Gian Piero na capital

Atenção, ragazzi, a Serie A volta em força. O baile de cadeiras vai construindo uma narrativa de meter tudo de cabeça à roda: Inzaghi, como Demone sucumbido perante o esgotamento das leis do transcendente e da superstição, deixou a cadeira do Inter para Chivu, que se fez respeitado por carreira longa na Bota à base do mesmo inesgotável voluntarismo tático.

Por muito currículo e história no Giuseppe Meazza, o romeno luta contra o seu passado recente – sim, salvou o Parma da descida, mas são só treze jogos na elite… – e contra as suspeitas de que nem sequer segunda opção seria para Marotta.

Fábregas, esperto, sabe que no Como é o manda-chuva e tem quem o apoie numa inédita chegada à Europa (que bom é poder juntar Baturina e Álex Valle a Caqueret, Nico Paz e Perrone) e então, com costas largas, justifica assim a crença total «no projeto a longo prazo»: «Cheguei aqui como jogador e estou muito, muito feliz porque posso trabalhar como quero[1]».

O senhor Marotta, rejeitado desta maneira, engoliu em seco e não teve engenho para disfarçar o embaraço nem para criar elã na chegada de Chivu, homem de confiança lançado às feras, vendo pairar sobre a sua cabeça um sem número de fantasmas. Não se pedia um anúncio retumbante; mas uma introdução mais convicta, não aquela atabalhoada conferência de imprensa, cheia de gaffes e desencontros.

Cristian Chivu
Fonte: Inter Milão

Na mesma cidade, o AC desenvencilhou-se do falhado projecto lusomendista e voltou ao seu pedigree orientador pedindo ajuda a Allegri, candidatando-se automaticamente aos lugares de Champions – e se Leão quiser mesmo, ao título; Como aconteceu com Pioli, que, por sua vez, se cansou das mil e uma noites e está prestes a assinar pela Fiorentina, conseguindo já nos entretantos resgatar Dzeko a Mourinho.

De Laurentiis conseguiu, ao mais derradeiro momento, meter consciência na cabeça de Antonio Conte (e quão pouco provável parecia há umas semanas, hein?) e evitar o beijo da sua Vecchia Signora, esta farta que está dos métodos de Tudor; A Juve vê-se aflita para garantir comandante jeitoso, se o critério é mesmo ser italiano, apelido do Vincenzo que segurou (e oleou!) o Bolonha, que a certa altura parecia perdida sem Thiago Motta, e por lá continuará; Em Roma, Sarri surge da neblina para dizer, sob aplausos, que o regresso à sua Lazio, um ano depois, «é pouco racional»[2].

No mesmo estádio, surge, de rompante, o nome que talvez fosse a prioridade de todas as listas. Gasperini deixou a Atalanta entregue ao aprendiz Juric e aperta a mão a Ranieri, num momento que tem tanto de cómico como entusiasmante. Uma parelha como nenhuma outra em Itália que, mesmo que ambos rejeitem a hipótese, tem tudo para garantir o Scudetto no Olímpico. Para já, é comparar com introdução interista e notar as sintomáticas diferenças. 

Gian Piero fez em nove anos o que mais ninguém conseguira em mais de cem. Elevou Bérgamo e a sua Atalanta ao topo europeu, ao conseguir finalmente materializar a efervescência da sua personalidade num planeamento estratégico até agora irreplicável. Depreende-se que projecto tão eterno lhe tenha mesmo saído directamente do coração.

Percebe-se um pouco se olharmos mais a fundo: ele próprio foi criado por baixo, subindo a pulso à pala do génio de difícil tratamento, mas sabedor e leal. Falhou mais do que ganhou. Entre a tradicional Bérgamo e a elite do Calcio, concentrada nas cinco grandes regiões populacionais, vai a mesma diferença da encolhida Grugliasco, de 36 mil habitantes, para a azáfama de Turim (que em distância nem é assim tanto, só cinco quilómetros).

Lá nascido de pai operário e mãe comerciante, Gian Piero nunca chegou como atleta aos grandes palcos, apesar de jogar primeira divisão com o Pescara.  Entre 1994 e 2003, conseguiu formar-se como líder na formação da Juve e parecia estar lançado quando consegue tornar o Génova equipa de competições europeias, com Diego Milito ou Palacio.

Quando o Inter, na ressaca do triplete de Mourinho e desiludido com as trocas e baldrocas de Benítez ou Leonardo, aposta no Gian Piero, algo não conectou – o desafio era imenso num plantel cansado de ganhar. Durou cinco jogos oficiais, em troca de acusações com a direcção e por isso a ideia criada de que não teria perfil – nem a tal sofisticação – para grandes equipas.

Marco Materazzi José Mourinho
Fonte: FC Inter Milão

Que com ele a porca torcia o rabo muitas vezes: e que o digam alguns que com ele ganharam e encantaram na Atalanta, como Maehle, Papú Gomez ou Lookman. Mas cinco qualificações para a Champions, cinco top5s na liga e duas Panchina d’Oro, que é o mesmo que dizer Treinador do Ano, chegam para atestar o estatuto lendário, nem precisando de discorrer sobre todos os outros recordes (e o preferido de quem escreve é aquele de, na primeira tentativa de Champions, levar a Atalanta aos oitavos depois de perder os três primeiros jogos, igualando Sir Bobby Robson).

Para já, uma garantia – se em Bérgamo, por muito sucesso e notoriedade, a política de acrescento ao plantel se centrasse nas camadas jovens e num agudo scouting nas periferias da elite, na capital há meios para agir doutra maneira.

Apesar de ele próprio frisar que é preciso procurar a vontade de brilhar como complemento do talento, e não a fama, há desde logo matéria-prima de ponta para ser desenvolvida em Trigoria, já adaptado ao seu sistema de três atrás – Mourinho, De Rossi e Ranieiri são quase tão adeptos do alinhamento quanto ele – e identificados com a sua maneira de estar.

Um dos líderes do balneário, Mancini, lançou-se na ribalta ao colo de Gian Piero e já fez saber que, com o mentor, a Roma «aumenta o nível[3]».  Outros, como o capitão Pellegrini ou o ícone El Sharaawy, já tiveram oportunidade de se inteirarem do poço de sabedoria, numa aula informal proporcionada pela folia do copo-d’agua de Scamacca.

Tudo a postos para o regresso da Itália ao futebol raiz do cinismo como arma de arremesso e do pragmatismo como doutrina prioritária.


[1] https://www.zerozero.pt/noticias/fabregas-rejeita-inter-de-milao-acredito-muito-no-como-a-longo-prazo-/833458

[2] https://www.abola.pt/futebol/noticias/sarri-regressar-a-lazio-pode-nao-ter-sido-a-decisao-mais-racional-2025061514173334618?srsltid=AfmBOooTzSgmnq9hzmW93MhVYwpLYcTU7EMOVW76JxuwGkkh4zgKkXZC

[3] https://x.com/ASRomaPress/status/1933881626104095127

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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