Mas no que é que consistem esses valores? Ora vamos por partes:
Nos escalões mais jovens (traquinas, benjamins e infantis), há que incutir às crianças o gosto pelo futebol, os valores sociais básicos na prática de qualquer desporto como o respeito pelo clube, pelo adversário, pelos árbitros, etc., e também há que saber discipliná-los, transmitir-lhes a importância de respeitar as regras e de cumprir horários. E mais do que valores sociais, também há-que saber transmitir-lhes valores colectivos, como o trabalho de equipa e o saber estar em grupo.
É nesse aspecto que a meu entender, os treinadores destas camadas jovens têm a tarefa mais dificultada, pois vivemos numa sociedade onde é cada vez mais frequente ver crianças de cinco anos fechadas em casa agarradas ao iphone ou ao tablet, em vez de irem brincar para a rua e conviverem num jardim ou num campo de futebol com crianças da mesma idade. Depois, outro aspecto que atrapalha o trabalho dos treinadores destas camadas jovens são os pais. Existem aqueles que reclamam porque o seu filho fica no banco de suplentes, existem aqueles que reclamam porque o seu filho joga numa certa posição. E também existem aqueles que são amigos do presidente ou do coordenador, ou que trabalham numa empresa que patrocina o clube e aproveitam-se dessa posição para condicionar o trabalho do treinador.
Depois, nos escalões mais avançados como nos juvenis e nos juniores, a responsabilidade dos treinadores também é muito grande. Primeiro porque aos 16 anos, o futebol já não é brincadeira nenhuma. Ali, os treinadores já estão a lidar com “homenzinhos”. Homenzinhos que começam a ganhar mais dinheiro com os contratos profissionais, que estão prestes a atingir a maioridade, que se estão a tornar mais independendentes, mas essa independência também tem o seu reverso da medalha, pois deixa os jovens atletas mais expostos aos “caprichos” que já arruinaram a carreira a muitas jovens promessas do futebol (fama, dinheiro, noitadas). Aí, compete ao treinador mante-los focados e comprometidos com o futebol e certificar-se de que as suas cabeças se mantenham no lugar.
Outro aspecto que o treinador das camadas jovens deve ter em conta é qual o futebol mais indicado para que os miúdos possam crescer e desenvolverem-se enquanto futebolistas. Francamente, não me parece que seja com a táctica do autocarro ou do chuveirinho. O mais indicado é um futebol de posse onde se promova a possibilidade dos jovens jogadores poderem recriar-se com a bola, para que o treinador lhes possa ensinar a sair da zonade pressão, a jogar com um futebol ligado da defesa ao ataque, a jogar com a cabeça levantada, a entender os momentos do jogo, etc.
Mas afinal, qual é o meu veredicto? Ora, os resultados são importantes mas não são imprescindíveis. O mais importante é que os jovens atletas tenham sempre esse estímulo competitivo para que possam crescer e evoluir enquanto jogadores. E isso, passa muitas vezes pela promoção de jogadores juniores à equipa B para que possam mostrar o seu futebol contra “graúdos”. E é por isso que um treinador das camadas jovens (e também de uma equipa B, visto que esta é considerada a última etapa de formação) nunca podem ser avaliados e julgados da mesma forma que um treinador de futebol sénior.
Quanto ao “formar a ganhar”, creio que isso é perfeitamente possível. Com gosto pelo futebol e com a aprendizagem dos valores sociais necessários para o seu crescimento enquanto ser humano, ganharemos adultos bem formados. E com métodos bem definidos e com uma noção daquilo que se pretende dos miúdos, as vitórias aparecerão no futuro. Não só em títulos, mas também no crescimento dos jogadores. É aí que está o verdadeiro significado da expressão “formar a ganhar”.
Foto de Capa: UEFA