
A saída de Ruben Amorim seria sempre difícil de colmatar. A meio da temporada, depois de um arranque perfeito, de uma vitória estrondosa diante do Manchester City e de uma sequência 100% vitoriosa na Primeira Liga, mais difícil se tornou. Além de ter tornado o Sporting de forma inequívoca a melhor equipa dentro de campo, o agora treinador do Manchester United criou um espírito de supremacia em Alvalade, muito para lá do lado tático do jogo. A comunicação fluída e descontraída, a capacidade de agarrar as bancadas e a sensação de superioridade mental eram marcas distintivas do Sporting.
Entrando a meio do campeonato, manter estes índices o mais alto possíveis tornou-se na tarefa mais dura, mas também mais importante, de João Pereira. Os jogadores continuam a ser os mesmos, as funções que desempenham em campo também pouco se modificaram, mas o ambiente mudou. E é no que não consegue controlar que João Pereira, dono da hercúlea tarefa de suceder a quem tudo revolucionou, iniciou um trabalho muito mais difícil do que poderia parecer.
Fazer melhor que Ruben Amorim era – e é – praticamente impossível. Fazer pior é sinónimo, para os meandros da crítica infernal, de desaproveitamento dos alicerces e bases estruturais modificadas e de um plantel capaz de jogar em piloto automático. E, para fazer pior que Ruben Amorim, não era preciso muito.
Mais do que o jogo do Amarante e que a partida com o Arsenal – mesmo com um resultado pesado e volumoso – era o jogo diante do Santa Clara que importava a João Pereira para uma transição o menos turbulenta possível. E o jogo, além de complicado, exigia uma exibição imponente e um resultado positivo. Nem um, nem o outro e a desconfiança que já não se fazia a sentir em Alvalade regressou como os fantasmas da mente que teimam em desaparecer mesmo que tudo esteja ou aparente estar bem.

O Sporting teve maior volume de jogo que o Santa Clara, mais tempo de bola no pé, mas raramente criou reais situações de perigo ou incomodou um sistema defensivo muito coeso dos açorianos que tiveram méritos claros não só na forma como defenderam, como também na forma como souberam aproveitar o pouco tempo de bola para criar perigo. E nos azares e sortes que vão determinando o rumo de um jogo de futebol, o Sporting foi atraiçoado pelo timing do golo. Assim como João Pereira o foi, quando viu o processo de chegada à equipa principal dos leões antecipado em sete meses.
Após um início desconfortável de jogo, o conjunto verde e branco foi-se impondo com alguma naturalidade e, a meio da primeira parte, já dominava o jogo e acumulava chegadas com mais perigo. Daniel Bragança soltou-se no ataque, sobrecarregou o corredor central do Santa Clara e criou mais espaço para o Sporting tentar aproveitar. Faltou outra assertividade nas ações a nomes como Marcus Edwards e Geovany Quenda para desequilibrarem, faltou outro contexto a Geny Catamo, preso à esquerda, para aparecer e inspiração a Francisco Trincão (ainda assim uns furos acima) e Viktor Gyokeres, rostos principais da temporada do Sporting, mas vultos em campo em Alvalade.
A desinspiração individual sentia-se em Alvalade e a sensação – muitas vezes sem grande explicação – apurada de que algo não estava bem ecoava em campo e transparecia para as bancadas. Os passes não entravam no momento certo, as brincadeiras com bola perdiam-se cedo demais e, nem atrás, havia tranquilidade para fazer a bola girar e impedir o Santa Clara de se agigantar.

Ao Santa Clara, bastou ser fiel a si próprio. Organizado, coeso e ciente do que fazer defensivamente (com uma exibição soberba de Luís Rocha) e – ao contrário de muitas equipas – com válvulas de escape para ferir sem bola. As estratégias defensivas nunca serão um problema. O único problema está quando o jogo se resume ao que fazer sem a bola, acreditando que a sorte, a chuva ou uma mão divina a colocará na baliza adversária.
Sem Gabriel Silva, o Santa Clara deu liberdade à esquerda para Matheus Pereira se projetar constantemente, atacando as costas do ala leonino e carregando a bola. Mais à frente, Alisson Safira e Vinícius Lopes – que combinaram para o golo açoriano – mostraram a importância que têm no conjunto orientado por Vasco Matos.
Alisson Safira faz parte da estirpe que teima em suceder em Portugal. Deu o salto demasiado cedo, mas soube dar o passo atrás para ganhar minutos como titular. É um jogador com autossuficiência para receber uma bola longa (quase sempre sobre a direita, fugindo ao duelo com Ousmane Diomande e provocando desconforto ao menos acutilante Zeno Debast) e arrancar em direção à baliza ou trabalhá-la e combinar com os colegas. Foi assim que Safira tabelou e lançou Vinícius Lopes, um jogador muito forte no ataque à profundidade e com velocidade para fazer a diferença. O golo do Santa Clara foi construído de forma rápida e vertical, mas nasceu de um pontapé de baliza onde tudo foi bem trabalhado, aproveitando a passividade do Sporting para festejar.

Tão hábil em desconstruir blocos baixos e em arranjar artimanhas para jogar dentro do bloco, quer pela força e explosão de jogadores como Viktor Gyokeres ou Conrad Harder, pela imprevisibilidade dos muitos desequilibradores por dentro e por fora ou pela capacidade de inventar passes dos médios, o Sporting perdeu-se em campo e perdeu o fio que tem marcado a época. Recuperá-lo sem o deixar quebrar é a missão de João Pereira.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Como é que se prepara o processo defensivo contra um Sporting com altos números de golo e pergunto se sente que o 5-4-1, sem bola, com o objetivo de bloquear o máximo do jogo entre-linhas do Sporting e a capacidade para sair a jogar foram chave nesta partida?
Vasco Matos: Estrategicamente acho que cumprimos na perfeição o que foi trabalhado. Obviamente não vou entrar em pormenores, isso é o nosso trabalho, mas vou realçar o espírito da equipa, o trabalho coletivo, o fecho dos espaços que tínhamos trabalhado. O Sporting obrigou-nos a recuar, tiveram muito bola, conseguiram circular e tivemos de ir aos dois lados, mas em termos de ocasiões claras claras lembro-me de um cabeceamento do Gyokeres. Umas segundas bolas, uns remates, mas claras claras não me lembro de muitas oportunidades. Tivemos e sabíamos que tínhamos de cumprir à regra a estratégia. Sabíamos onde a bola podia entrar e onde não podia e isso foi muito importante. Tivemos de correr muito e temos de trabalhar muito.
Bola na Rede: Na segunda parte, colocou Morita no lugar de Hjulmand. O Morita é um jogador forte no jogo entre-linhas e o Santa Clara defendia num 5-4-1 com o objetivo de retirar mesmo o máximo de jogo entre-linhas do Sporting. Qual foi o objetivo ao colocar Morita nesta fase do jogo?
João Pereira: O Morten já vem de muitos jogos seguidos, jogou na Seleção, jogou com o Amarante e também com o Arsenal. Estava um pouco desgastado. O Santa Clara, de facto, estava a jogar num 5-4-1 mas depois apostava em transições e como o Morten era o jogador que estava a ficar mais perto do avançado do Santa Clara, que baixava muito e sentimos que em qualquer transição podia ser perigoso para nós. O Morita entrou bem e até me lembro de conseguir matar 2 ou 3 transições. A intenção era mesmo essa: evitar transições adversárias e meter mais velocidade no jogo.