O caso Miguel Rosa: o jogador que não estava emprestado mas que foi chave na mudança da lei dos empréstimos

    Miguel Rosa é um médio que recentemente se transferiu para o Vitória FC, histórico que foi ‘atirado’ para o último escalão do futebol português: a Segunda Divisão da Associação de Futebol de Setúbal. O jogador fez a sua carreira sempre dentro do futebol nacional, não deixando a zona da Grande Lisboa, cidade onde nasceu. Se hoje em dia o nome de Miguel Rosa não entra numa lista de elementos que nos recordemos de imediato, a verdade é que para uma geração entra na história, pelos maus motivos e sem culpa própria.

    A desconfiança e o insulto marcaram o futebol português durante alguns anos (e ainda marcam, de uma maneira mais reduzida) e o episódio do qual Miguel Rosa é o protagonista (assim como Deyverson, que até fez uma carreira superior) exibe-nos qual o clima que se vivia. Passaram mais de 10 anos desde que este tema passou a ser o protagonista das conversas de café, pelo menos duas vezes por ano.

    Fonte: Facebook Miguel Rosa

    Miguel Rosa fez a sua formação no Benfica, acabando por entrar numa ‘roda de empréstimos’, sendo cedido ao Estoril Praia, Carregado e Belenenses. Em Belém, mesmo no segundo escalão, estabeleceu-se como o melhor jogador da equipa e possivelmente da divisão. Em 2010/11, realizou 30 jogos, com 11 golos marcados. Já em 2011/12, fez 39 desafios, com 13 tentos.

    A época seguinte ficou marcada por uma esperança de uma aposta na equipa principal do Benfica, que nunca chegou a acontecer, ficando-se pelos B’s, mas novamente com um registo interessante de 37 partidas e 11 golos. São cifras de elemento de Primeira Liga, no mínimo. Bagão Félix comentou na altura a sua não utilização nos A:

    «A não ser que haja razões que a razão de um sócio não entende (ou não conhece), bom seria que quem de direito pudesse dilucidar este mistério de ‘deitar fora’ um investimento que tem sido reconhecido e galardoado, preferindo recrutar ilustres e caros desconhecidos que vêm por arrasto (até familiar) de outros negócios», escreveu o gestor e político para o jornal A Bola.

    Miguel Rosa (acompanhado de Deyverson) mudaram-se em definitivo para o Restelo em 2013/14 e aqui começa o clima de dúvida. Alguns aficionados diziam que os jogadores eram cedidos, outros (corretamente) que chegaram como propriedade do Belenenses. Era uma fase em que não era tudo tão transparente como hoje. Chegou-se à conclusão de que os atletas tinham uma opção de recompra, que o Benfica poderia exercer (que acabou por não fazer). No entanto, o médio, mesmo sendo o melhor jogador do clube, não era utilizado frente ao Benfica.

    Fonte: CF “Os Belenenses”

    Centremo-nos nas temporadas 2013/14 e 2014/15, que são o ‘centro do furacão’. Miguel Rosa não foi utilizado em nenhuma das partidas contra o seu antigo clube, ficando inclusivamente fora dos convocados, quando era a estrela do plantel. Era inevitável que antes de um Belenenses x Benfica ou de um Benfica x Belenenses, não surgisse um clima de suspeita, que tornava o futebol português ainda mais tóxico, recheando as conversas de café de insultos e palavras grosseiras. A bomba detonou após o jogo entre os dois emblemas, realizado no dia 6 de dezembro de 2014. As águias venceram por 3-0. Os azuis foram novamente alvo de críticas pela não inscrição de Miguel Rosa na ficha de jogo, que Rui Pedro Soares, na altura presidente da SAD do Belenenses, veio rebater e assumindo que a decisão veio da própria estrutura:

    «E se algum deles tivesse sido expulso ou falhasse uma grande penalidade?», disse o dirigente à então designada RTP Informação, já depois do Belenenses ter escrito um comunicado e até Bruno de Carvalho ter comentado o tema.

    Rui Pedro Soares foi sempre visto como um ‘vilão’, e esta frase exibe o porquê. O Belenenses teria que estar sempre em primeiro lugar, tal qual como a defesa dos jogadores. Afinal, quem é que lhes paga os salários? Se Miguel Rosa falhasse uma grande penalidade seria responsabilidade dele e de quem o colocou a batê-la. Se todos pensassem como Rui Pedro Soares, nenhum jogador com formação ou passagem por Benfica, Sporting ou FC Porto poderiam atuar contra o clube que estava no seu histórico. O empresário também preferiu ver o copo meio vazio. Miguel Rosa poderia inclusivamente ter feito ‘o jogo da sua vida’, mostrando aos encarnados que seria uma opção válida para o seu plantel.

