Don Sebastián Coates | Sporting

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    Sebastián Coates, El Patrón, sempre deixou a extravagância e o protagonismo para a cancha, evadindo-se depois das câmaras sempre que podia. A personalidade é muito menos impetuosa que o estilo de jogo, apesar dessa dualidade nunca o ter impedido de ser o real líder do balneário desde 2016 – mesmo que só tenha definitivamente assumido a braçadeira em 2020, depois da saída do comunicativo Bruno Fernandes.

    Chegou com Jesus, que já o desejara em 2011 para o Benfica, mas Seba, miúdo que acabara de ser a sensação da Copa América, decidira-se pelo Liverpool. O treinador português nunca se esqueceu e assim que viu Sam Allardyce a arrumar a casa em Sunderland, para onde já Coates tinha sido empandeirado como excedente, não perdeu tempo – uma chamada, empréstimo por 400 mil euros e seis meses passados mais cinco milhões, para garantir a estabilidade a longo prazo que as linhas defensivas geralmente gostam.

    Com Jesus formaria com Jeremy Mathieu parelha de muitíssimo respeito e nível Champions, não perdendo por muito para grandes Juventus ou Barcelonas. O francês, foi, a par de Diego Godín, o grande parceiro da vida de Coates. «Diego Godín, por causa do que ele significa para os uruguaios, e o que significa para mim, já que é um jogador de grande qualidade e também uma excelente pessoa; e depois a pessoa com quem penso que mais joguei aqui em Portugal, que foi o Mathieu. Retirou-se dos relvados, mas se ele pudesse jogar novamente não hesitaria em escolhê-lo, até por toda a sua carreira. Partilhei mais momentos com estes dois jogadores. Aprendi e continuo a aprender muito com ambos» dizia ao site da UEFA em Setembro de 2021, já campeão pelo Sporting.

    A caminhada com Jesus e Mathieu terminaria agreste. Tristíssima. O ataque em Alcochete meteu à vista a insegurança provocada pela actuação irresponsável de agentes desportivos com mais destaque do que mereciam.  Muitos dos jogadores decidiram ir à sua vida, magoados. Uns poucos, analisando muito a frio a situação, decidiram outra via. «Fui para o Mundial, falei muito com a minha família e cheguei à conclusão que havia muita gente que não tinha sido responsável pelo ato de uma minoria. Também havia um clube que me tinha aberto as portas e que me tinha tratado muito bem. Precisava de dar outra oportunidade ao clube…»[1]

    Coates
    Fonte: Isabel Silva / Bola na Rede

    Uruguaio com raízes escocesas em quarta geração, em Coates borbulha a memória genética duma relação cordial com o perigo. Uma outra forma de abordar as dificuldades, de gerir o peso da violência, de medir a dureza das palavras e discernir os verdadeiros inimigos. Ficaria, segurando as pontas numa extensa reformulação da equipa sénior e quadros directivos, tentando manter os mínimos exigidos – ainda que nem sempre conseguindo.

    Em 2019-20, Coates estava desgastado, notava-se, e a sua imagem foi caindo à medida que o rendimento, normalmente repleto de grandes cortes e limpeza aérea, era agora besuntado com erros de amador: em certa sequência de Rio Ave-PSV-Famalicão, conseguiu números record – três penalties e expulsão na recepção a vilacondenses (2-3), autogolo em Eindhoven (2-3) e autogolo em Alvalade, noutra derrota (1-2). Fundo do poço, dele e da equipa.

    Amorim viria, sim, espreitava já do futuro, mas a seis meses de distância. Na pior fase do patrão uruguaio, só a herança cultural do seu ADN o salvou mais uma vez. Uma característica que não é única, mas que se evidencia especialmente no povo da antiga colónia portuguesa de Sacramento, denominada a certa hora de província da Cisplatina, posse Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, actual Uruguai. À mesma UEFA, explicava assim porque marcaria, passado um ano, tanto golo decisivo na histórica caminhada para o título:

    «Acho que isso tem a ver com a forma como os uruguaios entendem o futebol. Procuramos nunca desistir, dar o nosso melhor pela equipa até ao último minuto. Existem circunstâncias que acontecem durante uma temporada, ou num jogo, onde aproveitamos a oportunidade para marcar. É isso que torna os uruguaios diferentes: nunca nos rendemos e nunca desistimos.

