A tíbia é o osso da canela. Simples, duro, frontal. Nas distritais, onde joguei em miúdo, dizia-se, com mais fé do que fisiologia, que “até ao pescoço é canela”. É a licença poética do arrojo: era para entrar com tudo. O tíbio é o contrário metafórico da tíbia: o frouxo que aquece as mãos no lume brando das palavras e recua quando chega a hora do carrinho. O futebol, sobretudo o do Benfica de hoje, às vezes tem destas ironias: em campo, precisamos de mais tíbia; na tribuna, queremos menos tíbios.
Nos momentos que contam, há quem confunda barulho com bravura. Veja-se o comunicado da final da Taça de Portugal de 2025 — esse épico de peito feito e verbo alto — que não foi mais do que um tíbio disfarçado de tíbia. Parecia duro, mas esfumou-se ao segundo dia.
Foi também assim no fim de mais um capítulo de Bruno Lage à frente do Benfica, no rescaldo da derrota com o Qarabag: um Presidente a ensaiar uma pose de estadista à frente das câmaras, e a sensação clara de que se limitou a varrer, mais uma vez, a poeira para debaixo do tapete. Não é coragem. É fraqueza.

Um líder com tíbia não precisa de anunciar murros na mesa. Chega, olha nos olhos, decide, e paga o preço das suas decisões. Um líder tíbio, pelo contrário, ensaia a sobrancelha, escolhe a gravata, pede licença ao chefe de gabinete e, quando a bola lhe chega quadrada, dá-lhe um toque de calcanhar para a bancada: “Faltou pré-época”, “o futebol é isto”, “resultados inesperados”.
Convém dizer isto com carinho: Rui Costa foi gigante com a bola nos pés. Mas presidir não é tabelar. O número 10, que em campo inventava espaços, fora dele só inventa desculpas. Assim que a casa treme, aparecem as cansadíssimas frases de catálogo, as irritações performativas, a mão pesada para a fotografia e leve para a reforma. Quer mostrar a tíbia; mas é só tíbio.
O problema não é a derrota contra o Qarabag, nem o empate contra o Santa Clara, ambos na Luz. No Benfica precisamos de menos indignação de circunstância e de mais exigência e ambição no projeto — um projeto que idealmente começa antes de agosto e resiste até outubro. Lage hoje, Schmidt ontem, dois treinadores que fizeram o mercado, moldaram a equipa, representavam o “projeto”, até serem sacrificados num ato de improvável incompetência, por chegar simultaneamente demasiado tarde (para a maioria dos adeptos) e demasiado cedo (para o número de jornadas decorridas). É a obra de quem não deixa obra.

Há quem diga que isto é só futebol. Pois é. Mas importa: o futebol é o laboratório onde se testam as desculpas que se apresentam aos eleitores. Se o presidente finge firmeza para esconder tibieza, o adepto aprende a aplaudir vernizes. Foi o que aconteceu no Benfica durante o mandato de Rui Costa. Mas o verniz também estala, e aqui estalou com estrondo.
Mas não queremos mais gritos, queremos é uma mudança drástica. Não queremos mais pose de líder, queremos liderança. Não queremos recomeços repetidos com a mesma gente, queremos gente nova e novos começos. O Benfica merece. Os benfiquistas merecem. Queremos eleições, ansiamos por eleições, livres, justas, democráticas, daquelas com votos que os sócios põem nas urnas, que se contam, um a um, para no final emergir um Benfica de tíbia forte pronto para retomar o seu lugar na elite do futebol.
Tíbios ou tíbias. No dia 25 de outubro veremos com que ossos se ergue o futuro do Benfica. Os meus votos e a minha esperança vão ser depositados em João Noronha Lopes. No Benfica, tíbios nunca mais.