O tudo ou nada do Benfica na Champions League: o retrato da desilusão e as esperanças encarnadas

Benfica

De uma temporada para a outra do Benfica, o hino da Liga dos Campeões passou de música de embalar para despertador ensurdecedor. Depois da melhor fase de grupos da história dos encarnados, a equipa de Roger Schmidt soma zero pontos em duas jornadas.

A derrota caseira diante do FC Red Bull Salzburg fez soar os alarmes e a demonstração de inferioridade na visita a Milão deixou o SL Benfica à beira dos cuidados intensivos. É proibido falhar, sob pena de ver o sonho dos oitavos de final desaparecer, e Roger Schmidt tem uma tarefa complicada em mão. Ícaro mostrou que quanto mais alto se sobe, maior é a queda, e o alemão ultrapassou as nuvens na última temporada.

O desafio da fase de grupos 2023/24 foi traiçoeiro para o Benfica por duas grandes razões. A primeira relacionada com as maiores responsabilidades do Benfica como candidato ao apuramento, algo que na temporada anterior (pela presença do Paris Saint-Germain FC e da Juventus FC no grupo) não se colocou sequer em cima da mesa. De outsider de luxo a arcar com as responsabilidades e exigências de estatuto está uma distância que os encarnados ainda não foram capazes de superar. A segunda – e principal – é a competitividade do grupo. Na temporada passada, o Maccabi Haifa FC era um brinde no grupo e o Benfica garantiu desde logo seis pontos. Este ano, tanto o Red Bull Salzburg como a Real Sociedad de Fútbol são adversários traiçoeiros que não deixam pontos para trás. O Benfica já caiu diante dos jovens e enérgicos – dentro e fora de campo – touros austríacos e prepara-se para defrontar um dos pilares bascos.

Exibicionalmente, o Benfica sofreu na Liga dos Campeões. No Estádio da Luz, a expulsão de António Silva e a instabilidade de Anatoliy Trubin criaram problemas atrás, a ineficácia encarnada e a exibição de Alexander Schlager impediram o Benfica de ser feliz à frente e o Benfica ficou a lamentar os problemas nas áreas. Em Milão, depois de uma primeira parte competitiva, o Benfica desmoronou e só os reflexos de Trubin – subiu o nível depois do início atribulado –, a solidez de Nicolás Otamendi e Morato no centro da defesa e um perdulário Lautaro Martínez evitaram uma goleada.

As vitórias no campeonato camuflam as lacunas exibicionais do Benfica que não foram perdoadas na Liga dos Campeões. A mais evidente ao nível defensivo. A pressão do Benfica tornou-se menos eficiente e eficaz o que impediu o Benfica de ser também tão ameaçador do ponto de vista ofensivo. É um Benfica com menos presença no último terço por ter menos capacidade de recuperar a bola em zonas adiantadas do terreno. Embora a saída de Gonçalo Ramos (ainda sem substituto) possa ser apontada como uma das razões, é um problema que vai muito além do impacto do ponta de lança neste momento de jogo.

Há questões individuais (sub-rendimento de alguns jogadores, troca de outros) e coletivas a ser colocadas, além daquelas que juntam as duas dimensões. As apostas de Roger Schmidt na concentração de talento, acumulando dentro de campo David Neres, Di María e Rafa têm saído furadas. Individualmente o Benfica é mais perigoso, mas coletivamente torna-se mais frágil porque fica privado de mecanismos coletivos que permitam o Benfica ter bola. É quase paradoxal, mas para Roger Schmidt juntar os jogadores que melhor trabalham a bola, teve de a deixar de ter. Para isso, muitas vezes abdicou de um ponta de lança, colocando um vagabundo como referência ofensiva. Gonçalo Ramos continua a não ter substituto à altura, mas o Benfica foi sempre superior quando jogou com um avançado capaz de fixar a linha defensiva e de prender os centrais.

David Neres
Foto: Luís Batista Ferreira / Bola na Rede

Com bola, a construção do Benfica está também mais previsível. A saída de Alejandro Grimaldo é um duro revés para o Benfica. O lateral espanhol oferecia inúmeras soluções por fora e por dentro, incapazes de ser minimamente replicadas por qualquer jogador do plantel. Com Alexander Bah lesionado ou num nível inferior, a solução para o problema das laterais foi Frederik Aursnes. O norueguês cumpre em qualquer posição, mas a polivalência do “faz tudo” de Schmidt não deve ser um antídoto à especialização. Aursnes cumpre em várias posições, mas tanto a nível individual como a nível coletivo, é benéfico ter o norueguês sobre a meia-esquerda. Quer defensivamente, pelo momento coletivo da pressão, quer ofensivamente por ser mais uma solução em campo que permita associações para avançar no terreno. Ou Aursnes ou João Mário têm de ser titulares para pausar uma vertigem por vezes demasiado incessante.

