Uma questão de perspectiva

O Sexto Violino

Portugal é um país periférico. Sempre o foi ao longo da História, muito por causa de uma situação geográfica que, ao longo dos séculos, impossibilitou que tanto as mercadorias como as ideias chegassem cá com a mesma rapidez com que circulavam nos reinos do coração da Europa. Foi, aliás, em parte devido a isso que Portugal se interessou pelo mar e deu início à sua expansão marítima. No entanto, tirando um ou outro pequeníssimo período histórico de maior prosperidade, conseguida à custa das colónias, a realidade do nosso país foi quase sempre de crise, escassez de recursos e dependência face às grandes potências.

Em 2014, como sabemos, esta realidade mantém-se. No futebol, as coisas não são diferentes: tal como o país foi, em tempos, uma porta de entrada na Europa dos mais variados produtos que depois seguiam para outros locais, também o nosso campeonato não é um ponto de chegada mas sim um mero entreposto onde fazem escala alguns bons jogadores sul-americanos (e outros não tão bons…) que vêm tentar a sua sorte na Europa. Da mesma forma, de cada vez que um futebolista nacional se destaca por cá, rapidamente se transfere para um clube futebolística e/ou financeiramente muito mais poderoso.

Não tenho por hábito embandeirar em arco com os jogadores do Sporting ou de outros clubes portugueses, por muito que se destaquem no nosso campeonato. Expressões como “o jogador X é dos melhores do mundo” ou “não há melhor do que o médio Y na sua posição” sempre me custaram ouvir quando dizem respeito a jogadores do campeonato português, pura e simplesmente porque não é o mesmo jogar contra um Paços de Ferreira, um Olhanense, um Belenenses e um Arouca ou contra um Chelsea, um Man. City, um Man. United ou um Arsenal.

Desde que vejo futebol, poucos foram os jogadores da nossa liga que me fizeram exclamar: “este gajo é de top mundial!”. Que me lembre, apenas Lucho e Falcao foram capazes de arrancar essas palavras da minha boca. Nem Jardel, nem Hulk nem Aimar o conseguiram – o primeiro porque foi dos melhores finalizadores que vi, mas tinha falhas básicas que tornavam inviável a sua transferência para um “colosso”; o segundo porque o considero um bom jogador a nível europeu, não um fora-de-série; e o terceiro porque, apesar de ter tido grandes momentos em Portugal, já chegou cá numa fase menos exuberante da carreira.

No que diz respeito aos jovens o caso muda ligeiramente de figura. Ainda que isto seja tudo menos um método exacto e objectivo, há duas categorias onde insiro os melhores “miúdos” que temos por cá: a dos acima da média (isto é, que poderão vir a estabelecer-se numa boa equipa europeia) e uma outra, muito mais restrita, que diz respeito aos atletas que poderão vir a atingir o nível de classe mundial. Nesta última categoria apenas vi cinco jovens, todos eles do Sporting: Quaresma, Cristiano Ronaldo, Miguel Veloso, Nani e Bruma. Hoje em dia, posso dizer que apenas Ronaldo e Nani confirmaram o que deles esperava (veremos o que acontece com Bruma). Quaresma foi vítima da sua personalidade atribulada e Veloso foi o único jogador por quem “perdi a cabeça” erradamente, e que me fez dizer aquelas frases que comecei por criticar. Mas quem se lembra daquela sua época de 06/07 facilmente me percebe. Daí para cá, confirmou o seu estatuto não como estrela, mas como um jogador acima da média.

Apesar de ainda jogar em Portugal, William Carvalho já é uma certeza. A sua ascensão tem sido meteórica - aqui, o momento da sua estreia pela Selecção, contra a Suécia Fonte: A Bola
Apesar de ainda jogar em Portugal, William Carvalho já é uma certeza. A sua ascensão tem sido meteórica – aqui, o momento da sua estreia pela Selecção, contra a Suécia
Fonte: A Bola

De resto, e ainda que correndo o risco de me esquecer de um ou outro, a minha lista de jovens que avaliei como “acima da média” quando estavam nos três grandes foi: Moutinho, Vukcevic (mais uma vítima da sua própria maneira de ser, porque aquela primeira época não enganava) e agora Carlos Mané e, possivelmente, João Mário pelo Sporting; do lado do Benfica, Ramires, Javi Garcia, David Luiz, Fábio Coentrão, di María, Salvio, Gaitán e Matic (alguns já deixaram de ser promessas, mas continuam a ter condições para “dar o salto”); no Porto, Carlos Alberto, Diego (se bem que este já fosse uma certeza), James, Danilo, Alex Sandro, Mangala, Otamendi, Iturbe e Quintero.

Talvez por conhecer vários benfiquistas, e pela onda que se gera quando estão na mó de cima, os casos dos jogadores desse clube são os que melhor mostram que não é por um jogador se evidenciar em Portugal que tem como garantido o estatuto de estrela. Em 2010, não havia benfiquista que não dissesse que Coentrão, por exemplo, era “o melhor lateral-esquerdo do mundo”. Em Madrid já lhe chamaram “o suplente mais caro do mundo”, e nunca conseguiu impor-se a Marcelo. É esta noção de perspectiva que por vezes nos falta: é diferente jogar em Portugal e em Espanha, por todas as razões e mais algumas. Coentrão é um lateral de boa valia, sim. Por outras palavras, um exemplo do tal jogador acima da média (e no caso dele bastante, até). Mas nunca na vida o melhor do mundo.

Tudo isto para chegar a um jogador: William Carvalho. Vou abdicar das minhas precauções habituais e dizer com toda a convicção que a minha lista de atletas com potencial estratosférico já ganhou mais um nome. A sua grande capacidade de passe e a facilidade com que constrói jogadas, não se limitando ao seu papel defensivo, já está a um nível notável; a forma como desarma os adversários é genial; o sentido táctico que apresenta, e que o tempo encarregará de aprimorar ainda mais, é surpreendentemente elevado – leitura e visão de jogo são algumas das suas qualidades inequívocas. Pouco me interessa se William já é “dos melhores médios do mundo” ou não. Por uma questão de coerência e por saber que há muitos centrocampistas de enorme qualidade e com muito mais rodagem do que o luso-angolano, diria que não. Mas, se continuar assim, sê-lo-á muito em breve. E, infelizmente para nós, Sportinguistas, provavelmente já noutro país qualquer. É a tal desvantagem de termos um país e um campeonato periféricos…

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João V. Sousa
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O João Sousa anseia pelo dia em que os sportinguistas materializem o orgulho que têm no ecletismo do clube numa afluência massiva às modalidades. Porque, segundo ele, elas são uma parte importantíssima da identidade do clube. Deseja ardentemente a construção de um pavilhão e defende a aposta nos futebolistas da casa, enquadrados por 2 ou 3 jogadores de nível internacional que permitam lutar por títulos. Bate-se por um Sporting sério, organizado e vencedor.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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