
A época para esquecer na Luz parece não contrariar o orgulho dum Rui Costa ciente das consequências das suas escolhas. Roger Schmidt, intratável nas qualidades e irritante nos defeitos, é para continuar mais uma época, tirando à melhor de três a verdade do seu reinado, apostando no tudo ou nada para 2025, quando o Benfica terá a montra do Mundial de Clubes e Rui Costa as eleições.
Os ventos da discórdia vão-se acumulando nas bancadas da Luz, onde os distúrbios entre grupos de adeptos revelam a frustração por uma época que teve tanto de cansativa como de polémica, pela variedade de anedotas e escândalos que afectaram a realidade do clube. Schmidt aguentou-se, quase sempre sozinho, numa luta titânica contra comunicação social e adeptos, quase sempre na mó de baixo pelos resultados que nunca foram consistentes e pelas opções insistentemente providas de lógica acessível ao comum dos mortais. Depois de um primeiro ano muito bom, um segundo ano muito abaixo do exigido – e conta-se então que terá a oportunidade justa duma terceira época como tira-teimas.
Numa linha temporal paralela, Rui Costa foi pouco determinado e deixou-se levar pela contestação, decidindo-se pelo mais fácil – despedir o treinador. Nesse cenário que nos apresenta, que nomes poderiam encaixar bem como sucessores do futebol avantajado de Schmidt no Benfica? Reunimos cinco.
1.
Fernando Diniz – A fama que lhe precede provocará a experiência europeia a curto prazo. No manancial de pretendentes que lhe aparecerão, sedentos de génio tático e convencidos pelo mediatismo duma nova ideologia, reaccionária ao posicionalismo de Guardiola, Diniz será inteligente se optar entrar na Europa pela porta do Benfica, para tornar a transição o mais ténue possível.
Em Portugal e num Benfica tradicionalmente tão brasileiros no seu futebol, Diniz seria mais um na linhagem dos valores estéticos valorizados desde Otto Glória e Béla Guttman, dois pretendentes do 4-2-4 brasileiro, da tabela, da escadinha, do toco y me voy, do corta luz, do tilting, da diagonal defensiva, do yo-yo, termos que Jamie Hamilton categorizou e meteu na berra das teorias. O Dinizismo, ou Relacionismo, seria adequado por representar linha de continuidade com o projecto de Roger Schmidt e do seu futebol de matriz europeia – gegenpressing – mas com premissas muito semelhantes.
O Fluminense joga em 4-2-3-1 mas é impresivísivel pelo efeito de enxame com que ataca a baliza contrária ou tenta recuperar em zonas adiantadas. Ataca-se o espaço, os jogadores antes de ‘serem’, ‘tornam-se’, vão avançando e descobrindo novas formas de resolver problemas – é o jogo funcional. O que se valoriza é a relação e a interacção entre os intervenientes de maneiras intuitivas e espontâneas, sem guião, dá-se primazia às relações entre os componentes do sistema: daí que se aglomerem em torno da bola, em ajuda-mútua constante e a descoberta do espaço vazio, para onde se deslocam – e por isso a CBF, Confederação Brasileira de Futebol, chama a essa linhagem brasileira o Jogo de Aproximação.
Diniz é o campeão em título da Libertadores e da Supertaça Sul Americana, mas em 2024 ainda tenta encontrar a melhor forma – a equipa mantém-se nos lugares de descida do Brasileirão, com apenas cinco pontos em seis jornadas. Ainda ontem, foi expulso no Morumbi perto do intervalo, com a equipa a não conseguir resistir ao São Paulo, perdendo 2-1. Será o momento certo para fechar o ciclo?
2.
Marcelo Gallardo – Depois da recusa em mergulhar no futebol europeu, a duvidosa escolha das Arábias – naturalmente, num futebol pouco focado na parte desportiva do fenómeno, Gallardo sentiu dificuldades num Al-Ittihad em implosão.
Os 427 jogos no River, com 231 vitórias e 111 empates, garantiram-lhe troféus em catadupa – uma Taça Sul-Americana, duas Libertadores (mais uma final), três Supertaças continentais, uma Liga Argentina, três Taças – e a glória eterna, com uma estátua nas redondezas do Monumental.
O seu 4-4-2 losango, ou 4-3-1-2, caracterizado pela pressão alta e a pressa em chegar ao golo após recuperação em zona avançada, teria no Benfica um solo fértil, já habituado a essas sementes.
3.
Graham Potter – Falado nas últimas semanas como principal opção para a apetitosa vaga do Ajax, Graham achou que não era a oportunidade nem o timing correctos; e por isso viraram-se os holandeses para Farioli, o italiano que meteu o Nice a jogar num futurista 3-4-3, notícia deste 15 de Maio.
Qualquer dos nomes seria uma boa hipótese para um Benfica que se pretende ousado taticamente e evoluído nas suas propostas – sortudamente, talvez até Graham Potter se adeque mais à hipotética vaga lisboeta pela vantagem de ter já experimentado a exigência dum colosso continental.
