No seu primeiro derby ao serviço do Manchester United, Rúben Amorim e os seus jogadores conseguiram uma vitória de contornos épicos frente ao Manchester City. A equipa de Pep Guardiola esteve em vantagem no marcador até ao minuto 85, mas sofreu uma reviravolta impressionante no espaço de dois minutos.
Uma vitória que irá certamente reforçar a confiança de uma equipa que ambiciona voltar ao topo do futebol inglês.
É a segunda vez que Amorim ganha a Guardiola no espaço de menos de dois meses, o que contribui para que aumente o prestígio do técnico nacional. Em novembro, quando ainda comandava o Sporting, infringiu uma goleada escandalosa de 4-1 ao Manchester City.
Na primeira parte, o equilíbrio foi a nota dominante durante os primeiros 35 minutos de jogo. Mais posse de bola por parte do Manchester City, mas uma posse estéril e pouquíssimas oportunidades de golo. Num lance de bola parada, um cruzamento de De Bruyne sofreu um ligeiro desvio de Diallo, encontrou a cabeça de Gvardiol, e o defesa croata com um cabeceamento de belo efeito a bater Onana.
Assistiu-se então aos melhores momentos do Manchester City em todo o jogo, a equipa galvanizou-se e foi por muito pouco que não conseguiu aumentar a sua vantagem, depois de um grande trabalho individual de Foden já nos últimos minutos da etapa inicial.
Ao intervalo, o resultado registava um merecido 1-0 no marcador, mas a sensação era de que se o Manchester United conseguisse defender de forma mais compacta e organizada e fosse mais atrevido ofensivamente, acabaria por ter a sua chance.
Por não ter gostado do empenho e rendimento de Garnacho e Rashford nos últimos treinos, Rúben Amorim tomou uma decisão extremamente corajosa, mas determinada de deixar ambos os jogadores fora da convocatória.
Esta equipa do Manchester United não abunda em grandes soluções ofensivas de grande qualidade, e deixar dois jogadores com a qualidade de Garnacho e Rashford fora de um jogo tão importante, poderia ser visto como um ato suicida e que se corresse mal, seria alvo de forte escrutínio e crítica por parte da sempre ácida e “agressiva” imprensa inglesa.
Mas a equipa do Manchester United conseguiu estabilizar emocionalmente na segunda parte, não concedeu praticamente oportunidades de golo ao Manchester City e numa saída rápida para o ataque, quase conseguiu chegar ao empate.
Bola lançada por Mazraoui nas costas da defesa do Manchester City para Bruno Fernandes, que desperdiçaria uma oportunidade clamorosa por ter tirado mal as medidas à baliza adversária. O recurso de picar a bola por cima do Ederson era o adequado, mas a bola saiu ligeiramente fora, fazendo com que o internacional português se ajoelhasse no relvado e se lamentasse por não ter conseguido dar o melhor seguimento ao lance.
Apesar disso, o Manchester City parecia ter minimamente o controlo do jogo, mas mais uma vez teve um Haaland totalmente inofensivo e que foi presa fácil para o muito criticado Maguire, que cresce muito exibicionalmente quando joga num esquema de três centrais.
Não deixando de enaltecer a coragem de Amorim e dos seus jogadores, é impossível dissociarmos o que se passou nos últimos 15 minutos sem falarmos do atual estado de forma da equipa do Manchester City.
A equipa de Pep Guardiola era líder da Premier League em fins de outubro, estava bem posicionada na tabela classificativa da Champions League e de lá para cá, vem num registo anormal de uma vitória nos últimos 11 (!) jogos, sendo que durante essa série, chegou a averbar cinco (!) derrotas consecutivas (a pior série de resultados da carreira do treinador espanhol) e a desperdiçar uma vantagem de três golos jogando na sua casa contra os holandeses do Feyenoord.
Está atualmente em quinto lugar na Premier League e em sério risco de não conseguir apurar-se para o play-off da Champions League, algo que seria absolutamente escandaloso.
Sim, Rodri faz muita falta, mas o que se vê em campo não se pode justificar apenas com a ausência do atual Bola de Ouro.
É por demais evidente que a mensagem deixou de passar, e Guardiola sabe disso. Já não se sente capaz de dar com a tecla e de dar a volta. Ele próprio o admitiu no fim do jogo de uma forma bastante humilde: “Neste momento não sou suficientemente bom. Sete derrotas em dez jogos numa equipa grande não é normal e eu não estou a fazer um bom trabalho.”
Se há aspecto que sempre caracterizou as equipas de Pep Guardiola, é o seu controlo do jogo através de uma posse de bola muito consistente e de constantes movimentações dos seus jogadores. Os últimos quinze minutos deste derby revelaram tudo aquilo que o Manchester City é neste momento. Uma equipa sem confiança, totalmente desnorteada, sem rumo e com um líder que não consegue ver explanadas as suas ideias em campo.
