A cultura do futebol de formação: Que cultura?

    Não se pode exigir a um miúdo que finte três adversários e remate colocado! Então e os colegas dele não jogam? Então o menino ou menina tem de se deslocar para os jogos já com a pressão de impressionar o pai? Coitados, muitos chegam aos infantis sem saber apertar os cordões e com as caneleiras a sair pelas meias fora. Claro que haverão jogadas treinadas durante a semana e claro que há um menino que se destaca e marcará sempre os livres ou cantos, mas nestas idades o importante é a diversão que, jogo após jogo, aquele grupo de crianças alcança. E como esse, todos os outros pelo país fora.

    É totalmente errado a repreensão do pai no caminho para casa, após um jogo menos conseguido. Vai exigir-se a uma criança que ouça os seus erros enumerados pelo pai e, mais tarde, no treino, pelo treinador e os corrija de forma categórica no jogo seguinte? É muito por isto que se assiste a uma elevada desistência da prática desportiva a partir dos sub-16 ou sub-17. Os miúdos que até esta idade só pensavam em chegar ao fim de semana e, juntamente com os seus colegas, imitar os ídolos que só vêem pela TV, fartam-se desta constante pressão e preferem abandonar. Ou por isso ou para não defraudarem as ambições dos seus pais. São eles que mais gritam para dentro do campo, visando o árbitro que “agora marcou assim, mas há bocado deixou passar”, visando o treinador que “não mete o outro miúdo mais rápido” ou, em tom de brincadeira, visando o seu próprio filho que se não correr mais “vai a pé para casa”. Descarregando as suas frustrações por, em tempos, não terem sucedido neste desporto ou porque o seu clube do coração perdeu no dia anterior, os pais colocam sobre os ombros das crianças a responsabilidade de lhes dar alguma satisfação proveniente do futebol.

    A AD Limianos é sinónimo, desde a sua fundação, de uma importante escola de futebol do distrito de Viana do Castelo Fonte: Facebook oficial AD Limianos
    A AD Limianos é sinónimo, desde a sua fundação, de uma importante escola de futebol do distrito de Viana do Castelo
    Fonte: Facebook oficial AD Limianos

    Quantas vezes já ouvi “ao menos estes (crianças) correm. Os outros (jogadores profissionais) só querem dinheiro”? Inúmeras. Mais do que aquelas que gostaria. Como ex-praticante, como irmão de um praticante, como consumidor apaixonado por este desporto, como cidadão(…), preocupa-me que se atirem crianças de 10, 11, 12, 13(…) anos para um clube e se espera que de lá saiam prontos a “calçar” num grande português ou europeu. Preocupa-me esta facilidade com que, inconscientemente, os pais se descuram de educar os próprios filhos só porque estão debaixo da responsabilidade de um treinador. E claro, “a culpa será sempre dele. Eu já o educo em casa, aqui, se correr mal, não tenho culpa nenhuma”. Como me dói ouvir isto.

    Antes de ser um jogador de grande qualidade, é necessário ser-se um ser humano íntegro. O clube que forma um Homem e só depois procura formar um jogador é o clube que mais próximo está de bonitos objetivos. Para sempre ouviremos que “é mais fácil formar em cima de vitórias” e para sempre direi que nada podia estar mais errado. Enquanto jogador, perdi vários jogos por uma diferença de 10 e 15 golos no marcador. No entanto, no final do meu percurso enquanto atleta, fui campeão distrital.

    Isto foi possível pelas fantásticas pessoas que me ensinaram ao longo de anos e que ainda hoje guardo como amigos e excelentes professores “da vida”. Se o desportivismo, o fair-play e a verdade forem ensinados na formação, as crianças de hoje serão, no futuro, aqueles jogadores corretos que não jogam com maldade, que não “queimam tempo” e que não simulam faltas. Que triste é assistir, num sábado de manhã, a um jogo de infantis e ver miúdos a simular faltas, fingir lesões, levantar a voz para um treinador adversário ou para o árbitro… No fundo, a imitar o que de pior se passa nos jogos transmitidos nas televisões.

    Foto de capa: Facebook oficial Gil Vicente FC

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    Diogo Pires Gonçalves
    Diogo Pires Gonçalveshttp://www.bolanarede.pt
    O Diogo ama futebol. Desde criança que se interessa por este mundo e ouve as clássicas reclamações de mãe: «Até parece que o futebol te alimenta!». Já chegou atrasado a todo o lado mas nunca a um treino. O seu interesse prolonga-se até ao ténis mas é o FC Porto que prende toda a sua atenção. Adepto incondicional, crítico quando necessário mas sempre lado a lado.                                                                                                                                                 O Diogo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.