    Sebastián Coates
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    E não fora a primeira vez que tocava no assunto, porque já em Liverpool dera lição de antropologia – num plantel onde pontificava o conterrâneo Suárez, perguntavam-lhe como poderia um país tão pequeno ter tanto destaque internacional, futebolisticamente falando – como era possível uma população de 3,5 milhões ganhar dois Mundiais e… 15 Copas América?

    «Às vezes, não tem explicação. Toda a gente joga desde muito cedo e haverá algo aí nessa ideia da ‘garra charrúa’, o desespero em ganhar. Luís é o exemplo perfeito: nunca dá um jogo por perdido. Nos momentos mais díficeis, essa ‘garra’ aparece – continuar, insistir, nunca desistir.»[2]

    Coates manteve-se à tona com determinação, parecendo saber que ao fundo viria quem soubesse do assunto e o fizesse esquecer daquela fase. Bruno Fernandes sai nos entretantos e Coates já inicia a temporada do título como capitão de plenos direitos, com fatiota a condizer.

    Adaptando-se espectacularmente ao 3-4-3, mostrou à equipa que sim, o rapaz treinador tinha razão, era o caminho a seguir – foram todos às suas cavalitas para uma caminhada quase invicta, com 19 clean sheets a evidenciar a total sincronia entre os seus talentos e o sistema implementado.

    A segurança era tanta lá atrás que a Coates pediu-se, pela Primavera, quando os nervos começaram a apertar noventa sobre noventa minutos, para ser também ponta-de-lança – se a grande área era o seu habitat, bastaria então mudar o chip de intenções em relação ao que fazer com a bola.

    As contas pareciam e foram mesmo básicas: 196 centímetros a somar a um excelente jogo de cabeça mais um sentido prático inexcedível a multiplicar pela garra charrúa resultou em cinco golos, todos eles decisivos e a surgir nos instantes finais. Para a história ficou o bis em Barcelos.

    O mesmo rebound competitivo aconteceria do trágico quarto lugar de 2022-23 para o irrepreensível título do ano passado, onde Coates já não precisou de ser o bombeiro de serviço nem de suportar as responsabilidades dos dois lados do campo. Primeiro, porque ajudou habilmente a formar os seus sucessores, que surgiram como cogumelos e o Sporting se vê agora com cinco opções prontas para a titularidade. Segundo, porque Amorim percebeu logo que seria desumano pedir a Coates que replicasse a fórmula de salvamento e comprou outro latagão loiro, este formado especialmente para a arte de a meter na baliza, que resolvesse as coisas antes que fosse preciso fazê-lo em desespero, cheios de stress.

    Seba sai, portanto, descansadinho da vida, de secretária arrumada e sem assuntos pendentes. Sai no momento certo, com a reputação inatacável, em estado de graça, como merece quem tanto se sacrificou pelo Sporting e que tanto aguentou antes dos sucessos recentes.

    Sai como sétimo jogador de sempre com mais jogos (369), a trinta e dois de alguém como Oceano, e de palmarés cheio como poucos capitães leoninos se podem orgulhar: dois campeonatos, uma Taça de Portugal, quatro Taças da Liga, uma Supertaça.

    Segue para Montevideu, mas virá a Alvalade despedir-se dos adeptos no Troféu Cinco Violinos, no final de Julho.


    [1] https://maisfutebol.iol.pt/sporting/coates/coates-o-lider-discreto-que-jesus-quis-no-benfica-mas-escolheu-o-sporting-para-fazer-historia

    [2] Tradução livre de: https://web.archive.org/web/20140622014005/http://www.liverpoolfc.com/news/latest-news/165047-seba-my-roots-are-actually-in-scotland

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    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.