Na lista da adulação vocabular, a palavra “cem” deve integrar os lugares cimeiros. Se matutarmos nas três letrinhas, com altura símile entre si, rapidamente concluímos que encaixam em qualquer frase. Por exemplo, que espaço existirá para o termo “trinta e sete” na sintaxe e na beleza que lhe concerne? Os dois tês atrapalham a retidão e o máximo rigor dados pelas vogais e pela consoante “n”. Os algarismos terminados em nove tendem a apoquentar também. Normalmente, os vês ocupam o espaço dos restantes compinchas; além disso, imagino frequentemente alguém alastrar os seus polos, só por diversão.
Neste momento, o que retratei traduz um dos pontos do meu interesse. A monotonia do labor diário obriga à evasão do pensamento dirigido para o uno esforço, por mais insipiente que seja o trovão mental. Perante isto, apraz-me admitir também que não suporto quem brinca ou troça com o vocábulo “cem”. A homofonia é um problema grave da língua portuguesa, caros amigos. Equivale a uma espécie de doença venérea, se a escala for a da Medicina. Escutar “estou cem dinheiro” é um insulto a quem conta trocos para comer. Que respeito subsiste?
O número é redondinho. Sem ele, a vida seria pateta. Em duas razões, fundamento a tese. Primeiro, o que seria feito do livro “Cem Anos de Solidão”? Quantificar foi fundamental: Gabriel García Márquez datou o tempo necessário, em sua opinião, para traçar as inúmeras ligações familiares, aquela estória do retorno eterno e do realismo mágico que o acusam de perpetrar na obra; segundo, a matemática e os seus princípios pereciam. Existe uma terceira razão, evidentemente. (Até existirão cem, com jeitinho). Matheus Nunes completar a centena de jogos ao serviço do Sporting CP e brindar os adeptos com o seu futebol Dior.
No decurso do presente mercado de transferências, a saída do camisola oito já foi (quase) confirmada e desmentida por cem vezes. Liverpool FC, Chelsea FC, Manchester City FC e Wolverhampton Wanderers FC foram as equipas que, na escala que mede a ânsia, atingiram valores perto do número 100.
À pergunta “Deverá o Sporting CP segurar o Matheus Nunes?” – e com “segurar” apostaria no sentido literal, com cordas capazes de deixar marcas – respondo “sim, a 100%”. O menino que outrora foi pasteleiro é o jogador mais regular e diferenciado do Sporting CP 2022/2023. Já o era no ano transato, juntamente com Pablo Sarabia. Durante a temporada, confirmou o estatuto de talismã que tinha adquirido no ano do título leonino, onde foi peça capaz de contornar malapatas.
Seria uma perda de tempo se alguém me lançasse um desafio no qual, somente com a utilização de 100 palavras, descrevesse pormenorizadamente aquilo que sinto quando contemplo a bola nos pés do médio leonino e aquilo que ele representa neste Sporting CP. Ficaria de queixo caído e, consequentemente, sem palavreado para tal tarefa.
O internacional português trata a bola como poucos na liga portuguesa. De passada longa e veloz como o bip-bip, Matheus Nunes galga terreno com o esférico e transporta a posse com 100% de qualidade em cada pé. Se os adversários forem adeptos de movimentos de anca de estirpe variada, o médio do Sporting CP dá, normalmente, quatro aulas mensais pelo preço fixo de 100€, independentemente das aspirações e ímpeto da equipa.
Alguns clubes interessados na compra do passe do dito cujo só começaram a prestar atenção depois do recital de poesia futebolística exibido em pleno Estádio da Luz, no passado dezembro. Reza a lenda que foi o momento da abertura do cofre e do começo da contagem das notas verdes…
Hidemasa Morita pode vir a ser bom reforço, Ugarte é o parceiro de guerra e Daniel Bragança lesionou-se com gravidade no mês anterior. O plantel parece fechado, ao que tudo indica. Com o encaixe financeiro da Champions e das vendas de ativos como João Palhinha ou Nuno Mendes, vender Matheus Nunes seria como esfaquear a própria barriga cem vezes e ainda ter a coragem para esboçar um sorriso quando o fluido vermelho escorresse pela boca.
Existe uma macacada não em voga que quero jogar com cada leitor: o jogo das quatro frases, às quais estão anexadas duas verdades e duas mentiras. Tudo a postos? Espero bem que sim…
Frase 1: Sem Matheus Nunes, o Sporting CP tem capacidade para ser campeão nacional.
Frase 2: Mesmo com Matheus Nunes, o Sporting CP terá dificuldade em conquistar o título na presente temporada.
Frase 3: O Matheus Nunes só jogará a titular no Wolverhampton Wanderers FC.
Frase 4: O Matheus Nunes quer ficar em Alvalade e promete ganhar os miolos adversários. Na raça. Cem ou sem dificuldade.
Não sou fã, mas remato o texto com uma tirada do Paulo Gonzo. “Sem ti, a vida é um desencanto/ Sem ti, os dias são todos iguais/ Sem ti, é tão mais negro o meu canto/ Sem ti, são mais profundos os meus ais”.
P.S: Não quero rematar com o Paulo Gonzo. Por isso, cem pais-nossos e cem avés-marias para não ficar sem o Matheus Nunes.