Rosenborg: No frio de Trondheim, mandava Nils Arne Eggen

I’ll hand them that, Real Madrid, they tried. Quando os merengues chegaram ao estádio Lerkendal, talvez nem soubessem que ali, já a dois passos do Ártico, na mesma cidade que os vikings tinham considerado a capital da sua Noruega, reinava agora alguém da mesma estirpe combativa e de espírito encharcado em esperteza e audácia.

Nils Arne Eggen já tinha consolidado o poder interno e estava agora a desbravar a Europa, na procura do desconhecido para o futebol nórdico. Nunca uma equipa escandinava foi tão consistentemente presença na Liga dos Campeões: com Eggen, o Rosenborg participou 11 vezes na fase de grupos, oito delas de forma consecutiva, enquanto ia passeando em casa – a partir de 1992, foram treze campeonatos de rajada.

Prevalecendo a matriz nacional na construção do plantel, poderíamos individualizar mas seria um contrasenso na percepção do todo. Eggen tinha as suas ideias bem vincadas de como se jogar futebol, as mesmas que possibilitaram ao ímpeto viking a chegada ao Novo Mundo muito antes de qualquer europeu: em frente, ao ataque e sem medo, exaltando as forças individuais como forma de combater as fraquezas colectivas.

O Real Madrid, a precisar dum ponto para garantir a qualificação naquela fase de grupos 1997/98, chegou descontraído ao bairro Rosenborg, encantado pela neve e pelo cenário pitoresco. Em Madrid tinha aplicado chapa quatro e Jupp Heynckes aproveitaria até para estrear na comitiva um menino chamado Iker Casillas, que faria as vezes de suplente a Cañizares. Só que Hierro, Raúl e Morientes estavam mais habituados à temperança mediterrânica e a coisa descambou: Eggen, no seu 4-3-3 de eleição, passou o futuro campeão europeu a ferro, tendo sido essa a única derrota da caminhada. Eles realmente tentaram, dizia ele surpreendido no final.

O carisma tornou-se parte da sua lenda. A forma como se impunha naturalmente num balneário e se fazia ouvir. As ideias fluíam-lhe então pelo intelecto aguçado, moldado por outros grandes da bola: Nils Arne Eggen não tinha sido um jogador por aí além, apesar de fazer parte do primeiro Rosenborg vencedor de Taça (1960 e 64) e depois do primeiro campeonato (1967). Preferencialmente como lateral-direito, o seu papel resumia-se a complemento de outros mais dotados tecnicamente como Odd Iversen, o goleador-mor.

Esse primeiro título é ganho sobretudo pela associação criada entre Iversen e o municiador Harald Sunde – juntos, fizeram 39 golos dos 62 golos da equipa. Mas Eggen foi, ainda assim, importante o suficiente para ser totalista. O obreiro desses sucessos foi Knut Naess mas o tempo vai impondo certos limites que desgastam as relações humanas. Era preciso mudar e chamar alguém de pulso firme, que recuperasse o controlo do balneário.

O Rosenborg perguntou aos criadores da bola se conheciam alguém indicado para o lugar. A mesma Federação Inglesa que indicaria Jimmy Hagan ao Benfica enviaria aos noruegueses uma lista com os nomes mais preparados para uma missão daquelas. Um deles era Bobby Robson, outro George Curtis. Depois da nega do primeiro, acertou-se tudo com o segundo, que podia ter ganho fama como avançado do Arsenal senão fosse obrigado, pela Segunda Guerra, a ir para a Índia servir na Força Aérea.

George Curtis chegava então ao Lerkendal como homem sugerido pelos ingleses para manter o Rosenborg no topo. Diz-se que começou a primeira palestra confiante, apontando para um esférico e exclamando «Isto é uma bola!», o que levou o sagaz Iversen a dizer-lhe que estava a ir demasiado rápido nas explicações.

