Pedem as regras sociais que, por volta do Natal, a indumentária seja o mais aprumada possível, que as melhores roupas saiam do armário e que não se incorra no risco de achar qualquer decoração em demasia. A singelas 48 horas do bacalhau, do peru ou do polvo, consoante as tradições e gostos pessoais, reunirem famílias inteiras a procurar a melhor versão, o Benfica seguiu a lógica inversa.
Ao invés de vestir o fato de gala, o Benfica escolheu colocar sobre si um fato-macaco, de arregaçar as mangas e de sujar a roupa. Não foi um jogo memorável ou uma exibição para mais tarde recordar das águias. Mas foi uma partida sólida o suficiente para, com um 1-0 no marcador, não haver grandes sustos ou dúvidas sobre o desfecho final.
A vantagem mínima, conseguida num lance fortuito a partir de uma bola parada, resolveu um jogo que, até então, o Benfica conseguia dominar sem grande brilho. Esta tónica, do rasgo, do brilho, do controlo total não existiu. Ao contrário dos últimos jogos, neste os encarnados não se impuseram com bola, mas sem esta conseguiram um controlo que não tinha ainda sido visto.


Não é difícil de fazer uma analogia entre o jogo contra o Famalicão e os duelos diante do Santa Clara, do Rio Ave ou do Casa Pia que resultaram em perdas de pontos nos descontos. A margem mínima abria espaço a que tal acontecesse, mas o Benfica pouco deixou criar e pouco se desorganizou. E, para isso, foram importantes algumas exibições individuais.
O Famalicão tem, nos médios e na sua ligação e envolvimento com extremos e laterais, o ponto forte do seu jogo e os minutos iniciais, com os famalicenses a conseguir pressionar mais alto e jogar a todo o campo deixaram avisos. Depois, o Benfica assumiu o jogo e controlou-o, afastando os médios famalicenses da construção e procurando ganhar superioridades com Enzo Barrenechea e Fredrik Aursnes.
O médio argentino era o único jogador do Benfica com marcação individual do Famalicão. Gustavo Sá mantinha referências claras em Enzo Barrenechea que, para escapar à marcação e gerar vantagens na construção, se colocou entre os centrais ou em posições mais laterais para arrastar o internacional jovem português.


Tirando Gustavo Sá da zona em frente dos médios, que marcavam à zona, o Benfica procurou gerar superioridades com os movimentos de Aursnes. Se a função mais centralizada do norueguês foi pensada particularmente para o momento defensivo, ofensivamente o polivalente jogador conseguiu criar superioridades ao circular em toda a largura, procurando estar próximo da zona da bola para gerar combinações e superioridades numéricas.
A partir destes movimentos, o Benfica foi conseguindo, principalmente ao longo da primeira parte – na segunda chegaram os movimentos de trás para a frente de Aursnes para atacar a baliza – ter mais bola e controlar o jogo. Em simultâneo, o Famalicão pouco conseguiu criar. Novamente, para lá da capacidade do Benfica se organizar no habitual 4-4-2, há exibições individuais a assinalar.
A primeira é a do engripado Tomás Araújo. Quando se falou numa propagação da Gripe A, ninguém pensou que a letra fosse a nota da exibição do central do Benfica que, mesmo em estado febril, alcançou nota A. Tem estado cada vez mais em evidência também no plano defensivo, em jogos onde o Benfica defronta avançados com movimentos mais abrangentes e velocidade. Pouco deixou criar a Yassir Zabiri.


Mais à frente, para lá da capacidade de Aursnes organizar os movimentos do Benfica, capaz de funcionar em bloco, há mérito a dar a Georgiy Sudakov e Gianluca Prestianni. Além do que ofereceram ofensivamente, com bola, foram importantíssimos no trabalho encarnado sem esta. O ucraniano, de fora para dentro, está cada vez mais ligado ao jogo, entrosado com os colegas e ativo. Ao argentino, a quem reservaram o prémio de melhor em campo, está associada uma capacidade para trazer a bandeira para dentro de campo.
A evolução de Gianluca Prestianni não está a ser tão linear quanto o potencial bruto que o trouxe da América do Sul para Portugal deixava sonhar. Ainda não é um jogador que acerte todas as decisões, que consiga, do ponto de vista técnico, provocar diferenças absurdas ou, por ele próprio, determine o rumo do jogo. Porém, a dualidade entre a expectativa e a realidade, não podem apagar todo o trabalho que Gianluca Prestianni tem feito. Ofensivamente, apesar de mais conservador, conseguiu permitir ao Benfica ter bola e garantiu lances de perigo. Sem bola, chegou a todo o lado. José Mourinho admitiu que ainda não está 100% ligado ao jogo em todos os momentos, mas sempre que o esteve – e foram muitas vezes – somou recuperações, incomodou o processo ofensivo do Famalicão e foi ao tapete defender.


Se a criatividade ofensiva do Benfica não apareceu, a verdade é que a solidez em organização defensiva permitiu às águias o conforto. Numa liga em que os encarnados já deixaram para trás seis pontos nos descontos, ter o conforto a defender é tão importante como a criatividade a atacar. Pelo menos para Mourinho.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O papel do Aursnes nesta posição atrás do avançado, é diferente do que faz no corredor. Se no Barreiro vemos muitas demarcações de rutura, no Aursnes também as vemos, mas também jogadas mais próximas da bola, com possibilidade de combinar e gerar superioridades. O que é que o Aursnes, a partir de posições mais centralizadas pode oferecer ao Benfica?
José Mourinho: Pode-nos oferecer a compacteza que estávamos a ter, sobretudo do ponto de vista defensivo. O Barreiro salta mais alto, é mais agressivo no saltar a pressionar alto. O Fred [Aursnes] é mais posicinal, até porque a sua posição de origem, apesar dele só não jogar a guarda-redes, é um médio mais posicional, um 6, um 8. Tem menos intensidade nestas distâncias que o Barreiro percorrer para chegar à pressão e arrastar a equipa com ele, mas quando o bloco se compacta, ele dá-nos essa segurança. Hoje em dia somos uma equipa que é difícil para os adversários partirem-nos. Somos uma equipa muito compacta e coesa defensivamente. É difícil para os adversários quebrarem-nos. O Famalicão é uma equipa que tem excelentes jogadores, do meio para a frente são tudo rapazes com muita qualidade técnica, velocidade e intensidade, mas não nos quebraram. Fizeram um remate à baliza e não criaram perigo nenhum. Preferi que o Fredrik jogasse ali e não o Sudakov porque sabia exatamente que o jogo que ia ter era complicado. Era importante manter aquela solidez ali.
Infelizmente, não nos foi concedida a possibilidade de colocar uma questão a Hugo Oliveira, treinador do Famalicão.

