
Jonas Vingegaard é um ciclista soberbo. Sem dúvidas um dos melhores da atualidade e, em vários contextos, anda próximo do imbatível. E, durante meses, nós – os adeptos de Ciclismo – escolhemos fechar os olhos ao que se passa na estrada e acreditar que essas qualidades do dinamarquês seriam suficientes para nos dar um Tour de France disputado e emocionante.
A realidade, porém, é cruelmente aborrecida. Tadej Pogacar faz o que quer dos adversários e, com a chegada da montanha, rapidamente carimbou a sua autoridade na corrida, não deixando grandes dúvidas sobre quem envergará a amarela quando a corrida chegar a Paris.
Há um grito de revolta que se forma dentro de nós, uma vontade de dizer aos quatro ventos que isto não é normal, mas talvez Pogacar seja só mesmo uma aberração fisiológica a que estamos condenados. Pelo menos (e por agora), resta-nos o consolo do esloveno ainda não ter a arte da omnipresença. Ainda há provas onde ele não vai para nos podermos entreter.
O avassalador domínio de Pogacar
Aceleração de Narvaez, ataque de Pogacar e solo para a meta para ganhar mais de dois minutos ao rival mais próximo. Assim se pode resumir a primeira chegada em alto desta edição. A Visma ainda tentou endurecer a corrida durante o dia, mas no momento decisivo ninguém teve pernas para seguir o campeão em título e o Tour ficou quase entregue.
A cronoescalada de Peyragudes confirmou isso mesmo. O líder destruiu a concorrência e só o dinamarquês ficou a menos de um minuto. Foi, desse ponto de visto, tão aborrecido quanto possível, até porque rapidamente se percebeu a tendência e a única interrogação que sobrou era qual seria a diferença na meta.
O terceiro dia nas montanhas já foi mais tranquilo. Vingegaard até esteve ao ataque, não que disso tenha tirado proveito. Pogacar é que apareceu mais contido e só se mexeu nos metros finais para ganhar as bonificações e mais uns segundinhos na estrada.
O tríptico de sofrimento de Evenepoel
Por motivos bem distintos, Remco Evenepoel foi outro dos protagonistas desta segunda semana. Tudo começou na primeira etapa de montanha em que o belga, que liderava a Juventude, ficou para trás logo na primeira subida do dia. Contudo, o que parecia ser o seu adeus a qualquer ambição na classificação geral, acabou por ser um dia de uma fenomenal demonstração de resiliência. Remco nunca abdicou e fez os muitos e duros quilómetros até ao final sempre ao seu ritmo, acabando por ir apanhando os que explodiam face ao acelerar da frente da corrida e ainda finalizaria entre os dez melhores da jornada.
A confirmação de que não era só um dia mau veio na etapa seguinte. Contra o relógio, o campeão mundial do esforço solitário parecia sem grande força nas pernas e, apesar de conseguir minimizar perdas para vários rivais, terminaria com a humilhação de ver Jonas Vingegaard, que partira dois minutos depois, a dobrá-lo na reta da meta.
Ao terceiro dia de montanha, o que já se ia antecipando, tornou-se por demais evidente. Remco voltou a ser deixado para trás de forma madrugadora, ordenou aos colegas que não esperassem e abandonou a prova, ciente de que algo se passava com o seu corpo e que necessitava de recuperar. Na despedida, ofereceu o seu bidon a um jovem adepto na berma da estrada num gesto bonito e que lhe granjeou maior simpatia nesta saída de cena.
Até as migalhas são racionadas
Se na Geral não há como fugir ao domínio de Pogacar, restam as migalhas. Isto é, fugas e camisolas.
Nas escapadas, dois homens tiveram algum proveito nesta segunda semana. Na média montanha, Jonas Abrahamsen foi o mais resistente de um numeroso e qualificado grupo para conquistar a primeira de sempre para a Uno-X numa grande volta. Na alta montanha, Thymen Arensman deu algum oxigénio a uma INEOS em dificuldades sendo o único a resistir aos favoritos em Superbagnères.
Ainda houve uma terceira vitória em fuga nesta semana, mas, para não fugir ao tom, foi para Tim Wellens, um dos gregários de Tadej Pogacar, que naquele dia teve liberdade para buscar o sucesso individual e esfregar na cara da oposição o domínio da UAE Team Emirates.
Já nas classificações secundárias Lenny Martinez e Jonathan Milan vão liderando, respetivamente, as bolinhas da Montanha e a verde dos Pontos. Porém, a sombra do camisola amarela não lhes dá descanso, com o esloveno a ser segundo em ambas as classificações, demasiado perto da frente. Há um novo Canibal no pelotão e talvez o único que lhe consiga resistir seja Florian Lipowitz. A branca da Juventude tem limite de idade e o avançar do tempo nem Pogacar consegue evitar.