Numa das suas mais recentes entrevistas, Manuel João Vieira, hipotético candidato que faz da sátira a sua praia, apresentou-se como o candidato do “extremo-centro”, um eixo diferente no que concerne à análise política, terminando com a dicotomia direita-esquerda e apresentando-se sob um imaginário impossível. Mas o que é politicamente inviável, dentro de campo pode ser praticável e, numa altura em que todos lutam por votos, é o Sporting quem mais tem ganho à esquerda, ao centro e à direita.
A goleada diante do Estrela da Amadora tem muito de semelhante ao domínio praticamente absoluto com que o Sporting tem ganho a maioria dos seus jogos no campeonato. A única diferença esteve no momento dos golos. Não foi preciso esperar longos minutos ou ver o jogo arrastar-se até ao cronómetro começar a gerar ansiedade para os leões celebrar um golo.
Aos 25 minutos, o jogo estava feito e a vitória estava mais que conseguida. A maior lacuna apontada nas últimas semanas ao Sporting – e quiçá a única – foi desfeita e a finalização não foi um problema, tal como não foi o aproveitamento da bola parada. O lance de Francisco Trincão, que colocou tanto a bola que a enviou para fora da baliza, foi a exceção que não confirmou uma regra escrita por todos, mesmo por Luis Suárez, fonte incontornável de adornos e de brilhantismos. Estes por lá continuaram na forma como atirou Renan Ribeiro para o lado contrário ao rematar, mas traduziram-se em golos.


Não há nenhuma equipa tão variável a jogar em Portugal como o Sporting, principalmente no momento ofensivo. Seja em organização, seja em transição, os leões têm dinâmicas e qualidade individual e coletiva para ferir qualquer adversário. Perante a iminência de um agravar dos problemas no calendário, com Benfica e Bayern Munique no horizonte mais próximo, não havia muitas maneiras melhores de chegar a uma fase que pode ajudar a definir o resto da temporada. E, aí, a qualidade do Sporting nos três corredores merece destaque.
Desde logo, a forma como o Sporting consegue enquadrar e envolver o corredor central – por muitos tão desprezado, como se não fosse a zona frontal à baliza a mais valiosa – para gerar aproximações. Há uma sinergia particular a ser gerada e desenvolvida entre Luis Suárez e Francisco Trincão. Associam-se, encontram espaços para criar e permitem ao Sporting jogar em profunda comunhão com os restantes corredores e com os médios. Garantem possibilidades de combinações interiores e de aproximações à baliza adversária.


À esquerda, a entrada de Hidemasa Morita deu outra variação ao jogo nos leões. É um jogador muito diferente na sua génese de João Simões, mais um médio de chegada e transporte do que um organizador ou pensador. Lateralizou constantemente à esquerda para ver o jogo de frente, permitir a subida do lateral (Maxi Araújo na primeira parte, Matheus Reis na segunda, para impedir as hipóteses de um segundo amarelo ao uruguaio) e atrair Paulo Moreira, batendo a pressão do Estrela da Amadora.
Se à direita o posicionamento hesitante de Jovane Cabral, dividido entre a ambição de chegar a Eduardo Quaresma e o conservadorismo de controlar as subidas de Iván Fresneda, permitia ao Sporting gerar superioridades sem dificuldade, à esquerda foi o papel tático de Hidemasa Morita quem desmontou o castelo de cartas do Estrela da Amadora. Ao chamar Paulo Moreira, o Sporting criou um buraco no meio-campo onde Morten Hjulmand foi aparecendo – fica mais confortável ao lado de um organizador – e abrindo opções mais diretas para colocar a bola em Suárez ou Trincão. Se é evidente que o nipónico, como o próprio admitiu num momento raro, mas valioso e importante na era da busca eterna pela perfeição constante, não atravessa o melhor dos momentos, também o é que o melhor Morita tem lugar cativo no onze do Sporting. E não há aqui qualquer desvalorização aos atributos ou à qualidade evidenciada por João Simões.


À direita há um nome em plena afirmação. Iván Fresneda já esteve com os pés fora do Sporting e, num sistema com três centrais, nunca conseguiu mostrar-se à plenitude. É um lateral com um perfil em vias de extinção, com claro foco nas tarefas defensivas e no equilíbrio. A forma como tem crescido e mostrado mais pormenores no seu jogo e envolvimento ofensivo, fazendo ultrapassagens por dentro, chegando à linha de fundo para cruzar e gerando vantagens, é importante pelo Sporting.
Além da capacidade demonstrada em campo, há uma noção de maior profundidade do plantel em Alvalade. Pedro Gonçalves esteve fora e pouco se notou a sua ausência porque Geovany Quenda cresceu muito à esquerda e Francisco Trincão assumiu-se como referência criativa; Fotis Ioannidis anda lesionado há uns tempos e Luis Suárez voltou a subir o nível; Zeno Debast continua fora das opções, mas Gonçalo Inácio assume-se como referência criativa desde trás; mesmo Eduardo Quaresma, um jogador com provas dadas e estatuto a merecer mais minutos, mas preso na inevitável sombra do perfil valioso de Ousmane Diomande, mostrou-se a grande nível. A capacidade demonstrada pelo Sporting B na Segunda Liga permite reduzir o gap entre a primeira e a segunda equipa e traz jogadores com mais capacidade em caso de necessidade.


O Sporting está aí mais variável que nunca, com mais opções que nunca e a jogar como há, pelo menos, um ano não se vinha. A máquina de Rui Borges está oleada e a capacidade do treinador operar mudanças profundas face à previsibilidade – pensada, ponderada e justificada na altura – na fase final de 2025/26 é uma das boas notícias deste campeonato.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Depois do 3-0, ainda na primeira parte, muda um bocadinho a disposição das peças no terreno para uma espécie de 4-2-3-1 com o Sidny Cabral mais avançado e o Jovane Cabral nas costas do avançado. O que pretendia com estas alterações?
João Nuno: Nós não estavamos a fazer as coisas bem à esquerda. Estávamos a falhar muito o que tínhamos trabalhado. O Jovane tinha que saltar ao Quaresma no momento em que o Sporting transportava bola e ele estava muito preocupado com o Fresneda. Senti que não estávamos nem a fechar, nem a pressionar, nem a fazer nada. O que fiz foi parar, corrigir e, pelo menos, deixar o Jovane mais confortável com o Hjulmand e conseguir pressionar um bocadinho melhor o Sporting ao passarmos para o nosso sistema de 4-3-3. Mas já estava 3-0. Melhorámos um pouco no final da primeira parte, mas nunca conseguimos perceber bem o jogo. Tivemos que alterar porque não estávamos a conseguir fazer o que tínhamos planeado.
Rui Borges: Infelizmente, não nos foi concedida a possibilidade de colocar uma questão a Rui Borges, treinador do Sporting.

