Rui Borges não empreendeu uma revolução total, mas mudou muitas peças tal como lhe era exigido. A seriedade da Taça de Portugal não convida a displicências, mas um Marinhense num absoluto caos organizacional – apesar da boa e organizada réplica em Alvalade – era o convite perfeito para mudanças no Sporting. As revoluções desta época, empreendidas diante do Alverca na Taça da Liga e agora contra o Marinhense, dão uma certeza ao Sporting.
Havendo alguma onda de lesões que se aproxime da razia que o plantel dos leões sofreu na última época, há muito maior capacidade da equipa se reinventar. Para lá da profundidade maior em todos os setores, há na equipa B alguns pontos diferenciais. Desde logo, a base manteve-se e está um ano mais velha. Só por aí, os jogadores estão mais preparados para, se necessário, assumir protagonismo em palcos mais elevados. Depois, o nível da Segunda Liga, permite uma maior competitividade em palcos maiores. Após anos consecutivos na Liga 3, o segundo escalão português – onde a participação leonina vem sendo meritória – permite um aproximar de realidades e uma redução do choque quando o nível do adversário sobe. Estes dois fatores, a que Rui Borges é 100% alheio, têm sido bem aproveitados para o técnico ganhar opções.
Contra o conjunto da Marinha Grande, há outros destaques para lá da formação. Eduardo Quaresma e Matheus Reis, perante blocos baixos, oferecem garantias de envolvimento e projeção mesmo a partir de um posicionamento mais interior como defesas; Giorgi Kochorashvili beneficia de ser o médio mais posicional, à frente da defesa, e rende melhor no lugar de Morten Hjulmand do que a acompanhar o médio dinamarquês; Francisco Trincão está na melhor fase da carreira e já não é apenas o criativo em espaços curtos ou de remate fácil, mas também um infiltrador na área e um jogador de movimentações coletivas. Ainda assim, há três nomes que estão claramente a ganhar o seu espaço na turma de Alvalade. Alcochete tem uma das melhores gerações dos últimos anos e esta vai ganhando espaço e minutos.


Por ser um pouco mais velho, o nome de Rodrigo Ribeiro não é, propriamente, uma novidade. O aparecimento precoce, ainda em 2021/22 com Ruben Amorim, faz o avançado de 20 anos parecer muito mais velho do que realmente é. Atravessa a melhor fase da carreira e já dissipou muita da penumbra que o envolvia. Felizmente, conseguiu completar a transição para o futebol sénior e vai recuperando a influência que, durante a formação, o tornava um dos talentos mais envolventes de Alcochete.
Ainda não é certa qual a posição onde mais renderá no futuro. Pela equipa principal, entrou sempre para a frente a jogar a solo, embora na equipa B tenha ganho o seu espaço e protagonismo nas costas de Rafael Nel, quer a partir do corredor quer declaradamente como um jogador a flutuar nestas zonas. Sem necessidade constante do choque, podendo envolver-se com os colegas e jogar sem uma marcação tão agressiva, consegue evidenciar todas as qualidades técnicas ao nível do toque de bola – uma série de calcanhares bem conseguidos – e da perceção do jogo.
As palavras de Rui Borges no final do jogo são valiosas e, claramente, muito para lá de Rodrigo Ribeiro. Na era do imediatismo e das preconizações precoces – de que o avançado foi, naturalmente, alvo – é importante a sensibilidade na forma como se lida com as expectativas dos jogadores. Recordar o empréstimo de Rodrigo Ribeiro ao Nottingham Forest é lembrar uma jogada sem grande sentido e que colocou um travão ao crescimento do avançado. Felizmente, até porque é um dos mais talentosos e virtuosos na posição, poderá dar a volta por cima. O teto até pode não ser tão alto como um dia se adivinhou, mas Rodrigo Ribeiro fará uma carreira engraçada no futebol português. Crescer na sombra de Luis Suárez e Fotis Ioannidis, jogadores diferentes, mas que partilham a facilidade na associação e a capacidade de trabalhar a bola, é útil para o avançado.


