Quem acompanhou os Mundiais de Londres em Agosto, certamente se recorda da forma como o norte-americano foi sucessivamente vaiado cada vez que era apresentado ou entrava em pista. Sempre foi assim após a sua suspensão? A parte curiosa é que não! Gatlin regressou em 2010 e só em 2012 retomou à sua forma habitual. Até 2015, Justin Gatlin nunca foi vaiado pelos estádios onde passou, não se registando qualquer problema. Em 2015, decorriam os Mundiais de Moscovo. Gatlin era o líder mundial do ano nos 100 metros, tinha alcançado a sua melhor marca pessoal de sempre (9.74), já tinha batido Bolt num meeting em Roma e era o grande favorito a levar o Ouro, uma vez que Usain Bolt não estava ao seu melhor nível. A imprensa anteviu o duelo exaustivamente, havendo afirmações de que a vitória de Gatlin e a derrota de Bolt significaria o fim do Atletismo e a vitória dos cheaters. Naquela noite de 23 de Agosto, muitos acompanharam a prova como se se tratasse de um duelo do bem contra o mal, tal foi a narrativa passada na imprensa internacional nas semanas prévias aos Mundiais. Bolt venceu num final apertadíssimo, a festa foi geral, o desporto estava salvo! O jamaicano voltaria a vencer nos 200 metros, aqui mais à vontade, e provava que continuava a ser o rei da velocidade. Tudo parecia voltar à normalidade, mas a imagem de Justin Gatlin para o público em geral ficaria definitivamente manchada, mais agora do que em 2006 quando o castigo saiu. Nos Jogos Olímpicos do Rio, no ano seguinte, foi o primeiro grande evento onde Gatlin foi verdadeiramente apupado pelos fãs no estádio. O mesmo se viria a repetir em Londres este ano. E o curioso é que o atleta já havia participado, no mesmo estádio, nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012 (e conquistou uma medalha) e na altura não foi alvo do mesmo tratamento, sendo aplaudido como qualquer outro atleta. Será uma prova do poder da imprensa para influenciar massas?

Quanto à discussão se o público terá razão em relação a Gatlin ou não, ficará ao critério de cada um. Usualmente, defendo que quem erra duas vezes, deve ser banido para sempre. O caso de Justin Gatlin tem, no entanto, um asterisco. A sua primeira suspensão foi, no mínimo, demasiado rigorosa. Existem vários casos de atletas que falharam no controlo em circunstâncias semelhantes e apenas levaram uma repreensão por não terem comunicado o uso da medicação. Entre atletas famosos que usufruem de excepção e autorização para a utilização do medicamento, temos, por exemplo, Simone Biles, que por ninguém no mundo é vista como uma dopada. E é por isso que não é tão transparente a acusação de “dois casos de doping” a Justin Gatlin.
Em relação ao atleta em si e às suas performances, quem conquista seis Medalhas em Mundiais (três Ouros) e quatro em Jogos Olímpicos (um Ouro) terá sempre um lugar guardado junto dos melhores da história. A longevidade de Gatlin é um dos casos mais impressionantes no desporto, sendo o atleta mais velho a conseguir uma medalha individualmente na velocidade em Jogos Olímpicos (no Rio) e o mais velho a vencer os Mundiais nos 100 metros (em Londres). Aos 35 anos, continua a ser um fenómeno dos sprints e ainda não parou. Dificilmente voltará a vencer um evento global, pois terá 37 anos nos Mundiais de Doha em 2019, mas ainda andará por aí a tentar enganar a idade. Mas algum dia terá o reconhecimento do grande público? Será que, apesar de ser um extraordinário atleta, ele mesmo merece esse reconhecimento?
Foto de Capa: Independent
Artigo revisto por: Francisca Carvalho