
Não há tantas coisas que Francisco Trincão quer ver tão perfeitas como o cabelo. Na terra de João Carreira, o autoproclamado “melhor cabeleireiro em Rio Maior”, o número 17 do Sporting mostrou que, acima do couro cabeludo sedoso, há outra perfeição que pode ser exaltada nesta temporada.
Entre Francisco Trincão e Pedro Gonçalves não há grandes segredos depois de anos a jogar juntos. No entanto, até esta época, nunca houve dinâmicas que aproximassem tanto os dois jogadores em campo e lhe dessem a chave do jogo do Sporting. A solução para ultrapassar a panóplia de soluções individuais que Viktor Gyokeres aportava aos leões passa por encontrar soluções coletivas e é aqui que os dois internacionais portugueses, a gritar por mais espaço com as quinas ao peito, podem entrar.
Francisco Trincão foi o melhor em campo contra o Casa Pia. Coroou uma exibição interessante com um golo – assistência de Pedro Gonçalves – e uma assistência. Pedro Gonçalves, depois de uma pré-época em que fez soar os alarmes, desligou sorrateiramente todas as dúvidas de que um possível baixar de forma tinham ligados. São jogadores distintos, mas com mais-valias claras no jogo do Sporting.

Francisco Trincão é um avançado declarado. A partir das entrelinhas, consegue facilmente dar sequência aos lances, ligar a bola ao pé esquerdo e virar-se para a baliza, esse objetivo último do jogo de futebol que Francisco Trincão abraça como um menino à procura da felicidade.
Pedro Gonçalves não tem as mesmas capacidades no 1X1 ou de drible em velocidade, mas tem ferramentas úteis em ligação. Baixa em apoio, ataca o espaço em diagonais curtas e, tal como o companheiro de clube e de posição, tem facilidade em procurar o remate.
O Sporting vai procurar ainda mais reforçar o jogo interior. Com Maxi Araújo a partir de posições mais recuadas e Geny Catamo a ser um jogador pensado para a chegada – o Sporting constrói à esquerda para chegar pela direita – e um avançado sem o porte atlético e a capacidade de jogar a 50 metros da baliza de Viktor Gyokeres, é através das associações por dentro, da capacidade de colocar jogadores entrelinhas e da valorização do jogo interior que o Sporting crescerá. E foi nesse sentido, de entregar a batuta a Francisco Trincão e a Pedro Gonçalves, que chegou um avançado com as características de Luis Suárez.
Mais do que procurar um sucessor de Viktor Gyokeres, a chegada do colombiano mostra que o Sporting procurou uma alternativa ao sueco. O novo número 97 de Alvalade tem um perfil distinto e oferece novos recursos aos leões. A amostra é curta, mas da primeira titularidade de Luis Suárez ficam na retina a capacidade associativa para se ligar com os dois jogadores entrelinhas nos movimentos e a astúcia nos movimentos e posicionamentos dentro da área.

Num Sporting a crescer por dentro há um quarto nome que se destacou em Rio Maior, tal como já havia sido destaque no Algarve. Morten Hjulmand ganhou preponderância em construção como orientador de ataques. Joga agora mais solto de amarras posicionais, como um farol giratório a dar luz e sentido aos ataques do Sporting, procurando muitas vezes as costas da pressão para receber e descobrir saídas. A maior chegada à área terá tradução nos números do médio mais influente em Portugal.
A amostra da temporada é curta, mas o Sporting foi capaz de dissipar alguns fantasmas que ecoaram depois de uma pré-época enfadonha e fez uma das exibições mais completas e interessantes da era Rui Borges, resistindo ao medo de ver fugir a vantagem mínima que fazia a equipa lançar-se para trás à procura de fechar caminhos para a baliza. De resto, a pressão alta e capacidade de recuperação dos leões, também explicam a incapacidade do Casa Pia em fazer cócegas à defensiva leonina.