Apesar da experiência não lhe ter corrido bem em Stanford Bridge, sendo vítima da grande instabilidade institucional, de realçar os trabalhos de culto apresentados na Suécia, em Swansea e no Brighton, no qual abriu a porta à aposta em De Zerbi pela consolidação duma filosofia de alta voltagem e contínua audácia: no Brighton foi Potter na sua melhor versão, aplicando uma flexibilidade tática inexcedível na procura por melhores soluções, sobretudo na construção a partir de trás.
Alternando entre o 4-2-3-1 e o 3-4-3, a equipa sabia sempre como se posicionar para encontrar o espaço necessário para sair curto, de forma apoiada e controlada. Fluído, pressionante, cada fase como uma oportunidade para ser criativo na resolução de problemas.
4.
Henrik Rydstrom – O retumbante sucesso do actual chefe do Malmö é o resultado das maravilhas da globalização. Como jogador era o típico destruidor nórdico, sem grandes preocupações estéticas e formatado para um futebol de choque, de transição e bola directa. Jogador do Kalmar a maior parte da carreira, a lâmpada acendeu-se-lhe numa eliminatória da Intertoto contra o Twente: «O que me tinha sido ensinado enquanto jogador era que é necessário jogar na frente o mais rápido possível, ganhar a segunda bola, contra-ataque, defender. Depois jogámos contra uma equipa que movia a bola horizontalmente e foi um choque. Afinal é possível fazer isso?!»[1]
O Kalmar perderia 3-1 na Holanda. Rydström não se esqueceu da lição e a epifania proporcionou-lhe as vontades para ser treinador. No Kalmar, a reboque das tendências assertivas de Guardiola, implementou o jogo posicional. De lutar pela manutenção até ao top 4 foram precisas duas épocas – com futebol ofensivo, sem grandes lutas e sem obsessão pela bola aérea. O Malmö, que tinha ficado em sétimo classificado, não pensou duas vezes antes de agarrar na oportunidade – mas geraram-se as dúvidas: o estilo arrojado garantiria consistência num candidato ao título? «Quando cheguei a Malmö toda a gente me dizia: “Não podes fazer isso aqui. Tens que ganhar”»[2]
E Rydström sabia melhor que ninguém que não bastaria ganhar. Tinha que ser com estilo. Auto didata e curioso, descobriu Fernando Diniz nas internetes. «Então comecei a ver jogos do Fluminense e fiquei inspirado, aquilo parecia divertido. Mostrei uns clips ao Anders Christiansen, meu capitão. “Olha o que eles andam a fazer, conseguimos fazer a nossa versão disto?” e ele: “Claro que sim!”» [3]
A campanha do Malmo foi sempre a abrir. 4-2-3-1, pressão alta, construção posicional – para dar conforto aos defesas, tendencialmente menos técnicos – e anarquia em fase adiantada, com grande tendência para os overloads, a aproximação e acumulação de jogadores na zona da bola. 20 vitórias em 30 jogos, liderança em 14 jornadas, 65% de média na posse de bola. Acima do City de Guardiola. Esta época, continua o passeio, com sete vitórias nas oito primeiras jornadas, com 22 golos marcados e apenas quatro sofridos.
Um futuro em Portugal e no Benfica? É possível, porque Rydström quer descobrir novos mundos para o seu futebol. «Quando era jogador nunca quis ir a lado nenhum, mas agora é diferente. Se me falarem em Inglaterra, nunca será fácil um estrangeiro ter sucesso. Mas tentar outra Liga, outro país? Claro, definitivamente. Mas por enquanto estou-me a divertir muito, e primeiro quero cumprir tudo a que me propus em Malmo».[4]
5.
Martín Demichelis – Não é o nome mais apaixonante, mas um que garante dois pressupostos importantes para o sucesso no Benfica: a experiência de elite europeia e uma prioridade pelo resultado positivo, antes da nota artística. Só perdeu 10 dos 58 jogos pela equipa secundária do Bayern e em Buenos Aires já ganhou três títulos em 77 jogos, nos quais perdeu apenas por 15 vezes (marcando 150 golos no processo).
A sua posição vai-se deteriorando no Monumental pelo despedimento de Gallardo – muitos dos adeptos são ainda reféns da ligação emocional ao antigo treinador, falando-se nas ‘viúvas de Gallardo’ – que acresce ao estilo de jogo considerado demasiado rígido e à hesitação em apostar nas maiores pérolas criativas como Mastantuono, optando por perfis mais conservadores.
Ressurgiram nas redes sociais vários vídeos do momento em que foi anunciado no ecrã gigante da casa millionaria, antes da vitória frente ao Central Córdoba – o coro de assobios denunciou esse corte de relações entre bancada e equipa técnica, expondo a fragilidade de Demichelis no cargo, apesar da percentagem de vitórias esclarecedora.
[1] Tradução livre de: https://www.independent.co.uk/sport/football/malmo-henrik-rydstrom-manager-tactics-diniz-b2466109.html
[2] Idem
[3] idem
[4] idem