Trituuuuura, Benfica! – Drible de Letra #4

Benfica

Para o fervoroso adepto do Benfica, surge uma pergunta: o que Rui Vitória, Bruno Lage, Nélson Veríssimo e Roger Schmidt têm em comum? Para além da evidente ligação de treinadores do clube da Luz, claro. Não é um enigma complexo, mas requer atenção: todos, perante o mínimo sinal de crise, foram eleitos os únicos culpados de um aparente desmoronar da equipa. É isso mesmo. O colapso (a expressão não é minha, é dos relatos que vieram a público) encarnado a estes “únicos culpados”.

A indagação emerge: seria o treinador o principal responsável pela gestão da equipa? Em teoria, sim. No entanto, é essencial analisar o contexto, tal como em qualquer situação laboral. É que nem sempre um treinador tem a matéria-prima que deseja para cumprir os objetivos para os quais foi contratado; nem sempre tem as condições ideais.  

Numa analogia mais abrangente, o melhor médico, num hospital sem os recursos adequados, produziria resultados equivalentes ao de uma instituição de excelência? E quanto a um jornalista numa redação limitada? A verdade é que, por mais alta que seja a expectativa, nem sempre se triunfa. Mas o Benfica vive nessa esperança; espera encontrar o treinador mágico que – limpinho, limpinho- vai ganhar tudo. Campeonato, Taça de Portugal, Taça da Liga, Supertaça e Champions. Tudo. Todos os anos. Até que esse dia chegue, o mantra parece ser: tritura, Benfica!

Bruno Lage enquanto treinador do SL Benfica
Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

Ao olharmos para trás, vemos que Vitória, Lage, Veríssimo (este menos) e Schmidt, foram glorificados enquanto ganharam, quais Deuses do Olimpo. Mas caíram em desgraça com os primeiros sinais de falha. Num estonteante abrir e fechar de olhos, os mensageiros da Luz apressam-se, em uníssono, a apontar as armas a um único responsável: o treinador. Culpado pela gestão do plantel; culpado pela política de contratações; culpado pela má comunicação; culpado pelas pedras da calçada.

Dir-me-ão: mas isso é o mundo do futebol. É?! Mais ou menos. Guardiola: levou seu tempo para conquistar a Champions pelo Manchester City (ainda teve uma final perdida frente ao Chelsea, no Dragão); e, nesse caminho, venceu todas as Premier League? Foi triturado na temporada em que o Liverpool se sagrou campeão? Facto – Don Pepe continua a ser o treinador dos citizens há sete anos! Sérgio Conceição, ganhou todos os títulos nacionais? E Rúben Amorim, após um 4.º lugar pelo Sporting, onde se encontra agora? Já no Benfica, o que aconteceu a Rui Vitória após aquela insólita temporada sem o título de campeão, tendo sido ele o único maestro a erguer o cobiçado Tetra no mundo encarnado? A sua sinfonia encontrou um final abrupto: foi exposto e triturado no grande teatro público e despedido. E quanto a Bruno Lage, após um compasso errado ao não revalidar o título por ele conquistado? A mesma trágica melodia: arrastado até à praça pública e destituído. Já Nélson Veríssimo, com todo o seu empenho, não conseguiu materializar o lendário “chegar, ver e vencer”. O seu final? Novamente, o implacável e impiedoso juízo popular e a subsequente demissão. Quanto a Schmidt, parece ter capturado a essência do ditado logo na época de estreia. No entanto, neste novo ato, encontra-se à sombra do líder, apenas três pontos atrás, mas sem a glória dos jogos da Champions. O enredo é evidente para todos. Voltemos, então, à questão inicial: o que Rui Vitória, Bruno Lage, Nélson Veríssimo e Roger Schmidt têm em comum? Pois.

Haverá Jorge Jesus no Natal do SL Benfica?
Fonte: Carlos Silva/ Bola na Rede

Neste universo encarnado onde a regra é a impaciência, surge uma notável exceção: Jorge Jesus. Enquanto outros treinadores veem as portas fecharem-se ao primeiro erro, Jesus, mesmo após um período de três anos sem erguer o título, foi brindado com duas novas oportunidades, conquistando, de seguida, dois títulos consecutivos. Foi ainda resgatado num gesto eleitoralista de Luís Filipe Vieira para, segundo suas próprias palavras, ganhar… bola. Ostentando a distinção de ser o técnico que mais tempo esteve ao leme durante a era Vieira/Rui Costa – sete anos e meio -, Jesus reúne também mais vitórias (três títulos), mas, paradoxalmente, é aquele que mais vezes sentiu o amargo sabor da derrota (quatro campeonatos e mais um, parcialmente – finalizado por Nelson Veríssimo).

