A morte de Dikembe Mutombo, aos 58 anos, abalou profundamente o mundo do basquetebol e do ativismo social. Mais do que um gigante no sentido literal, o congolês destacou-se tanto pelo seu desempenho em campo como pelo seu trabalho humanitário incansável fora dele. Para muitos, Mutombo foi um símbolo de excelência, resiliência e compaixão, utilizando a sua fama para transformar vidas e melhorar as condições no continente africano. A sua carreira lendária na NBA foi apenas o prelúdio de um impacto muito maior que se estendeu a nível global.
O surgimento de uma lenda
Nascido a 25 de junho de 1966, em Kinshasa, na então República do Zaire (atual República Democrática do Congo), Mutombo cresceu numa família numerosa, sendo o quarto de 10 filhos. Desde cedo, destacou-se pela sua altura invulgar, mas o basquetebol não foi o seu primeiro amor. Inicialmente, aspirava seguir uma carreira na medicina, razão pela qual, em 1987, aceitou uma bolsa de estudos para frequentar a Universidade de Georgetown, em Washington, D.C.
Foi o lendário treinador John Thompson que o persuadiu a experimentar o basquetebol, dado o seu físico impressionante e capacidades defensivas inatas. Sob a orientação de Thompson, Mutombo rapidamente se tornou num jogador de destaque, ganhando reputação como um dos melhores bloqueadores no basquetebol universitário. A sua estatura, envergadura e inteligência defensiva fizeram dele uma presença intimidadora em campo, e as suas capacidades chamaram a atenção dos olheiros da NBA.
Apesar de ter começado a jogar basquetebol aos 21 anos, Mutombo compensou a sua falta de experiência com um instinto natural para defender o cesto. Enquanto jogava por Georgetown, formou uma dupla defensiva temível com Alonzo Mourning, outro futuro jogador da NBA, preparando o caminho para a sua entrada na liga profissional.
A carreira de “Mount Mutombo” na NBA
Selecionado pelos Denver Nuggets como a quarta escolha no Draft de 1991, Mutombo causou impacto imediato na NBA. Na sua primeira época, tornou-se um All-Star, estabelecendo-se como uma força defensiva de elite. O seu estilo de jogo focava-se em bloquear lançamentos e defender o cesto de uma forma que poucos na história da NBA conseguiram. Ganhou o apelido de “Mount Mutombo” devido à sua presença física avassaladora.
Mutombo redefiniu o papel de um poste defensivo na NBA. A sua capacidade de bloquear lançamentos e proteger o cesto mudou a forma como as equipas adversárias abordavam o ataque, obrigando os jogadores a evitar atacar a sua zona. Para além disso, a sua influência não era apenas medida pelos blocos que acumulava, mas pela sua capacidade de intimidar os adversários com a sua mera presença.
Ao longo de 18 anos de carreira, Mutombo jogou por seis equipas: Denver Nuggets, Atlanta Hawks, Philadelphia 76ers, New Jersey Nets, New York Knicks e Houston Rockets. Apesar de nunca ter conquistado um título da NBA, foi uma peça fundamental em equipas que alcançaram fases avançadas dos playoffs. Um dos momentos mais memoráveis da sua carreira ocorreu na época de 2000-2001, quando ajudou os 76ers de Allen Iverson a chegarem às finais da NBA, embora tenham sido derrotados pelos Los Angeles Lakers.
A sua longevidade, especialmente considerando que começou a jogar basquetebol tardiamente, foi notável. Ao retirar-se em 2009, Mutombo acumulava números impressionantes, com mais de 3.200 blocos (o segundo maior registo na história da NBA) e mais de 12 mil ressaltos. Estes feitos garantiram-lhe um lugar entre os maiores postes defensivos de sempre e em 2015 foi consagrado no Hall of Fame do Basquetebol, cimentando o seu estatuto de lenda.
Além das suas conquistas a nível de estatísticas, Mutombo tornou-se conhecido pelo seu carismático gesto em campo: o famoso “finger wag“. Após cada bloco, Mutombo abanava o dedo indicador para o adversário, como quem diz “not in my house“. Este gesto tornou-se a sua marca registada e rapidamente entrou na cultura popular da NBA.
O “finger wag” tornou-se tão famoso que a NBA chegou a proibi-lo, considerando-o uma forma de humilhação dos adversários. No entanto, Mutombo continuou a ser amado pelos adeptos e pelos seus colegas devido à sua personalidade calorosa e bem-humorada fora de campo. Era visto como uma figura de respeito, admirada tanto pelo seu talento em campo como pela sua humildade fora dele.
A verdadeira grandeza de Mutombo
Se as realizações de Mutombo em campo foram grandiosas, o seu impacto fora dele foi ainda mais profundo. Tendo crescido num dos países mais pobres do mundo, Mutombo sentiu desde sempre um forte compromisso em melhorar as condições de vida do seu povo e do continente africano em geral. A sua Fundação Dikembe Mutombo, criada em 1997, tornou-se o veículo principal dos seus esforços humanitários.
