O futebol tem destas ironias: por vezes joga-se mais, acredita-se mais, mas são os detalhes — os tais segundos fatais — que decidem uma noite europeia. O Sporting saiu derrotado de Nápoles por 2-1, numa partida onde a eficácia italiana voltou a ditar lei e onde os leões, apesar de uma segunda parte vigorosa, regressam a Lisboa com a sensação amarga de que mereciam outro destino.
Ora, não deixa de ser curioso que Rui Borges, depois de uma exibição de poupanças físicas na Amoreira, tenha surpreendido tudo e todos com cinco alterações no onze inicial. Confesso que esperava ver os titulares habituais, sobretudo porque a Champions exige estatuto, mas afinal o foco pareceu estar já colocado no jogo frente ao SC Braga.
Deste modo, entraram Eduardo Quaresma, Iván Fresneda, João Simões, Geny Catamo e Fotis Ioannidis, deixando no banco figuras como Hidemasa Morita, Luis Suárez ou Pedro Gonçalves. Essa gestão, ousada ou arriscada, só fará sentido se no campeonato a resposta for imediata, porque numa noite europeia em Nápoles a rotação pesa — e pesou, ainda que não tenha sido por aí que o Sporting perdeu.
A primeira meia-hora praticamente nada ofereceu ao adepto neutro: jogo de duelos, faltas, equilíbrio a meio-campo. Mas era o Sporting quem parecia mais confortável. Até se pode dizer que a equipa anulou as intenções de Conte, com Trincão a dar linhas de passe e a ser, mais uma vez, aquele jogador que me leva a sentar no sofá só para o ver jogar. Fascina-me a forma como se move entre linhas, como pressiona, como oferece ao coletivo um toque de criatividade que falta tantas vezes. E no entanto, foi precisamente no momento em que os leões estavam instalados no meio-campo contrário que caiu a ratoeira napolitana.
Aos 36 minutos, um contra-ataque perfeito: após ataque leonino, Anguissa interceta, De Bruyne conduz com a autoridade de quem ainda hoje é um dos melhores médios do mundo e ninguém tem a coragem de o travar em falta. Um erro de abordagem, uma transição mal defendida, e Hojlund dispara nas costas de Inácio e Catamo. Rui Silva ainda tenta, mas a bola entra-lhe por entre as pernas. É duro admitir, mas é este o futebol italiano no seu esplendor: 35 minutos a defender, um lance, um golo. O Sporting, que até aí se mostrava sólido, ficou exposto.
O intervalo trouxe duas correções óbvias: entraram Pote e Suárez. Mudou logo a pressão, mudou a forma como o Sporting passou a morder os calcanhares da defesa contrária. Suárez é um autêntico cão de caça, não dá descanso aos centrais e obriga-os a errar.
Pote, por sua vez, multiplica-se: combina por dentro, desfaz blocos, encontra soluções onde não parece haver. É um jogador que transforma completamente a forma como a equipa se instala no meio-campo adversário. E o reflexo foi imediato: Maxi Araújo, em estado de forma exuberante, ganhou mais um penálti. Suárez, sereno, bateu com a frieza dos veteranos. Estava feito o empate, e estava, sobretudo, lançado o momento leonino.
O que se seguiu foi um Sporting que parecia ter mais pernas, mais intensidade, mais vontade. Pedro Gonçalves teve a reviravolta nos pés, mas atirou por cima. E aqui reside a diferença entre os grandes momentos da Champions: a eficácia. Porque no lance seguinte, quando o Nápoles já parecia a definhar fisicamente, De Bruyne voltou a inventar. Um cruzamento milimétrico, delicioso, que encontrou Hojlund. E Rui Silva precipitou-se na saída, hesitou entre socar e agarrar, e acabou a ver a bola entrar de novo. Foi o segundo golpe, daqueles que não se apagam facilmente.
Dói porque o Sporting não mereceu perder. Dói porque Hjulmand, no último fôlego, ainda obrigou Milinković-Savić a uma defesa de felino, daquelas que valem pontos. E dói, sobretudo, porque mais uma vez a história repete-se: 19 idas a Itália, 14 derrotas, nenhum triunfo. A maldição prolonga-se e a sensação é sempre a mesma — falta sempre um detalhe, um instante, uma pitada de sorte.
Não posso, contudo, deixar de apontar responsabilidades. Rui Borges não esteve feliz na escolha inicial: Geny Catamo à esquerda nunca se justificou quando Alisson pedia minutos, e João Simões, embora combativo, acabou muitas vezes engolido pelo trio Anguissa-McTominay-De Bruyne. A transição defensiva no primeiro golo é pobre, mal coordenada, quase ingénua para este nível. E depois, claro, Rui Silva: um guarda-redes que quer afirmar-se em jogos desta dimensão não pode oferecer um golo assim.
Mas seria injusto não destacar o que foi positivo. A segunda parte mostrou um Sporting capaz de discutir qualquer jogo europeu, pressionando alto, anulando as ligações curtas do adversário, obrigando-o a jogar longo. Mostrou frescura, mostrou fome, mostrou que o tricampeonato de que fala Frederico Varandas não é uma miragem. Há uma equipa, há uma identidade, e há jogadores — como Pote, como Maxi, como Suárez — que elevam este grupo para patamares competitivos muito sérios.
Perder assim é cruel. E sim, a Champions não perdoa os erros de Rui Silva nem as hesitações de Inácio ou Geny. Mas também não pode apagar a exibição coletiva, a coragem de se impor em Nápoles e de mostrar que o Sporting está cá para lutar. A derrota custa porque foi injusta. Mas talvez seja dessa injustiça que nasça a força para o que vem aí.
Agora, resta virar a página e perceber se a aposta na rotação terá dividendos já frente ao SC Braga. Porque se o campeonato for ganho, esta noite em Nápoles será apenas uma pedra no caminho. Se não, ficará para a história como a gestão mal calculada que fez os leões desperdiçarem pontos na Champions.
Uma coisa, porém, é certa: este Sporting não é pequeno na Europa. Caiu em Nápoles, mas caiu de pé. E isso, para quem olha para a frente, é sempre um bom sinal.