BnR Olímpico: Entrevista a José Garcia

BnR: Nessas três participações, foi mudando algo em si na forma como encarava a competição?

JG: Sem dúvida. Os Jogos Olímpicos em Seul, num país completamente distinto do nosso, foram os primeiros a que fui e foi a minha primeira exposição àquele nível. Foram muito marcantes. Os segundos, em Barcelona (1992, Catalunha), marcaram-me pelo resultado; sem dúvida que, apesar de ser finalista, ficou sempre aquele amargo de não realização, frustração até. Sendo sexto, queríamos sempre mais estando relativamente próximos, mas foi o ponto alto da minha participação olímpica. Em Atlanta (1996, Estados Unidos) consegui participar mas sem o nível que tinha no passado. Nós tínhamos um sistema de treino muito rígido; levantávamos muito cedo, às 7h da manhã e, quando havia Natação, às 5h da manhã, duas vezes por semana. Depois fazíamos o treino principal da manhã de 1h30/2h, e depois da parte da tarde mais uma sessão de treino de 1h30/2h. Ainda íamos ao ginásio ou fazíamos corrida. Eram quatro sessões de treino diárias, e descansávamos na quinta feira de tarde e ao domingo. Portanto, foi um regime muito intenso. Queríamos mais, mas foi o que foi possível. Em Atlanta já não era possível fazê-lo, e limitei-me a treinar duas vezes por dia. Não tínhamos as condições que temos agora; posso reconhecer que o treino que se faz hoje em dia tem muito mais qualidade que no meu tempo, e os apoios são muito maiores.

BnR: A medalha de prata em Londres deu outra visibilidade à modalidade, ou os atletas continuam a passar pelas mesmas dificuldades?

JG: Em relação a esta matéria quero dizer o seguinte. Fui atleta, depois fui treinador 14 anos e, devido à incompatibilidade com o cargo que desempenhava na Federação, tive de prescindir da minha carreira como treinador. -Em 2005, eu e o Mário Santos integrámos uma equipa da Federação Portuguesa de Canoagem e a verdade é que nós esperávamos que, depois das dezenas de medalhas que os nossos atletas conquistaram – o mérito é todo deles, e nós sempre fizemos o melhor que sabíamos e conseguíamos -, houvesse um reconhecimento da modalidade. Nós entendemos que não houve. À data, pouco mudou neste aspeto.

A equipa BnR com José Garcia e os quatro ouros olímpicos
A equipa BnR com José Garcia e os quatro ouros olímpicos

BnR: Como vê o estado actual da Canoagem em Portugal?

JG: Neste momento não me reportarei apenas à Canoagem, mas sim ao desporto em geral em Portugal. Os jovens conseguem conciliar a sua vida académica, a sua vida social e a sua vida enquanto atletas de Alto Rendimento ao mais alto nível, merecem outro apoio e outra visibilidade, digo eu. Portugal e a nossa juventude precisam de exemplos, e eles são exemplos. Às vezes digo que eles são heróis do nosso tempo. Não há muitos que o façam.

BnR: Em Portugal, um atleta olímpico consegue só viver da modalidade que pratica?

JG: Ser atleta de Alto Rendimento é uma opção de vida. É verdade que há modalidades e modalidades. Numas há prémios por obtenção de resultados e noutras não os há. Também é verdade que no meu tempo não tinha ajudas; se eu treinasse não conseguia conciliar com os estudos. Neste momento, as condições estão criadas, e esta direção do Comité Olímpico tem, em consonância com o seu lema de valorizar socialmente o Desporto, valorizado os jovens que praticam desporto e dar condições que não existiam. A bolsa da Santa Casa, o apoio muito especial das bolsas. Na minha altura não recebíamos nada, e portanto as coisas estão melhores, não de igual modo para todos, mas é uma opção de vida. O atleta sabe disto e tem de querer enveredar por esta via do Alto Rendimento porque, independentemente de sermos ricos, termos as condições todas ou não, o cronómetro continua a marcar o seu ritmo e é impossível esta situação.

BnR: Tirando os mais conhecidos, por que dificuldades passam os atletas quando o mediatismo dos JO desaparece?

JG: Infelizmente repete-se. Existe um alto na exposição durante o período olímpico, mas os atletas são fruto de muitos anos de trabalho. Estou certo de que é nos JO que os atletas querem potenciar os seus resultados, que é estar ao mais alto nível. Esta exposição é algo com que eles têm de aprender a lidar, e não é com certeza por esta exposição mediática que o sonho olímpico se vai esbater ou vai aumentar. É algo com que têm de lidar.

BnR: Pensa que os portugueses pedem demasiado aos atletas quando estes só são lembrados em cada edição dos JO e quando têm de fazer tudo sem apoios?

JG: Este é um problema que tem vindo a repetir-se. Os atletas, apesar dos feitos e do valor que têm, não se sentem reconhecidos pelo que alcançam. Espero que as coisas se venham a alterar de forma positiva e que o brilho do Rio de Janeiro venha a alterar esta realidade.

Redação BnR
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