Mais repentina foi a afirmação de Salvador Blopa. Na última época, foi na equipa B que o jovem mais passou o tempo, mas a aposta de João Gião não poderia ser mais certeira. Vai ganhando o seu espaço na equipa A e, depois de bisar na estreia, soma mais uma assistência ao registo. Tem um perfil que não é assim tão comum no futebol português e, com a saída conhecida de Geovany Quenda no final da época, pode ser preparado para, com características diferentes, suceder ao talento mais forte dos miúdos de 2027 de Alcochete.
É possível olhar para Salvador Blopa como um ala a pé natural à direita como é possível ver no jogador capacidade para jogar a pé trocado à esquerda. Pode fechar linhas de cinco pela capacidade física e compromisso defensivo, mas também mais adiantado e perto da linha final. Contra o Marinhense, destacou-se pela capacidade de dar entendimento ao jogo. Não é um jogador com um recorte muito fino no drible ou com uma técnica invulgar para jogar em espaços curtos, mas tem na objetividade do seu jogo uma mais-valia clara. Percebe os colegas, interpreta movimentações e adivinha ações dos adversários. A forma como procurou sempre o melhor cruzamento contra o Marinhense, resistindo a crer numa profecia escondida e ao ato fácil de cruzar para a área, mas procurando sempre colocar a defesa adversária em contrapé vale ouro. Veja-se o primeiro golo do Sporting para entender Salvador Blopa.


Entrou mais tarde e numa fase de menor fulgor ofensivo do Sporting, já sem a mesma objetividade na procura da baliza. Ainda assim, a lesão de Pedro Gonçalves abre espaço para Flávio Gonçalves ser uma presença mais recorrente em Alvalade. Entre os três meninos de Alcochete, é aquele sobre quem recaem mais dúvidas sobre a capacidade de ser aposta constante, mas é também um dos que mais pode ser diferencial na Primeira Liga. É um jogador franzino, mas na última época mostrou que não é a menor capacidade de choque que o impedirá de singrar.
A partir da esquerda com direção ao corredor central ou em zonas mais interiores, Flávio Gonçalves tem na relação com a decisão a mais forte característica do seu jogo. Pelo posicionamento em campo e pelos movimentos-padrão, a comparação com Pedro Gonçalves é inevitável – a alcunha de Fote vem aqui buscar a origem – mas no seu jogo, tem um quê de Francisco Trincão na forma como consegue conduzir e guardar para si a bola em espaços curtos. Sabe descobrir brechas por onde colocar passes e cresceu muito na relação com a baliza e com o instinto para aparecer a rematar na área.


É em Alcochete que o Sporting prepara Alvalade. A geração de 2007 já deu Geovany Quenda e João Simões à equipa principal dos leões e não se ficará por aqui. A boa época da equipa B não será inconsequente.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Já aqui elogiou o jogo do Rodrigo Ribeiro, faltou o golo para se poder falar num jogo perfeito, e é notória a sua confiança nas ações em campo. A verdade é que na equipa B, ele tem jogado principalmente nas costas do avançado, a flutuar por essa zona. Depois de um jogo onde jogou a solo na frente do ataque, onde mais sente que o Rodrigo cresceu e que características mais exponenciou nos últimos meses?
