A pequenez do nosso Portugal

Portugal não tem, neste momento, qualquer equipa em prova nas competições europeias, algo que constitui um negativo marco histórico. Importa perceber a razão, mas, mais do que isso, importa, e de forma urgente, encontrar soluções para o oceano de pobreza que impera no futebol português.

Todos conseguem entender que o campeonato português está ferido de qualidade e de competitividade. Como já proferiu várias vezes ao longo desta época Vítor Oliveira, treinador do Gil Vicente FC, o campeonato português é nivelado por baixo e as equipas grandes não têm jogadores tão bons como tinham há algumas temporadas. Se todos pensarem bem, entenderão e concordarão com isto, quanto mais não seja por constatar o óbvio: hoje em dia, uma equipa turca consegue golear uma equipa portuguesa da mesma forma que uma equipa ucraniana, que teve uma pausa de Inverno de cerca de dois meses, consegue ter mais intensidade de jogo que o atual campeão nacional português.

Preocupante? Sem dúvida. Mas mais do que nos preocuparmos em arranjar uma solução, é imperativo perceber o porquê de todos estes passos atrás que o futebol português tem dado época após época. É usual quando temos jogos (alguns recentes) como um FC Porto – Liverpool FC ou um Sporting CP – Real Madrid CF escutamos os treinadores das equipas portuguesas queixarem-se da diferença de orçamento e de poderio face a esse tipo de equipas.

Os milhões de portugueses não são nada comparados com os camiões de dinheiro que esses clubes têm. Contudo, se olharmos à realidade do nosso campeonato, estes milhões portugueses são um absurdo face a todos os outros clubes. Apetece dizer inclusivamente que um ordenado mediano de um jogador do SL Benfica ou do FC Porto paga uma época inteira a um clube pequeno. Sim, é assim tão grande a disparidade orçamental entre três clubes (independentemente do Sporting CP não viver um momento bom) e todos os outros da Primeira Liga.

Porém, se um desses treinadores vier exatamente com o mesmo discurso de enfatizar a diferença de poderio económico, é visto como um treinador fraco que está a arranjar desculpas para resultados que não consegue obter. É por aí que começa. Numa junção terrível de falta de cultura desportiva com uma diferença absurda no que diz respeito às tesourarias dos clubes, em que a repartição (ou falta dela) dos direitos televisivos tem uma percentagem fundamental na agudização desta situação. A partir do momento em que em Portugal o mais importante é a clubite e não o jogo, colocamo-nos imediatamente a anos luz de países verdadeiramente ricos no respeito e na igualdade.

O campeonato português está efetivamente nivelado por baixo. As equipas pequenas em geral, com incomparavelmente menos recursos, têm mantido uma base muito mais sólida do que há alguns anos. Hoje, contrata-se melhor e potencia-se também melhor a chamada “prata da casa” com clubes como o Rio Ave FC a liderarem os nacionais nos escalões de sub19 ou sub23. O facto da formação em Portugal estar mais nivelada, com alguns clubes a terem melhores infraestruturas para a formação do jovem jogador, com redes de recrutamento melhor delineadas, aliadas à indispensável competência de quem treina e de quem joga, contribui fortemente para uma consolidação maior destes clubes a nível de futebol sénior.

Mesmo que o clube grande vença, há um equilíbrio muito maior no jogo e hoje não é tão fácil prever um vencedor de forma “garantida” antes da realização do mesmo e isso não pode nem deve ser só atribuído à inquestionável falta de capacidade do clube grande. Há um mérito grande a atribuir aos outros clubes que se preparam, que têm capacidade e sabem jogar.

Rio Ave tem tido uma temporada brutal na formação
Fonte: Rio Ave FC

O problema do clube grande português na Europa é que não quer jogar em Portugal. Faço um paralelismo básico a outra modalidade: o atletismo. Quem está ligado a este desporto sabe que num campeonato nacional é 95% certo que uma corrida é “tática”, ou seja, colocada em bases lentas, em que o único objetivo é a medalha e não o tempo feito. Contudo, ao adotar este nível de mentalidade, não têm depois capacidade para competir verdadeiramente em campeonatos da Europa ou do Mundo porque não se querem dar ao nível de exigência que deveriam por cá.