Mas as coisas lá se arranjaram, a equipa soube ouvir as suas ideias que, até certo ponto, eram mesmo revolucionárias para aquele contexto: do 4-2-4 de inspiração brasileira, sempre de olhos postos na outra baliza, evoluiu-se para duas linhas de quatro que possibilitavam a introdução da verdadeira novidade, a marcação à zona. O Rosenborg, de tradição de espectáculo, tornou-se uma equipa de tracção atrás, intransponível mas sem o poder de fogo habitual. Campeão no ano de estreia, Curtis seria despedido a meio do segundo, ao fim de 18 jornadas, porque o Rosenborg, apesar de ter só sofrido cinco golos… não passara dos 15 marcados.

Entra então Nils Arne Eggen, que já acompanhara todo o processo de perto. Jovem, apaixonado pelo jogo, deixava-se levar pelas aventuras do Ajax de Rinus Michels, campeão europeu frente ao Milan (já depois de eliminar o Benfica) e por essas ideias que vinham do país das tulipas. Deixou-se inspirar pelo jogo de posição e pelo conceito de colaboração como base de toda a estratégia: cada acção era pensada em prol do sucesso do conjunto. Essa colaboração, discernida da cooperação pela existência duma missão comum, duma visão mais abrangente que estimule as partes na procura dum todo, foi resumida como a The Best Foot Theory. A ideia básica: ter plena noção das fraquezas de cada colega e, sobretudo, priorizar as suas qualidades. Por isso, e em primeiro lugar, procurar sempre o seu pé mais forte. Resultado? Dobradinha no ano de estreia.

Seriam 23 anos ao comando do Rosenborg, divididos por várias fases, a mais importante delas entre 1988 e 2002: conseguida a estabilidade interna, era hora de assaltar a Europa. A primeira qualificação para a fase de grupos da Champions é conseguida à custa do Besiktas, em 1995-96. Um golo em Istambul  do lendário Skammelsrud possibilitou a primeira aventura. E num grupo com Spartak, Legia e Blackburn, foram os campeões ingleses que se tornaram no primeiro gigante a tombar em Trondheim.

Época seguinte, foi o Panathinaikos a fazer o favor de abrir a porta da Champions. Porto, Milan e Gotemburgo, disse o sorteio – e Nils Arne Eggen esfregou as mãos, que haviam ali bons nomes para testar a sua máquina. À sexta jornada, o Rosenborg visitava San Siro para decidir, contra… Arrigo Sachi e Baresi, Maldini, Boban e Baggio, uma inédita qualificação para a fase seguinte. E da lenda escreveu-se mais um capítulo.

Foram oito anos consecutivos na fase de grupos, onze participações entre 1995 e 2007. Trondheim e o Lerkendal tornaram-se icónicos pela dificuldade imposta pelo ritmo do carrossel ofensivo dos da casa ao mesmo tempo que a neve caía. O que não significa que o Rosenborg fosse totalmente inofensivo fora de portas – à medida que, além de Skammelsrud, Brattbaak, Mini Jacobsen, John Carew ou Rushfeldt se iam habituando ao nível internacional, a equipa ganhava estofo. O que possibilitava ganhar pontos onde uns poucos anos antes seria inimaginável. Sim, são 31 derrotas em 44 jogos fora na Champions: mas além de Milão e Dortmund, há um 0-3 no Bessa ou um 1-1 nas Antas.

Mas sim, em casa era uma coisa impressionante. Entre 1996 e 2000, ninguém saiu de lá com os três pontos. Aos já enunciados é juntar Bayern e Juventus, a Velha Senhora por duas vezes. Há claramente um antes e um depois de Eggen: nos seis anos anteriores à derradeira chegada do técnico (1988), um campeonato entre dois sextos lugares, um oitavo, um quarto. Irrepetível, sobretudo pela forma além do conteúdo, pela personalidade e a iconologia que se gerou à volta dos seus maneirismos, humor ácido e resposta na ponta da língua, além da famosa indumentária. O Ferguson norueguês.

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Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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