O maior projeto da fundação foi a construção do Hospital Biamba Marie Mutombo, em Kinshasa, em homenagem à sua mãe, que faleceu devido à falta de cuidados médicos adequados. Inaugurado em 2007, o hospital custou cerca de 29 milhões de dólares, sendo financiado em grande parte pelo próprio Mutombo. Este centro médico tornou-se um dos mais importantes da região, fornecendo tratamento a milhares de pessoas que, de outra forma, não teriam acesso a cuidados de saúde.
Mas o seu trabalho humanitário não se ficou por aqui. Mutombo também foi um grande defensor da educação em África, ajudando a construir escolas e a financiar bolsas de estudo para jovens africanos com o sonho de estudar no estrangeiro. O seu compromisso com a educação e a saúde refletia o seu desejo de ver o continente africano prosperar através do investimento nas suas pessoas.
Além disso, Mutombo foi uma figura ativa em várias causas globais. O seu trabalho com a UNICEF, os Special Olympics e os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos demonstrou o seu desejo de melhorar a qualidade de vida a nível mundial, com um foco particular na saúde e no desenvolvimento dos jovens. Foi nomeado embaixador da UNICEF e participou em várias campanhas de vacinação e prevenção de doenças.
A influência de Mutombo no crescimento do basquetebol em África
Enquanto Embaixador Global da NBA, Dikembe Mutombo desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do basquetebol em África. Nas últimas décadas, a NBA viu um aumento significativo no número de jogadores africanos talentosos, com nomes como Joel Embiid, Serge Ibaka e Pascal Siakam a seguirem os passos de Mutombo. Ele foi uma das forças motrizes por trás da expansão do programa Basketball Without Borders no continente africano, oferecendo aos jovens oportunidades para desenvolverem as suas habilidades e aspirarem a carreiras na NBA ou noutras ligas internacionais.
A criação da Basketball Africa League (BAL), cuja primeira temporada decorreu em 2021, foi um marco no crescimento do basquetebol em África, e Mutombo esteve entre os grandes defensores da iniciativa. Ele acreditava que o basquetebol podia ser uma ferramenta poderosa para mudar vidas individuais e para fomentar o desenvolvimento económico e social nas comunidades africanas.
Era frequentemente convidado a falar em conferências internacionais sobre o desenvolvimento de África, inspirando uma nova geração de atletas e líderes a verem o desporto como uma plataforma para o progresso social e económico. A sua visão de um continente africano próspero, apoiado pelo desporto, continua a guiar muitos projetos atuais que promovem o desenvolvimento juvenil em África.
A notícia da morte de Dikembe Mutombo gerou uma onda de tristeza e homenagens no mundo do desporto e além. Ex-colegas, treinadores, adversários e figuras públicas de renome expressaram o seu pesar pela perda de um gigante, não só do basquetebol, mas da humanidade. Magic Johnson, lenda da NBA, escreveu que Mutombo era “não só um grande jogador de basquetebol, mas também um homem incrível com um coração puro de ouro.”
Outros, como Karl-Anthony Towns e Chris Paul, destacaram o impacto que Mutombo teve nas suas vidas e carreiras. Pau Gasol, outro antigo colega de profissão, elogiou o compromisso de Mutombo com os valores fundamentais da vida, afirmando que “o seu sorriso, os seus valores e a sua dedicação ao basquetebol e a ajudar os outros nunca serão esquecidos.”
Até ex-presidentes dos Estados Unidos, como Bill Clinton e Barack Obama, prestaram tributo ao legado humanitário de Mutombo. Clinton elogiou o “compromisso inabalável” de Mutombo em ajudar os outros, enquanto Obama destacou o impacto que ele teve na forma como os atletas encaram o seu papel fora do desporto.
O legado de Mutombo
Dikembe Mutombo viveu uma vida marcada por realizações extraordinárias, tanto no basquetebol como no seu trabalho humanitário. A sua morte deixa um vazio imenso, mas o seu legado permanecerá vivo durante gerações. O hospital que construiu em Kinshasa continua a salvar vidas diariamente, e os projetos educacionais que iniciou estão a criar novas oportunidades para os jovens africanos.
O exemplo de Mutombo, que utilizou a fama e os recursos obtidos como jogador da NBA para beneficiar os outros, continua a inspirar atletas de todas as gerações. Muitos jogadores, tanto na NBA como noutras ligas, seguem os seus passos, envolvendo-se em iniciativas filantrópicas e causas sociais, inspirados pela sua dedicação.
Dikembe Mutombo não foi apenas um dos maiores defensores da história do basquetebol. Foi, e sempre será, um ícone humanitário, que acreditava no poder da compaixão e no dever de ajudar os outros. Ele deixou-nos uma lição inestimável: o verdadeiro sucesso não se mede pelo que acumulamos, mas pelo que damos de volta ao mundo.