Como consequência das fragilidades do Benfica, os encarnados têm sido extremamente vulneráveis num jogo muitas vezes jogado a dois blocos. Com bola, os médios do Benfica afundam (construção em 2+2 ou 3+2), mas não encontram linhas de passe próximas de forma constante, facilitando o trabalho adversário. Sem bola e em situações de transição, o Benfica está constantemente em situações de inferioridade numérica com a dupla de médios com um imenso espaço para cobrir fruto das incoerências no balanceamento ofensivo.

É um Benfica mais limitado quer pelas alterações no modelo de jogo que aumentaram a previsibilidade das ações, quer por uma menor dificuldade na gestão dos ritmos do jogo que, embora não tenha sido evidente na Liga dos Campeões, tem impedido os encarnados de gerir vantagens com bola. Além de todos estes fatores, o modelo consolidado desta equipa com Roger Schmidt é cada vez menos desconhecido para os adversários que têm conseguido arranjar maneira de explorar as vulnerabilidades do Benfica. O alemão falhou também quando foi exigida algum tipo de preparação tática contra adversários superiores (a vitória no Clássico tem de ser contextualizada, mas mesmo com dez o FC Porto conseguiu competir).

Ainda assim, nada está perdido. Nem a temporada, nem o sonho de escalar patamares na Liga dos Campeões. Há novas referências a surgir na Luz. António Silva falhou em Lisboa, mas continua a mostrar solidez e a trilhar um caminho para ser referência encarnada. Os erros não podem apagar o seu crescimento. João Neves é jogador para entrar na história do Benfica, pelo perfil dentro e fora de campo. À capacidade de multiplicar funções e ações em campo, junta o sentimento de jogar no clube do coração. A formação continua a ser a base dos encarnados, mas esta jovem fornada vem decalcada com muita identidade.

João Neves
Fonte: Rafael Canejo / Bola na Rede

Trubin falhou no primeiro jogo, mas afirmou-se em Milão. Sem o ucraniano na baliza, o Benfica chegava de Itália com uma goleada na mala. Ainda está a crescer, mas já se afirmou na baliza das águias e está a caminho de se tornar mais um pilar no onze dos encarnados. É também justo destacar o papel de Morato-Otamendi na defesa à temível dupla que se vai estabelecendo em Itália. Poucos defesas conseguiram lidar tão bem com Lautaro Martínez e Marcus Thuram. Em crescendo está também Orkun Kokçu. Não é um substituto de Enzo Fernández porque não contempla a mesma capacidade de se desdobrar em campo, mas o turco está a abrir o livro. Ganha influência quando consegue acionar o pé direito – embora a questão do pé seja menor – no último terço, em condições vantajosas para definir com o passe ou o remate. Se há muitas interrogações no Benfica, a Real Sociedad está em ponto rebuçado e a um nível de maturidade que permite à equipa de Imanol Alguacil sonhar. O clube espanhol propõe-se a ter bola e a ideia coletiva é melhorada pelas individualidades. Álex Remiro é um guarda-redes construtor com provas dadas entre os postes e fora destes, Le Normand é titular da seleção espanhola e as laterais foram reforçadas. Do meio-campo para a frente, há uma concentração de talento inquestionável. Zubimendi e Mikel Merino são complementares e conseguem fazer a bola chegar aos elementos desequilibradores do conjunto basco.

Brais Méndez está no cenário perfeito para brilhar. Parte de fora para dentro a partir da meia-direita e procura chegar perto da área. É uma referência goleadora mascarada de médio. Partilha muitas vezes o setor com Takefusa Kubo que é o principal destaque da equipa. Desequilibra no drible, cria situações de perigo e, quando mais centralizado consegue variar entre movimentos de rutura de dentro para fora (rompendo para abrir espaço para a entrada de Brais Méndez) ou em apoio no espaço entrelinhas. O futebol continua a ser dos criativos. À esquerda, há Zakharyan a surgir como terceiro médio a partir de uma posição mais lateral, mas o lugar é do também jovem Ander Barrenetxea. A formação é uma das pedras basilares da Real Sociedad e foi de lá que surgiu também a joia da coroa do clube: Mikel Oyarzabal. Joga agora preferencialmente como vagabundo total a partir de dentro. Associa-se com os colegas e apresenta um instinto muito forte para pisar a área. É uma Real Sociedad que, até pelas lesões, está confortável a jogar sem uma referência fixa na frente, ludibriando na perfeição o adversário num jogo de falsas atrações e de jogadores a romper de forma constante.

Antes da deslocação ao tão emblemático Anoeta, o Benfica tem trabalho de casa para fazer. Não o fazendo, levará falta disciplinar e será punido com o maior dos castigos: a meio da jornada nos grupos, deixará de, realisticamente, poder sonhar com o apuramento. Roger Schmidt tem de se transcender taticamente para que o Estádio da Luz seja a luz ao fundo do túnel

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O Diogo é licenciado em Ciências da Comunicação, está a terminar o mestrado em Jornalismo e tem o coração doutorado pelo futebol. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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