Para além disso, a sua defesa é bastante permeável e o futebol da equipa inglesa tornou-se extremamente previsível e pouco dinâmico. Bernardo Silva é uma sombra do jogador que já foi, de Bruyne parece só ter gás para uma parte e Gundogan já não consegue ser o jogador determinante que outrora foi. Foden e Doku têm sido inconsequentes na maioria dos jogos.
Neste jogo, Guardiola resolveu adaptar Matheus Nunes à posição de lateral-esquerdo e isso revelou-se fatal. Matheus não estava a fazer um mau jogo, mas muito fruto da desinspiração do ataque do Manchester United, que lhe estava a dar uma tarde tranquila.
Uma vitória contra os rivais da cidade, poderia ser o tónico para acabar com esta crise absurda e injustificável de resultados da equipa do Manchester City, mas as equipas adversárias sentem que neste momento (seja qual seja o resultado), têm sempre hipóteses de conseguir inverter o mesmo, porque estão cientes de que a equipa do City está demasiado frágil mentalmente e basta sofrer um golo, que esta se desmorona por completo.
E foi exatamente isso que aconteceu ao minuto 85. Mais um erro individual grosseiro (a somar aos vários que toda a equipa tem tido nestes últimos jogos), desta vez sendo de Matheus Nunes, que fez um mau passe atrasado e que foi interceptado pelo endiabrado Diallo. Ederson saiu da baliza, mas o extremo costa-marfinense já não tinha grandes possibilidades de sucesso nessa jogada, pois ficou com pouco ângulo. Mas Matheus Nunes na ânsia de corrigir o seu erro, teve uma péssima abordagem e literalmente abalroou Diallo, concedendo uma grande penalidade tanto escusada como ridícula.
No fim do jogo, Bernardo Silva disse que nos últimos minutos, a equipa tinha jogado como os sub-15 e esse lance é bem elucidativo disso. Chamado à cobrança, Bruno Fernandes não tremeu e empatou o resultado.
Guardiola costuma ser um treinador frio e calculista, mas cedeu à pressão atual de conseguir um bom resultado e logo a seguir ao golo, retirou Gundogan do campo e colocou Savinho (que deixou de ser aquele jogador feliz e efectivo dos primeiros dois meses da época), o que fez com que a equipa se tivesse balanceado para o ataque.
Esta decisão não poderia ter sido mais equivocada por parte do treinador espanhol. Era preferível ter conservado um empate (que tendo em conta o estado atual da equipa), seria sempre visto como um mal menor. Expôs a equipa desnecessariamente numa fase em que a equipa está com os índices de confiança muito baixos, e desta vez a sua audácia teve um preço bastante caro.
Praticamente logo a seguir ao golo do empate, a equipa do Manchester United (plena de confiança e energia) conseguiu recuperar a bola, Lisandro Martínez viu a desmarcação do endiabrado Amad Diallo, e este a ganhar as costas de Matheus Nunes e Gvardiol, aproveitando a saída extemporânea e despropositada de Ederson (que atravessa um horrível momento de forma) para com um recurso técnico maravilhoso, conseguir fazer a bola sobrevoar o guardião brasileiro e sem a deixar cair e nunca perdendo a noção de onde estava a baliza adversária, a conseguir rematar para o fundo das redes.
Estava consumada a reviravolta no marcador e esse momento desatou a loucura entre os adeptos do Manchester United e teve o condão de congelar o estádio Etihad.
Guardiola não queria acreditar no que estava a ver. Os jogadores do Manchester City olhavam-se entre si e pareciam igualmente incrédulos.
Até ao fim do jogo, a equipa do Manchester United foi solidária e não concedeu nenhuma oportunidade de golo aos comandados de Guardiola, conseguindo a primeira vitória no reduto do seu rival desde 2021. Amorim tornou-se também no primeiro treinador a conseguir ganhar o seu primeiro derby, desde o lendário e mítico Sir Alex Ferguson.
No fim do jogo, Amorim deu mais uma aula de comunicação, sabendo responder de forma exímia à tremenda insistência dos jornalistas em saber o motivo pelo qual Garnacho e Rashford não foram convocados. Amorim quer uma equipa comprometida e solidária, nem que para isso tenha que tomar decisões drásticas. Sabe que o seu projecto necessita de tempo e de consolidação de processos e ideias e está perfeitamente consciente de que quanto mais unido estiver um grupo de trabalho, mais facilmente os resultados irão surgir.
Já se vê o seu dedo na equipa, o Manchester United já apresenta uma identidade muito própria e é notório que os jogadores acreditam na mensagem do seu líder e na sua ideia.
Ao invés do Manchester City, onde o ciclo Guardiola parece ter chegado ao fim. Foram nove anos maravilhosos, repletos de grandes êxitos desportivos, mas tudo tem um princípio e um fim. Sou muito fã do trabalho do Guardiola, é indubitavelmente um treinador que mudou o futebol moderno, mas esta já é uma liderança espremida ao máximo. Ninguém ganha sempre, mas esta equipa está mesmo necessitada de sangue novo e um outro rumo.
Manchester volta a pintar-se de vermelho.