
Há finais que valem por um troféu. E há outras que valem por uma história. A do Masters 1000 de Xangai, ficará para sempre na segunda categoria.
Pela primeira vez na história do circuito ATP, dois primos encontraram-se numa final: Arthur Rinderknech e Valentin Vacherot. E, curiosamente, foi uma final que não parecia um confronto, mas sim uma carta de amor ao ténis, escrita a duas mãos e assinada em família.
À medida que o torneio avançava, a possibilidade de uma final entre primos começou a espalhar-se pelo circuito como um rumor impossível.
Os fãs encheram as redes sociais com incredulidade, expectativa e ternura: “Será mesmo possível?”
O ténis, tantas vezes previsível nos seus protagonistas, via-se prestes a viver um autêntico conto de fadas — daqueles que só acontecem quando o destino decide brincar com as probabilidades.
De repente, todos queriam assistir a uma final que transcendia o ranking, os pontos e o prémio.
Queriam assistir àquilo que o desporto tem de mais raro: a emoção pura, desinteressada, quase familiar.
E quando essa final se confirmou, o mundo do ténis parou por um instante. Vacherot (depois de uma extraordinária exibição nas meias-finais do torneio contra Novak Djokovic), já assistia nas bancadas visivelmente inquieto e emocionado aos momentos derradeiros da partida do seu primo e irmão contra o russo Daniil Medvedev.
Devo igualmente destacar o gesto de fair-play e de enorme campeão de Vacherot com Djokovic. O campeoníssimo sérvio (visivelmente limitado fisicamente) deu um sentido abraço ao tenista monegasco, que não festejou efusivamente a sua vitória e consequente presença na final por respeito a um adversário lesionado, e ainda mais, quando o seu oponente era uma lenda viva do ténis como Novak Djokovic.
Valentin Vacherot chegou à final com a sensação de que não devia lá estar. Foram precisas nove desistências (!) para que o monegasco tivesse sequer a hipótese de disputar o qualifying. E mesmo assim, quase ficou pelo caminho — esteve a dois pontos da derrota na segunda ronda da fase de qualificação.
Mas o ténis é um jogo caprichoso: gosta de testar quem acredita, e gosta ainda mais de recompensar quem não desiste.
Vacherot resistiu, avançou, acreditou — e, de repente, estava na final de um Masters 1000, a bater na bola com a força de quem tem tudo a ganhar.
A sua esquerda chapada é uma das mais puras pancadas do circuito, e a direita, simplesmente brutal.
Não há muitos jogadores com essa combinação de coragem e frieza: bater assim na bola, ponto após ponto, contra os melhores do mundo.
Do outro lado da rede, Arthur Rinderknech jogou o papel que a vida muitas vezes lhe deu: o de protetor.
O de primo mais velho, o guia, o companheiro de treinos e de estrada.
Com o seu jogo de rede sublime, e o seu serviço poderoso, realizou um torneio notável.
Chegou à final com a serenidade de quem sabe que o destino, às vezes, tem um sentido maior do que o ranking.
E naquele domingo, quando viu Valentin do outro lado, parecia mais orgulhoso do que ansioso.
O olhar dele não era de quem queria destruir, era de quem já se sentia um vencedor por poder viver esse momento com o seu primo caçula.
Com esta vitória no Masters 1000 de Xangai, o tenista monegasco torna-se o pior jogador “rankeado” da história a vencer um torneio desta categoria, que só perde em transcendência e importância para os Grand Slam.
Valentin Vacherot consegue também escalar mais de 150 (!) posições no ranking mundial. Começou o torneio fora do top 200 (no 204ª lugar) e sai da China no 40º lugar (!). Com este título (que acredito que crie um grande misto de sentimentos em Vacherot, por ter sido conquistado contra o seu primo), a sua carreira vai certamente mudar de patamar.
Esta subida no ranking vai também ajudá-lo a que não tenha de disputar fases de qualificação para entrar no Masters 1000 de Paris (último desta categoria este ano), e garante-lhe entrada directa no quadro principal do Open da Austrália em 2026, o primeiro Grand Slam do ano.
Mas o mais comovente de tudo veio depois no discurso.
Com a voz embargada, Rinderknech agradeceu ao primo, ao amigo, ao quase-irmão mais novos, fazendo uma declaração de amor absolutamente preciosa “Valentin, meu querido primo. Amo-te Muito”.
No desporto, umas vezes ganha-se, outras perde-se, e não deixou de ser doloroso ver Rinderknech lavado em lágrimas, mas ele próprio admitiu que está muito feliz pelo seu primo Valentin, e tem ténis para voltar a conseguir marcar presença nestes grandes palcos e ganhar o seu primeiro título no circuito ATP.
Já Vacherot, disse que nada daquilo teria sido possível sem o seu primo Arthur.
E naquele instante, o troféu perdeu importância. Ficou só o abraço — o abraço de dois homens que cresceram juntos e que, por uma tarde, representaram a essência mais bonita do desporto: a união dentro da rivalidade.
A final entre os primos gauleses transformou-se num símbolo. Não apenas pelo resultado, mas pela improbabilidade. Foi a celebração da amizade, da resiliência e da fé em algo que vai além do desporto.
Um conto de fadas moderno, escrito em suor, raquetes e lágrimas. O momento desportivo mais impactante e emocionante do ano.
Rinderknech e Vacherot provaram que o talento pode ser partilhado, que a rivalidade pode ser ternura, e que a glória pode caber a dois, mesmo quando só um levanta o troféu.
O desporto, por vezes, esquece-se disso. Mas em Xangai, lembrou-se outra vez.
Naquela tarde em Xangai, o ténis não teve um vencedor, teve um espelho. E nele, vimos o que o desporto pode ser quando o amor vence o ego.