Rui Borges: O Rodrigo joga numa posição onde também treina na equipa A. É um miúdo que tem tido um crescimento enorme nesse sentido e acho que pode dar resposta nas duas posições porque é um miúdo que é predestinado em termos técnicos. É refinado em termos de leituras, em termos técnicos, em termos de tomar boas decisões, decisões diferentes, muito focado. Dentro do que são as suas características, acreditamos que pode fazer as duas posições. Hoje jogou na frente e na equipa B tem jogado noutra posição onde treina na equipa A maioritariamente, até. Não me surpreendi nada. Já disse isto. Acho que ao Rodrigo faltava-lhe, e sendo honesto e sincero na resposta, porque foi esta a conversa que tivemos com ele numa fase inicial da época. Os miúdos às vezes têm de perceber que querem… Acho, para já, que o Rodrigo foi um miúdo que apareceu muito cedo. Se calhar a expectativa dele aumentou em demasia. Só que depois os miúdos querem dar um passo à frente daquilo que é o seu crescimento natura. O Rodrigo, na parte sénior, é um miúdo que optou sempre, e foi emprestado ao AVS, e teve poucos minutos. Não adianta ir para a Primeira Liga só para dizer que é jogador da Primeira Liga. Vai pelo processo, e o processo é a Segunda Liga que lhe vai dar outra competência e vai exigir dele outras coisas. Nós damos-lhe coisas em treino, mas o jogo dá-lhes outras coisas. Eu muitas vezes digo que só controlo 20% da equipa. Os outros 80% são tomadas de decisão e leituras individuais, dentro de um coletivo e de uma ideia de jogo, claro, e perante um adversário individualmente e coletivamente, também. Têm de passar por esse processo. Esta conversa tive com ele no início da época. Mais do que ir para a Primeira Liga e ter 200 minutos, é jogador do Sporting, ajuda a equipa B na Segunda Liga e tem 3.000 minutos, golos e cresce. Para o ano, olham para o Rodrigo como primeira solução para a Primeira Liga e não como segunda ou terceira. Este crescimento é natural nos miúdos e eles têm que perceber isso. Eles às vezes pensam que estão no Sporting e querem ir para a Primeira Liga. Se não jogarem no Sporting, querem ser emprestados para a Primeira Liga. Chegam à Primeira Liga, não jogam. Mais vale estarem na Segunda Liga e jogar. O crescimento é contínuo e vai proporcionar-lhe coisas que o vão obrigar a pensar em coisas diferentes. Isso é que é o crescimento. Claro que ajudamos a crescer, mas o jogo dá muitas coisas que o treino não dá. Isso é claro para mim. Ele tem tido esse crescimento e teve a capacidade de perceber que faz sentido. Está na equipa A do Sporting, é um jogador da equipa A, e se tiver de jogar na equipa B, joga na equipa B. Tem tido minutos, rendimento, golos, assistências e vai ter o crescimento dele. Para o ano, o Rodrigo é olhado de outra forma internamente, se calhar, e externamente também. Vão olhar sempre de outra forma porque tem números e estatística. O futebol hoje em dia é uma indústria e temos de olhar para o futebol um bocadinho dessa forma também. O jogador, principalmente os miúdos de equipas grandes, como a nossa, não pode querer dar dois passos e frente no crescimento natural. Vai fazer a diferença. Acham, às vezes, que ir para a Segunda Liga é perder um ano. Perder um ano se calhar é dar dois passos em frente e depois ter de vir para trás. Perderam um ano, não tiveram minutos. Aí é que perdem um ano e acham que jogar num escalão inferior é perder um ano. Não é. Crescem, e muito. Mérito dele e feliz. Disse que fiquei triste porque não marcou golo e é um miúdo que tem trabalhado imenso, tido uma capacidade enorme de perceber o jogo, entender, aprender. Quer jogar e isso deixa-me feliz.
Bola na Rede: É certo que está de forma interina no comando técnico do Marinhense e que o próprio jogo, com o Marinhense num bloco mais baixo que o normal, é diferente, mas mesmo tendo em conta todos os estes pontos, até onde é que o Marinhense pode crescer e usar este jogo para construir e solidificar processos?
Renato Sousa: Tudo passa pela organização. É muito importante sabermos o que temos de fazer com e sem bola. Devemos ter, obviamente, os processos bem delineados com e sem. A base é essa. Os jogadores têm de perceber que têm um modelo onde se têm de agarrar e quais as funções de cada um em casa posição. Têm todos muita experiência, portanto é partir por aí.

