Continua a revelar Bruno Lage o mais profundo dos pragmatismos: respondendo ao 3-5-2 de Mourinho, com Szymansky no apoio à parelha de latagões El-Nesyri-Durán, o Benfica actuou, no papel, num 4-3-3 de contenção; mas quando atentámos que Aursnes era sobretudo mais ala que extremo, percebeu-se que a intenção era a linha de cinco atrás, com Dedic a juntar-se aos centrais para criar a superioridade numérica.
Florentino surgiu atrás da dupla habitual para meter trancas na porta – e na intermediária viu-se acesa batalha de homem a homem, desaguisado que influenciou todo o resto do jogo e o tornou num morninho duelo tático, sem espectáculo nem coisa memorável.
Talvez o preço do bilhete não tenha valido a pena para os 41 mil turcos, e por isso mesmo há que valorizar certos pormenores: como o Benfica demonstra, numa fase tão crucial e sem pré-época, tão acertado discernimento posicional e defensivo, por exemplo. Lage conseguiu a sua quinta clean sheet seguida à base de muita manha, cautela na altura da linha defensiva e atenção aos espaços possíveis em zona central.
Szymansky só recebeu entre-linhas uma vez e o jogo do Fenerbahce resumiu-se à solicitação das motas laterais, Brown e Semedo, para cruzarem, fosse de onde fosse, na procura do cabeceamento dos tais latagões, tão encafuados entre um imperial Otamendi e um perspicaz António, que coisa de registo só um único cabeceamento à figura.
Além disso, o inteligente e matreiro recurso à falta. Tanto o Benfica utilizou esse método que começaram desde cedo os jogadores do Fenerbahce em desespero, contabilizando-as na cara do árbitro. A irritação dos jogadores acabou por passar para as bancadas e a certa altura o inferno do Sukru Saracoglu era o habitual caos, mas pouco se percebia o intuito de tanto barulho – se assobiar o adversário e sobretudo Akturkoglu, se contestar decisões do árbitro, se apoiar ou até ralhar com a própria equipa.
O Benfica aguentou a barulheira e, adulto, foi, sem nunca controlar totalmente a posse, domando os seus próprios nervos, assumindo-se sempre como um conjunto calmo de jogadores totalmente concentrados e cientes de qual era a sua missão.
Não se jogou muito, tecnicamente e decorativamente falando, mas assistiu-se a mais um desempenho sólido dum conjunto que se inspira nos seus dois destacados líderes: na combatividade e ímpeto do capitão e na transcendência de Fredrik Aursnes, omnipresente, omnipotente, indecifrável nas intenções e inabalável do ponto de vista emocional.

Anatoliy Trubin foi dos melhores e tentaremos aqui andar à volta daquilo que afinal não se passou, apesar de todos termos visto e levado as mãos à cabeça. Não há provas de que aquilo tenha realmente acontecido, a jogada já nem era válida, talvez o ucraniano já nem estivesse interessado no lance, não é verdade?
Sabemos como é Talisca quando a apanha a jeito, sabemos dos efeitos que ela leva, mas seguramente que um Trubin compenetrado naquilo que estava a fazer nunca demoraria tanto tempo a reagir, correcto? É que nem tem sentido na história do jogo, já que, nas poucas, mas inevitáveis vezes que foi chamado a depor, se portou impecavelmente. Um susto desnecessário; uma assombração que, se nunca mais a mencionarmos, mais longe estará de reacender-se na memória colectiva.
A entrada de Talisca foi a morte do artista para José Mourinho, apesar do espadaúdo brasileiro ter entrado a todo o gás. Mas esvaiu-se rápido. Quando, para o meter, o português tira Durán, o Fenerbahçe meio que… desistiu. Perdeu o norte a equipa – talvez construída para um tipo de jogo mais directo, o fio à meada perdeu-se, a coisa nunca mais fluiu.
Quando foi preciso compreender Talisca, menos adepto da bola aérea e mais invasivo das entre-linhas, e quando se pensava que a avalanche vinha aí – especialmente quando Florentino, fruto daquela tendência das faltas e faltinhas que até Mourinho elogiou na conferência, é expulso a vinte minutos do fim – a montanha amarela pariu um rato.
O Benfica acantonou-se, Lage meteu Barreiro junto a Ríos e Gouveia para soltar Aursnes e os turcos pouco mais fizeram que tentar descobrir espaços, lateralizando eternamente até ao apito final.
No fundo: houve sim mais espectáculo nas bancadas que no relvado e continua vivíssimo da vida Bruno Lage, sobrevivendo à custa dum novo eu.