Benfica

Tentou. A história precisava de um último paragráfo e há linhas assinaláveis, há pontos positivos. Houve boas emoções europeias, houve recuperação competitiva e a conquista de duas taças. Os mínimos competitivos para um clube desta dimensão, o segundo lugar no Campeonato e na Taça, dinamitaram qualquer réstia de confiança da bancada no seu trabalho. A época começaria minada e só um grande volte-face nas exibições levaria a voto de confiança da direcção. Sem tempo para grandes planeamentos ou preparações, atingiu os primeiros objectivos mas a factura física resultaria em hecatombe europeia. Não chegou a um ano a segunda aventura de Lage no Benfica mas muito haverá por contar, como disse o seu adjunto e irmão, Luís Nascimento.

E a apontar? Também.

1.

A  TÁTICA: Com Schmidt fora à 4ª jornada, Lage surgiu como penso rápido e teria como principal missão voltar a reconciliar equipa com adeptos. Conseguiu-o, até porque ao quinto jogo despachava o Atlético da Luz com quatro golos. Eram 18 golos marcados desde o regresso. Poder-se-ia pensar que sim, o Lageball voltara a todo o vapor – a média (3,6) fixava-se muito perto dos 3,72 golos por jogo na Liga 2018/19; Mas uma viagem à Baviera, na qual Lage optou sobretudo por perder por poucos, avisou que não seria igual. A postura mais pragmática do novo Lage levou a que o Benfica nunca se conseguisse assumir como equipa de organização ofensiva: como provaram as derrotas com Casa Pia e Feyenoord ou os empates com Bolonha e Arouca, hipotecando hipóteses reais de sucesso, construindo até estatística muito negativa em jogos caseiros na fase regular da Champions.

O 4-4-2 puro nunca voltou e Lage preferiu sempre adaptar-se aos jogadores disponíveis e às circunstâncias competitivas, deixando de lado a identidade tática que o trouxe à ribalta.

2.

A PERSONA: Parecendo instintivo reflexo de sobrevivência, Lage tornou-se mais intempestivo, mais interventivo e mais impulsivo. Tentou sempre, até das maneiras menos ortodoxas, trazer energia à equipa e às bancadas. O povo, conhecendo-o bem, estranhou tamanha mudança de comportamento. Parecia que o Lage pedagógico e harmonioso se tentava desapegar das críticas em relação à sua personalidade. Como não lhe era natural, a transformação forçada resultou em quezílias, casos de indisciplina, e uma sucessão de peripécias comunicacionais que obrigaram o departamento de comunicação a trabalho redobrado. Entrando na conferência de apresentação a cumprimentar jornalistas um a um, Lage tentou mostrar que o novo capítulo teria protagonista renovado.

Tentou começar do zero.  

Fê-lo efectivamente, mas a nova versão não lhe garantiu novos fãs e provocou a desilusão em grande parte dos que ainda estavam do seu lado. Perdeu, também aí, a identidade.

3.

A IMPRENSA: De um Lage comedido e sem predisposição para o escândalo, passou-se para alguém que via nesses episódios uma ferramenta para ultrapassar bloqueios emocionais da equipa ou afirmar-se perante o grupo. Novamente, nada pareceu natural – não sendo genuíno, as acções foram perdendo força. À medida que o balão da chicotada psicológica se ia esvaziando, Lage preferiu focar-se no emocional para segurar a equipa em fases de menor fulgor. No banco, nas conferências, nos bastidores,  o foco nunca pareceram ser a evolução técnico-tático ou a melhoria dos índices físicos – antes a garra, a crença, o espalhafato. O acessório das palestras no centro do relvado ou a reacções para a bancada teve zero efeitos práticos e só serviram como combustível para o inevitável grelhador da comunicação social.

4.

«Nós somos amigos de longa data e a nossa primeira relação profissional foi na formação, ele era diretor da formação e eu treinador. Foi ele que me deu o primeiro contrato profissional no futebol de formação. Eu não queria prejudicar ninguém, por isso é que disse na conferência de imprensa após o jogo com o Qarabag que quando o presidente sentisse que não tem o apoio dos adeptos e a razão fosse o treinador, quando o presidente sentisse que o rendimento da equipa era pelo treinador, não haveria problema nenhum.»

Disse Lage na grande entrevista à A Bola. Rui Costa, por sua vez, disse, na entrevista à CNN, que não era Lage o «problema», antes algo físico e emocional. Despediu-o porque…  «alguma coisa tinha que mudar. Chegámos a uma altura em que compreendemos ambos que era a melhor solução“.

Em vão terá sido, portanto, o alinhamento político de Bruno Lage com o presidente, num tom eleitoralista sempre que pode, em declarada aliança com quem lhe dera oportunidade de terminar a história. A lealdade é indesmentível; mas metendo-se num beco sem saída, impôs sobre si desnecessárias pressões e assumiu responsabilidades que não lhe competiam. Foi um all-in. Ao contrário do pragmático futebol, deixou a impulsividade tapar-lhe a visão a longo prazo.

Como recompensa pela amizade e sacrifício mediático, um despedimento quando era o elo mais fraco.

5.

O FANTASMA: No nosso portal Bola na Rede era publicado, a 27 de Julho, um texto onde se poderia ler a seguinte passagem:

«…e a aliança com João Félix, em situação urgente para os dois, servirá para derrotar um fantasma ainda maior do que fora Jesus, até porque Mourinho, além de convidado de honra este sábado, chega a uma fase da carreira em que qualquer dos Três Grandes seria sempre mais competitivamente estimulante que o actual desafio.»

Mário Branco chega em Julho, Mourinho faz o estágio de pré-época em Portugal, num jogo em Portimão fala sobre a Eusébio Cup e revela que o primeiro troféu está em sua casa, desfaz-se em elogios nos três jogos que faz contra os encarnados nas semanas seguintes. Akturkoglu é namorado pelo Fenerbahce, joga supostamente contrariado a eliminatória pelo Benfica e faz o golo decisivo para ser apresentado em Instambul uns dias depois. O tempo dirá realmente o que aconteceu nos entretantos e nos corredores; mas a sensação que fica no imaginário colectivo é de que Bruno Lage foi, uma segunda vez, assombrado pelo oportunismo dum espírito mais mediático.

Parece até autorrealizável profecia pela forma com que Lage falou da situação à A Bola. «Eu tinha de me defender pelos resultados. Enquanto eu estivesse a ganhar e os objectivos a serem atingíveis, não haveria troca de treinador.»

Qual o erro que se aponta aqui? Ter voltado a trabalhar com quem não o protegeu da primeira vez. Talvez daí a recusa na assinatura do acordo de confidencialidade.

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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