    Fonte: Facebook Miguel Rosa

    O caso Miguel Rosa afeta toda a temporada 2014/15, já que a Liga estudou e analisou o caso, devido à queixa apresentada pelo Sporting, que se baseava no artigo 52 do Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portugal (que hoje já não existe), que referia basicamente que os jogadores cedidos por uma entidade a outra, não poderiam ser proibidos de jogar contra a dona do seu passe:

    «São nulas e de nenhum efeito quaisquer cláusulas, ainda que estabelecidas ou acordadas entre as partes intervenientes, e nomeadamente entre clube cedente e clube cessionário, que, por qualquer forma, visem limitar, condicionar ou onerar a livre utilização do jogador em causa».

    Problema: Miguel Rosa (e Deyverson) foram contratados em definitivo pelo Belenenses, embora as palavras de Rui Pedro Soares sugerissem algo distinto. A direção de Bruno de Carvalho aplicou o mesmo sistema com Kléber, avançado do FC Porto que estava de facto cedido ao Estoril Praia. O Sporting pedia a descida de divisão do maior rival.

    Todo o processo não deu em nada. A Liga arquivou o caso e o emblema de Alvalade recorreu para o Conselho de Disciplina da Federação, que fez o mesmo, justificando o ato pela falta de provas. Tanta desconfiança e protesto resultaram em zero, o que acontece usualmente no futebol português.

    Miguel Rosa Sintrense
    Fonte: Sport União Sintrense

    No entanto, nem tudo foi em vão. Miguel Rosa não estava emprestado pelo Benfica ao Belenenses, mas o seu caso foi claramente o que faltava para se mexer de novo na lei dos empréstimos. Em 2012/13 aprovou-se uma sugestão sem sentido, com os clubes portugueses não poderem ceder jogadores a clubes da mesma divisão (daí Miguel Rosa ter perdido uma boa oportunidade de atuar na Primeira Liga e ter ficado no Benfica B). Porém, gradualmente se chegou a acordo pela proibição da utilização de jogadores nos jogos contra a entidade que os cede, algo que é aplicado hoje em dia. A partir daí, existiram mais condicionamentos, mas impostos por órgãos superiores, como a FIFA.

    Desde 2024/25, as equipas apenas podem emprestar seis jogadores (no geral), com os Sub-21 a ficarem isentos desta lei. Em 10 anos assistimos a uma transformação radical desta franja do mercado. Outrora, compravam-se ‘paletes’ de jogadores, hoje em dia existe mais critério. Possivelmente em 2024 Miguel Rosa teria tido uma oportunidade no Benfica. A questão é que nasceu em janeiro de 1989.

    Miguel Rosa Vitória FC
    Fonte: Vitória FC

    Miguel Rosa e o seu exemplo não foram os causadores de todo este plano da FIFA (até porque ele nem estava emprestado, embora existisse essa sensação). No entanto, não haja dúvidas que foi o rastilho para que as mudanças ocorressem a nível interno, de maneira a colocar um ponto final em todo o clima de guerra que existia em relação a este tema. Uns gostaram da decisão, outros nem por isso.

    O médio acabou por deixar o Belenenses para assinar pelo Cova da Piedade em janeiro de 2018. Foram quatro temporadas e meia no Restelo, apenas quatro jogos contra o Benfica. Deixou Almada para ir atuar no Estrela da Amadora e ficou 2022/23 sem jogar. Seguiu-se o Sintrense e agora o Vitória FC, numa trajetória normal de final de carreira. Sempre admitiu que o conjunto de Belém era o amor da sua vida.

    Contudo, pouco se ouviu a opinião de Miguel Rosa sobre o tema, quando o seu nome circulou pelos jornais durante meses e foi o protagonista de uma polémica criada e incendiada por dirigentes. É difícil saber se todo este aparato afetou a sua carreira. Só o mesmo poderia confirmá-lo.

    Infelizmente, Miguel Rosa ficará mais conhecido pelos jogos em que não atuou, do que por aqueles em que brilhou. Ter ‘carregado’ o Belenenses por vários anos não lhe foi suficiente. Veremos como se vai comportar pelas margens do Sado.

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