Armando, um caso sério – Drible de Letra #15

Conheço Arouca desde muito novo. Desde os tempos dos meus bisavós, a minha família conserva uma casa que já se tornou parte do património das nossas memórias de férias. Sei, por isso, que para os mais desatentos ao fenómeno desportivo, mesmo os que percorrem esse território, escapa-lhes a magnitude europeia que Armando Evangelista lhes conferiu. Um feito estonteante que chega a roçar o inacreditável.

Quando comecei a trabalhar com o Armando (deixo aqui, desde já, a minha declaração de interesses) fiz questão de telefonar à minha avó. Quis partilhar a novidade de que estava a colaborar com o técnico do Arouca. “Ai filho, coitadinhos! Em que divisão andam?”, ecoou do outro lado da linha a voz carregada de um saudosismo que, porventura, lhe fazia recordar a infância, quando o Arouca não era mais do que um modesto clube dos distritais, sem estádio, com apenas um campo para chamar de seu. “Avó, estão a lutar para irem a uma competição europeia!”, respondi eu, inflado de orgulho. “Mas isso é a sério ou a brincar?”, exclamou a minha avó, com um espanto, daqueles que os milagres desportivos podem provocar.

Realmente custa a acreditar. É de espantar qualquer céptico, o que Armando Evangelista fez pelo FC Arouca. Uma proeza que nos faz questionar os limites do possível e celebra um verdadeiro fora de série. É preciso ter noção de que o técnico português “pegou” num clube adormecido na II Divisão Nacional, acabado de chegar dos campeonatos de Portugal. A tentar recuperar de uma queda com estrondo, com muito pouco dinheiro para investir, e a precisar de uma obra profunda: nas instalações e na alma. Em paralelo, também Armando procurava uma redenção da carreira, levantando-se de um passo em falso no Vitória Sport Clube, provocado por uma das mais atabalhoadas e desorganizadas promoções internas de que há memória por parte de uma Direção a um técnico. O principal prejudicado, não há dúvidas: o treinador! Mas Armando não se deixou abater. Inspirou fundo. Muito fundo. Encheu o peito de ar e seguiu o seu caminho. Não se importou de dar um passo atrás, medido e firme, e mostrou ao Mundo o que é: um grande treinador de futebol.

Armando Evangelista FC Arouca
Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

Voltemos, então, àquela época inaugural de Armando Evangelista à frente do FC Arouca. Um clube que, na altura, mal se equilibrava nos modestos palcos da II Divisão, acabado de sair do Campeonato de Portugal. Lembram-se? Era um clube de ‘nãos’: não tinha estrutura, não tinha renome, não tinha promessa de glórias. Agora tem tudo para ser feliz. Logo nessa primeira época, conseguiu a subida de divisão, depois uma manutenção tranquila, e, de seguida, sem que ninguém esperasse, contra todas as expectativas, colocou o clube nas competições europeias! Ora encontrem lá um adjetivo para este percurso. Foi difícil? Muito. Mas o resultado não poderia ter sido melhor.

Recentemente, Armando confessou, numa entrevista, que, para ele e para a sua equipa técnica, não houve férias em Arouca. Durante três anos, o ritmo foi sempre frenético. O período de descanso, que por direito deveria ser de repouso e esquecimento do trabalho, tornou-se numa maratona de observação incansável. Sem uma estrutura de scouting que apoiasse, sem a possibilidade de agarrar as primeiras, segundas ou terceiras escolhas para o plantel, era necessário ter olhos de lince para descobrir talentos escondidos. Rafa Mujica, por exemplo, era um avançado perdido na II Divisão espanhola, com um solitário golo a seu favor. Uma agulha no palheiro que ninguém procurava. Armando observou-o, e contratou-o. Hoje, Mujica não é só conhecido; é desejado, é apontado para a seleção de Espanha! Estão a ver o que estou a tentar dizer, não estão? O trabalho de Armando não foi apenas técnico, foi quase de alquimia futebolística.

E no final daquela época épica, com a cereja da Europa no topo do bolo, Armando decidiu que era hora de partir. Por sua escolha, entendeu que a sua missão estava cumprida. E que missão! Hoje, o clube vive novos dias: pode contratar sem maratonas de insónias a avaliar talentos, goza de receitas de transferências e dividendos europeus, pode investir em jogadores, infraestruturas, e sonhar mais alto. Lembram-se do clube que vinha dos campeonatos de Portugal? Pois é.

Armando entendeu, também, que precisava de um novo desafio e queria o estrangeiro. Por vezes o timing dos outros não é o nosso e acabou por aceitar o desafio no Goiás. O clube com pior plantel e orçamento mais baixo do Brasileirão. Mesmo assim, Armando não teve medo. Sabe o que é fazer muito com pouco. Muito pouco. Mas condições ainda conseguiram piorar, com muita confusão interna e que veio a público. A saída foi inevitável, para tristeza da torcida. Conseguiu, no entanto, praticar bom futebol e registos bastante interessantes que lhe deixaram a porta do Brasileirão completamente escancarada.

Armando Evangelista
Fonte: FC Famalicão

Segue-se, agora, o Famalicão. Um clube bem estruturado, mas que, neste momento, em 8.º lugar, está mais perto da zona de descida do que do 7.º posto. Veremos o que se seguirá. E depois. E depois. Mas uma coisa é certa: não tenho dúvidas de que vos escrevo sobre um dos grandes treinadores portugueses da atualidade.

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