Não se pode exigir a um miúdo que finte três adversários e remate colocado! Então e os colegas dele não jogam? Então o menino ou menina tem de se deslocar para os jogos já com a pressão de impressionar o pai? Coitados, muitos chegam aos infantis sem saber apertar os cordões e com as caneleiras a sair pelas meias fora. Claro que haverão jogadas treinadas durante a semana e claro que há um menino que se destaca e marcará sempre os livres ou cantos, mas nestas idades o importante é a diversão que, jogo após jogo, aquele grupo de crianças alcança. E como esse, todos os outros pelo país fora.
É totalmente errado a repreensão do pai no caminho para casa, após um jogo menos conseguido. Vai exigir-se a uma criança que ouça os seus erros enumerados pelo pai e, mais tarde, no treino, pelo treinador e os corrija de forma categórica no jogo seguinte? É muito por isto que se assiste a uma elevada desistência da prática desportiva a partir dos sub-16 ou sub-17. Os miúdos que até esta idade só pensavam em chegar ao fim de semana e, juntamente com os seus colegas, imitar os ídolos que só vêem pela TV, fartam-se desta constante pressão e preferem abandonar. Ou por isso ou para não defraudarem as ambições dos seus pais. São eles que mais gritam para dentro do campo, visando o árbitro que “agora marcou assim, mas há bocado deixou passar”, visando o treinador que “não mete o outro miúdo mais rápido” ou, em tom de brincadeira, visando o seu próprio filho que se não correr mais “vai a pé para casa”. Descarregando as suas frustrações por, em tempos, não terem sucedido neste desporto ou porque o seu clube do coração perdeu no dia anterior, os pais colocam sobre os ombros das crianças a responsabilidade de lhes dar alguma satisfação proveniente do futebol.
Quantas vezes já ouvi “ao menos estes (crianças) correm. Os outros (jogadores profissionais) só querem dinheiro”? Inúmeras. Mais do que aquelas que gostaria. Como ex-praticante, como irmão de um praticante, como consumidor apaixonado por este desporto, como cidadão(…), preocupa-me que se atirem crianças de 10, 11, 12, 13(…) anos para um clube e se espera que de lá saiam prontos a “calçar” num grande português ou europeu. Preocupa-me esta facilidade com que, inconscientemente, os pais se descuram de educar os próprios filhos só porque estão debaixo da responsabilidade de um treinador. E claro, “a culpa será sempre dele. Eu já o educo em casa, aqui, se correr mal, não tenho culpa nenhuma”. Como me dói ouvir isto.
Antes de ser um jogador de grande qualidade, é necessário ser-se um ser humano íntegro. O clube que forma um Homem e só depois procura formar um jogador é o clube que mais próximo está de bonitos objetivos. Para sempre ouviremos que “é mais fácil formar em cima de vitórias” e para sempre direi que nada podia estar mais errado. Enquanto jogador, perdi vários jogos por uma diferença de 10 e 15 golos no marcador. No entanto, no final do meu percurso enquanto atleta, fui campeão distrital.
Isto foi possível pelas fantásticas pessoas que me ensinaram ao longo de anos e que ainda hoje guardo como amigos e excelentes professores “da vida”. Se o desportivismo, o fair-play e a verdade forem ensinados na formação, as crianças de hoje serão, no futuro, aqueles jogadores corretos que não jogam com maldade, que não “queimam tempo” e que não simulam faltas. Que triste é assistir, num sábado de manhã, a um jogo de infantis e ver miúdos a simular faltas, fingir lesões, levantar a voz para um treinador adversário ou para o árbitro… No fundo, a imitar o que de pior se passa nos jogos transmitidos nas televisões.
Foto de capa: Facebook oficial Gil Vicente FC