 Surge, assim, uma intrigante interrogação: e se outros tivessem tido a mesma margem de manobra, com idêntica dose de compreensão e paciência? Tomemos como exemplo Rui Vitória: num espaço temporal de três épocas e meia, celebrou dois campeonatos e meio. Pelas contas, Rui Vitória é o melhor da era Vieira/Costa. Mesmo assim, numa época em que não triunfou e teve metade da sua equipe vendida, e sem os recursos que, por exemplo, foram concedidos a Schmidt, não teve margem para erros. Esta história ecoa os destinos de muitos outros. Se recuarmos ao início desta era, verificamos padrão semelhante: treinadores que, à mínima falha, foram rapidamente substituídos: Camacho (ficou em 2º lugar e saiu), Trapattoni (campeão nacional e saiu, alegando razões pessoais) Ronald Koeman, Fernando Santos (despedido na segunda época após um empate na primeira jornada). Camacho novamente – regresso de pouca duração por, segundo disse, não ter “condições para dar a volta à situação” -, Seguiu-se Fernando Chalana e Quique Flores, que também só ficou uma época. Enfim… E eis que chegou Jesus, milagreiro de todos os créditos e ainda mais alguns para gastar. Depois desta passagem de JJ, o Benfica parece ter entrado num ciclo mais rigoroso, com os técnicos sob um escrutínio mais intenso. Talvez pelo aumento do número de programas e mensageiros que muito contribuíram para a degradação do comentário “desportivo”.

Rui Vitória
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Em 19 épocas sob a égide de Vieira/Costa, o saldo é de oito campeonatos conquistados. E, excluindo Jesus, nenhum outro treinador sobreviveu a uma temporada sem vitórias. O ambiente no Benfica parece ser de uma pressão exacerbada, calamitoso para quem não ganha, onde a praça pública desempenha um papel crucial nas decisões. Mas só para os treinadores, claro. Porque os dirigentes, esses, permanecem ilesos.

E, mesmo com a recente ascensão de Rui Costa à liderança – e perdoem-me se houver aqui um tónico de injustiça, pois Nelson Veríssimo poderia muito bem não ser escolha do sucessor de Luís Filipe Vieira e Roger Schmidt mantém-se no cargo…ainda – este padrão de exigência desmedida e escrutínio parece continuar.

Nélson Veríssimo
Fonte: Carlos Silva/ Bola na Rede

É evidente que os treinadores têm as suas responsabilidades. Quem não? Já os mencionei. Guardiola, Conceição ou Amorim: todos eles têm a sua quota-parte nos insucessos das respetivas equipas. O Benfica, claro, não está bem e Schmidt tem, a meu ver, responsabilidades. Mas, será o técnico alemão o único culpado? A equipa encarnada parece algo perdida em campo, refletindo, diria eu, a postura do seu treinador. Critica jogadores em público; altera o sistema tático; tira Florentino, volta a colocar Florentino; os reforços não têm rendido. Isso é inegável. Mas as vendas e contratações serão apenas culpa do treinador? Rúben Amorim, por exemplo, foi dos poucos a conseguir pôr o dedo na ferida e assumir que Varandas lhe faltou à promessa de não vender Matheus Nunes. Resultado? Quarto lugar no campeonato. Amorim teve culpas? Teve. Foi o único culpado? Não me parece sequer que tenha sido o principal. Foi triturado em praça pública? Não. O Benfica vendeu muito (e bem?), jogadores-chave; contratou muito, gastou bastante, a fasquia foi colocada ao nível da Champions (onde conta zero vitórias e zero golos), dá-se ao luxo de colocar 60 milhões no banco.

É verdade, os treinadores, com certeza, carregam nos ombros o peso das responsabilidades, mas serão eles os únicos protagonistas nesta trama? O momento que o Benfica vive convida-nos a uma viagem introspetiva pelos corredores ocultos destas quase duas décadas. E, nas sombras desses corredores, ergue-se a pergunta que não quer calar: de quem é, verdadeiramente, a culpa?

Sabe Mais!

Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

O Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

  • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
  • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
  • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
  • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

Subscreve!

Artigos Populares

Nicolás Otamendi soma interessados mas tem o futuro praticamente definido

Nicolás Otamendi encontra-se em negociações para renovar contrato com o Benfica. O central sente-se confortável na Luz.

Desde o FC Porto em 2004 que o vencedor da Champions League não fugia às 4 principais ligas europeias

O PSG conquistou a Champions League 2025/26. Conjunto francês estreou-se nestas andanças e devolveu título aos gauleses.

Vitinha venceu a Champions League pelo PSG: «Era o sonho de todos vencer este troféu»

Vitinha já reagiu à conquista do PSG na final da Champions League, depois de ter batido o Inter Milão na noite deste sábado.

Eis todos os grupos do Mundial de Clubes 2025 depois dos Los Angeles FC completar o lote de apurados

Os Los Angeles FC agarraram a última vaga no Mundial de Clubes 2025. Grupos da competição voltam a estar definidos.

PUB

Mais Artigos Populares

Lionel Messi volta a bisar e Inter Miami goleia Columbus Crew na MLS

O Inter Miami goleou o Columbus Crew nesta madrugada de MLS. Lionel Messi bisou na vitória por 5-1 na prova.

Luis Enrique pede Bola de Ouro para jogador do PSG: «Foi excecional»

Luis Enrique já reagiu à conquista do PSG na final da Champions League, depois de ter batido o Inter Milão na noite deste sábado.

Los Angeles FC bate Club América e é a última equipa a apurar-se para o Mundial de Clubes 2025

Os Los Angeles FC estão apurados para o Mundial de Clubes de 2025. A equipa da MLS afastou o Clube América no playin.