Há vitórias que dizem mais sobre quem as sofre do que sobre quem as conquista. O triunfo do FC Porto sobre o SC Braga, por 2-1, no Estádio do Dragão, pertence a essa categoria. Foi uma vitória que deu três pontos e manteve a liderança isolada da Liga, mas que, à luz do jogo, revela sobretudo um FC Porto vulnerável, desconfortável, e um Braga que, mesmo perdendo, saiu engrandecido. Houve pragmatismo, houve sobrevivência, mas também uma sensação latente de que, em boa verdade, a equipa de Carlos Vicens foi quem melhor soube jogar futebol.
Ora, Francesco Farioli surpreendeu na escolha inicial. O treinador italiano, fiel a um onze-base quase inalterável desde o início da época (com exceção do duelo europeu com o Estrela Vermelha), decidiu mexer. Deixou no banco Gabri Veiga e Borja Sainz e lançou dois dos protagonistas da vitória sofrida em Moreira de Cónegos: Rodrigo Mora e William Gomes. Um sinal de confiança nos jovens, mas também de convicção num plano de jogo que privilegiava a pressão alta e a verticalidade. O problema é que o plano colidiu com a realidade: o SC Braga não se deixou intimidar. Vicens prometera uma equipa sem medo do Dragão, e cumpriu.


O início de jogo foi intenso, de estudo e de batalha tática, mas depressa o equilíbrio aparente deu lugar à supremacia minhota. O Braga revelou personalidade, soube bater a pressão portista e, mais do que isso, soube jogar em campo grande, com posse longa, critério e serenidade. A primeira parte do FC Porto foi, muito provavelmente, a pior da era Farioli no campeonato — jogando em casa, foi, de certeza, a pior de todas. Os dragões começaram a pressionar alto, mas cedo perceberam que a equipa de Vicens, com a qualidade dos seus defesas na construção, saltava facilmente a primeira linha. Faltou organização, sobrou ansiedade.
Alan Varela foi o primeiro a ameaçar, com um remate à figura de Horníček, mas foi um lampejo isolado. O golo anulado a Froholdt, por falta de Bednarek sobre o guarda-redes, simbolizou uma equipa presa nos nervos e nas indecisões. Do outro lado, o Braga, ainda que sem traduzir domínio em perigo constante, exibia uma maturidade notável. Jogava com coragem, sem se esconder, e demonstrava que não era visitante de ocasião, mas sim candidato a algo mais sério do que o rótulo de “outsider europeu”.
E a verdade é que, posto isto, o golo do FC Porto caiu do céu. Um remate longínquo de Samu, desviado por Rodrigo Mora, traiu Horníček e rasgou o guião lógico do jogo. Um lance fortuito, quase acidental, que ofereceu ao Dragão uma vantagem imerecida. Até aí, o FC Porto tinha vivido da fé, do acaso e de lampejos isolados de individualidade. No final dos primeiros 45 minutos, o marcador dizia uma coisa, mas o relvado gritava outra: o Braga tinha sido melhor. Mais seguro, mais estável, mais dono do jogo.


A segunda parte começou como a primeira deveria ter sido para os minhotos: com golo. Canto da esquerda, remate desenquadrado de Zalazar e cabeceamento certeiro de Víctor Gómez. A igualdade a uma bola era o mínimo que o Braga merecia, e, durante largos minutos, tudo indicava que o jogo iria tombar para o lado dos visitantes.
O FC Porto, a perder o controlo, começou a revelar as suas fragilidades: sem pressão eficaz, sem capacidade de construir limpo desde trás, sem planos alternativos quando o Braga os forçava a jogar em esticões.
Foi então que Farioli recorreu ao banco — Gabri Veiga e Martim Fernandes — e, mais tarde, a Deniz Gül e Borja Sainz. O treinador percebeu que a equipa precisava de um choque, de energia, de criatividade. Mas, ironicamente, a solução veio da simplicidade.
O FC Porto baixou linhas, apostou na transição, e, nesse registo mais cínico e pragmático, sobreviveu. Gabri Veiga, com um passe milimétrico, encontrou Borja Sainz que, nas costas de Víctor Gómez, se antecipou ao compatriota. O espanhol, frio e oportuno, antecipou-se e fez o 2-1. Um golo contra a corrente, sem justiça estética, mas com a eficácia que distingue quem lidera de quem persegue.


Assim sendo, o FC Porto acabou o jogo com pouco mais de 30% de posse de bola — e isso diz tudo. O Braga foi a equipa que melhor criou, que melhor interpretou o jogo e que mais tempo passou a rondar a área contrária.
De facto, o FC Porto venceu, sim, mas fê-lo porque foi cínico, porque soube sofrer, porque teve no detalhe — no desvio de Mora, no passe de Veiga, na frieza de Borja — a diferença entre o empate e a vitória.
Individualmente, William Gomes, pela forma como pressiona, como recupera metros e compensa posicionamento, foi um dos rostos desse espírito combativo. É o sonho de qualquer treinador: um extremo que defende com a mesma fome com que ataca. Faltou-lhe apenas discernimento na decisão final.
Já Alberto Costa, que foi ganhando créditos junto dos adeptos, sobretudo com o célebre corte decisivo no clássico com o Sporting, mostrou as suas limitações. No modelo de Farioli, a pressão individualizada exige critério técnico, e o lateral direito portista sentiu as dificuldades impostas pela construção paciente do Braga. Vicens percebeu-o e inclinou a saída para o seu lado, com sucesso.
O jogo também serviu para confirmar o crescimento coletivo do SC Braga. Vicens construiu uma equipa de autor: assume o jogo, pressiona alto, e mostra personalidade em estádios onde, muitas vezes, nem Sporting, nem Benfica ousam jogar com esta naturalidade. Gorby foi o maestro, o pensador de jogo que pautou o ritmo ofensivo, e Lagerbielke teve uma atuação notável na primeira fase de construção. Ricardo Horta foi, como sempre, o rosto da ambição, e Víctor Gómez, que marcou e depois comprometeu, simbolizou o paradoxo do Braga: belo e trágico ao mesmo tempo.


Farioli venceu, mas Vicens convenceu. O italiano foi pragmático, ajustou-se às circunstâncias, baixou linhas quando o jogo o exigiu e explorou o erro do adversário. Ganhou porque soube jogar feio quando o belo o traía. Mas o Braga foi, sem margem para dúvidas, a melhor equipa no relvado. Criou mais, dominou mais, e mostrou que está cada vez mais perto de se afirmar como um dos grandes, não pelo nome, mas pela ideia.
O FC Porto saiu com três pontos e o conforto de se manter invicto. O Braga saiu com uma derrota injusta, mas com uma certeza: o caminho é este. Há jogos em que o resultado engana, mas a verdade futebolística resiste ao marcador. E esta, no Dragão, ficou do lado dos minhotos. O FC Porto ganhou; o Braga, porém, jogou melhor.
No fundo, este foi um jogo de contrastes. De um lado, o FC Porto da sobrevivência, a equipa que, mesmo desnorteada, encontra sempre forma de sair viva. Do outro, um Braga de convicção, que olha o jogo de frente e desafia os cânones, mesmo quando o preço é alto. O futebol, tantas vezes injusto, voltou a escolher o pragmatismo em detrimento da beleza. Mas quem viu o jogo com atenção sabe que, naquela noite no Dragão, o esplendor foi minhoto — e o cinismo, portista.