Poderia ser um jogo a roçar a perfeição não fosse um questionamento a fazer e duas lesões a atrapalhar. A grande dúvida passa pela aposta de Rui Borges – méritos sejam dados à forma como equilibrou o Sporting e o fez crescer na capacidade de jogar por dentro – em Geny Catamo em detrimento de Geovany Quenda. Se é certo que em 2026 não continuará por Alvalade, também é certo que até lá, será sempre um jogador muito mais multidimensional e inteligente, capaz de oferecer o 1X1 que o moçambicano dá à equipa, mas complementando-o com outro acerto na decisão e com outros recursos técnicos no passe.
Ainda por saber a sua extensão, as lesões de Maxi Araújo e Ousmane Diomande preocupam. O uruguaio funciona bem como lateral que se projeta de trás para a frente para desequilibrar e, apesar da entrada esforçada de Ricardo Mangas, muito enérgico e dinâmico (mas com pouco acerto técnico), não há nenhum jogador capaz de oferecer o desdobramento de Maxi Araújo na lógica dos sistemas híbridos. Mais preocupante é a situação de Ousmane Diomande, o único central no plantel do Sporting com predominância clara nos duelos individuais e no choque. Na lógica de complementaridade de perfis, o costa-marfinense é fundamental e a sua ausência pode trazer uma necessidade de ajustes em Alvalade.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Em comparação com a época passada, o Sporting perdeu uma alternativa direta para procurar a profundidade, mas ganha com o Suárez um avançado mais associativo e com maior capacidade para se ligar com os colegas entrelinhas. Foi, aliás, com o Pote e o Trincão entrelinhas que o Sporting criou as melhores oportunidades contra o Benfica e que hoje conseguiu o domínio contra o Casa Pia. Já falou na vontade de ser melhor, pergunto-lhe se é pelo maior domínio no jogo interior que o Sporting mais pode crescer nesta temporada?
Rui Borges: Isso são leituras vossas, eu sei bem o que me move e o que eu quero para a equipa. Dentro de aquilo que é individual, quero tornar o coletivo mais forte nesse sentido. Em relação àquilo que é nos pode dar o Suárez dá-nos profundidade, dá-nos jogo associativo, dá-nos transição defensiva, dá-nos organização defensiva. É isso que me importa. Olho para ele e vejo que nos acrescenta muita coisa no coletivo. Na perceção de jogo dele, é mais maduro que o Harder, porque o Harder está no seu crescimento. Poderá com o tempo, e vai com toda a certeza melhorar no aspeto de perceber melhor o jogo, mas é diferente. Um tem 19 anos, o outro tem 27 anos. Essa leitura é sua [risos]. Aqui importa-me perceber que as dinâmicas que eu quero estão lá. Volto a dizer, digo isso desde o dia em que fui apresentado, e acredito muito nisso. Como treinador dou 15 ou 20% à equipa. Se eles fizerem os 20% que eu acredito, se os fizer acreditar nisso, os outros 80% são tomadas de decisão deles. Isto não é PlayStation em que a gente vai para a direita e roda os bonecos. Dou 20% na estratégia e na organização. Se eles acreditarem nesses 20%, com a qualidade deles, meus amigos…. São eles que tomam as decisões, por isso é que estão no Sporting. São bons e são melhores que os outros, por isso é que ganham. É eles acertarem. Posso treinar, a tomada de decisão no dia a dia é treinável, está sempre no treino, mas a mim compete-me fazê-los acreditar nos 20%. Se eles acreditarem nos 20%, seremos campeões novamente.
Bola na Rede: Há um momento muito curioso na primeira parte em que chama os médios do Casa Pia para lhes dar indicações. O que estava a faltar do ponto de vista ofensivo, com uma ligação muito direta e os médios pouco participativos, quer do ponto de vista defensivo, porque o Sporting acabou por conseguir construir por um lado e soltar pelo outro sem os médios conseguirem bascular?
João Pereira: Sim. Lá está, o sistema com os dois médios… Quando queríamos trancar no corredor, faltou muitas vezes a coragem do médio em saltar mais à frente. Se o médio não saltar, o central não vai saltar e vice-versa. Esta dinâmica de trás para a frente tem de existir. Tem de haver comunicação e coragem para ler os sinais. A comunicação muitas vezes faz-se com o movimento corporal, precisam de falar. Foi isso que faltou e a partir daí o Sporting com a boa dinâmica de dois médios que tem, conseguiu não se entalar no corredor, porque tivemos dificuldade em controlar o segundo médio. Isto também dizer que o próprio extremo tinha que fechar mais vezes por dentro e não conseguimos trancar o Sporting as vezes que queríamos por fora. Quanto às dinâmicas ofensivas, disse e muito bem que tínhamos dinâmicas longas trabalhadas. Fizemos foi demasiadas vezes, porque faltou coragem para jogar.