No futebol é igual. SL Benfica e FC Porto, essencialmente, preparam a época com vista a serem campeões nacionais e não têm a visão, o projeto de competir a nível europeu. E, ao contrário do que muita gente diz, há condições para uma equipa portuguesa ser candidata a um troféu europeu. O facto é que o mais importante para esses clubes é verem se são maiores do que o rival, o que insere sempre uma guerra sem qualquer sentido na busca pela “verdade desportiva” que são, ironicamente, esses mesmos clubes a transformá-la numa grande mentira chamada futebol português.

Portugal é dos escassos países que não adotou a centralização dos direitos televisivos e os resultados estão à vista. Com a qualidade natural do treinador português, não tenho dúvidas que o campeonato em Portugal seria muito mais forte e competitiva em todos os sentidos se todos os clubes pudessem ter a possibilidade de investir em melhores jogadores, em melhoramentos nos seus estádios (relvados e campos de treino por exemplo) e em parcerias estratégicas ou patrocínios que viriam ajudar a credibilizar o nosso campeonato. Gostamos muito de dizer que “Em Inglaterra é que é!”, mas muito pouco fazemos para nos tornarmos um bocadinho como eles. Começa na mentalidade, passa pelo projeto e termina dentro de campo. Somos, a todos os níveis, um exemplo a não seguir.

Os mais clubistas dirão que Vitória SC e SC Braga também tiveram participação europeia e não foram longe. Num esforço de memória, podemos recordar que o Vitória SC estava inserido num grupo duríssimo (Arsenal FC, Eintracht Frankfurt e Standard de Liége), em que fez grandes exibições, surpreendendo a Europa do futebol, tendo perdido (ou até empatado) por detalhes. O SC Braga acabou por ser eliminado pelo Rangers FC no passado dia 27 de fevereiro.

SC Braga foi “apenas” o clube que melhor representou o país na Europa esta temporada, com exibições excelentes e resultados ótimos, tendo sido afastado por uma equipa que, na fase de grupos recorde-se, defrontou o FC Porto tendo empatado no Estádio do Dragão e vencido na Escócia. Importa dizer também que por muito que SC Braga e Vitória SC tenham por tendência recursos superiores aos restantes clubes da Primeira Liga, não se aproximam minimamente dos três grandes, nem que eles estejam em crise. O fosso é realmente grande e o mais importante para as pessoas que comentam, que opinam e que debatem, é falar de tudo…menos de futebol.

Enquanto tivermos a mentalidade do “ganhar justifica os meios” nunca seremos um país desenvolvido e muito menos um país competitivo. É uma vergonha o país que tem a seleção campeã da Europa, que tem a melhor escola de treinadores do mundo e que tem o melhor jogador do mundo tenha um campeonato tão fraco e tão desprovido de justiça.

Em vez de se lamentarem com a falsa questão de Portugal ser um país geograficamente pequeno (o que não tem rigorosamente nada a ver com a realidade que atravessamos), concentrem-se no vosso dever e naquilo para o qual são pagos: melhorar o futebol português. Não queremos futebol à terça-feira à noite, queremos sábados e domingos de famílias nos estádios. Não queremos criar crises sempre que um clube pequeno ganha a um grande, queremos realçar a qualidade de quem ganha. Não queremos fazer uma separação entre grandes e pequenos, queremos respeito e igualdade por todos os clubes. Queremos algum futebol, por favor.

Artigo revisto por Inês Vieira Brandão

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António Sousa
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O António é um famalicense de gema e um amante do futebol e do desporto. Com o sonho em ser treinador de futebol bem presente, é através da escrita que encontra a melhor forma de se expressar. Apologista do jogo interior e do futebol ao domingo à tarde.                                                                                                                                                 O António escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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