Força da Tática: O Inovador Sheffield United FC de Chris Wilder

O Sheffield United FC de Chris Wilder tem sido a grande surpresa desta edição da Premier League. Com um registo verdadeiramente impressionante de duas subidas em quatro anos, Wilder tem criado uma equipa forte em todos os momentos do jogo e com ideias inovadoras e completamente diferentes daquilo que é visto atualmente. Neste momento, ocupam o sétimo lugar e lutam por uma vaga de acesso à Liga dos Campeões. Um trabalho fantástico do seu treinador, que com as suas ideias tem criado uma equipa com princípios incomuns no futebol atual e com um enorme sucesso.

A equipa inglesa apresenta traços fortes do Futebol Total pela rotatividade, trocas posicionais constantes entre determinados jogadores e dinâmicas de terceiro homem. Com uma identidade muito vincada, o Sheffield transformou-se numa máquina muito bem oleada e que promete ficar na memória dos adeptos ingleses. Talvez num próximo artigo, analise a equipa inglesa de forma global, mas hoje trago-vos um dos princípios mais utilizados no seu jogo: o avanço dos centrais em momento ofensivo.

Irão ser destacados os centrais, O’Connell e Basham, por serem os maiores protagonistas destas ações ao longo do jogo. Este fenómeno dos centrais progredirem no terreno não é novo, por exemplo, Van Gaal utilizava esta estratégia nos anos 90 ou, até mesmo, a Alemanha do fantástico central Franz Beckenbauer também já o fez. Apesar disso, é um princípio que se foi perdendo com o tempo e que Wilder e, principalmente o seu adjunto, Alan Knill (aquele que propôs a ideia ao treinador principal), trouxeram de novo à tona do futebol.

Onze base do Sheffield United FC e a estrutura tática

A equipa utiliza o sistema tático de 1-3-5-2, que vai sendo alterado ao longo de cada fase do jogo. O central do meio, John Egan, é um central mais posicional, forte na marcação e agressivo; Basham e O’Connell são dois centrais flanqueadores que têm liberdade para desenvolver diagonais ao longo dos corredores laterais. O’Connell é tecnicamente mais evoluído, fruto do seu bom pé esquerdo, e tem elevada capacidade de passe a longas distâncias; já Basham é mais rápido, inteligente nas suas desmarcações e forte no futebol associativo.

No meio-campo existe um triângulo invertido com Norwood a ser o jogador mais posicional e com Fleck e Berge/Lundstram como médios interiores com funções importantes em momentos de criação ofensiva. Os avançados McBurnie e Sharp/Mounié/McGoldrick têm características todos eles diferentes, mas conseguem ser muito agressivos no ataque ao espaço entre os elementos da linha defensiva e alguns deles fortes no jogo associativo. Têm funções tanto na busca da profundidade como no serviço em apoio. Não são goleadores, mas trabalham muito para a equipa. Resiliência é a palavra que melhor os define.

Normalmente, o Sheffield constrói com os três defesas centrais, no entanto depende muito da forma como o adversário pressiona na primeira fase defensiva. Por exemplo, quando o adversário pressiona com dois avançados, O’Connell e Basham abrem e um dos médios pode até baixar (normalmente Norwood) juntando-se a Egan no espaço central. Já quando o adversário pressiona com um avançado, O’Connell e Basham abrem, Egan posiciona-se entre eles e Norwood à frente da linha de três centrais, formando um losango que possibilita uma troca de bola segura.

O Sheffield tende a explorar o ataque vertical em bola longa para os dois avançados ou com combinações nos corredores laterais. A equipa inglesa acaba por, teoricamente, dividir o campo em dois de forma vertical e criar o seu jogo ofensivo pelo lado direito ou lado esquerdo. Apostam sobretudo no jogo pelos corredores laterais, deixando de parte o ataque pelo corredor central, pelo risco associado ao mesmo em momento de perda de bola. A compactação ofensiva junto aos corredores acaba por ser a sua imagem de marca e a forma com que criam maior desequilíbrio aos adversários.

Quando tem oportunidade, a equipa aposta na procura da profundidade. Os centrais têm uma elevada capacidade de passe a longas distâncias, dessa maneira aproveitam os movimentos de rutura dos avançados na busca da profundidade (por vezes, também dos médios interiores). Quando não o conseguem fazer, normalmente procuram uma construção de jogo mais elaborada.

Acaba por ser interessante a forma como são criadas condições para que os centrais consigam avançar. Normalmente, a equipa inglesa inicia a primeira fase de construção com os três centrais, dois deles abertos (O’Connell e Basham) e um no meio (Egan). Nesta fase, a linha dos três centrais ainda não tem uma distância tão relevante como irá ter numa segunda fase de construção. Ou seja, inicialmente os centrais estão mais próximos e vão alargando a distância entre eles à medida que a equipa avança no terreno.

Na segunda fase de construção, dois dos centrais estão abertos e Egan sempre no centro. Para que um dos centrais consiga subir no terreno, é essencial a estrutura montada junto ao corredor lateral. O Sheffield coloca sempre vários jogadores nos corredores laterais com o intuito de desenvolver combinações e atacar a partir daí. Por exemplo, num ataque pelo lado esquerdo: O’Connell fica completamente aberto no corredor esquerdo, lateral sobe e arrasta marcação, um dos médios interiores em espaço entre-linhas, Norwood ou Egan ao lado de O’Connell, arrastando marcação e permitindo a sua subida.

Basicamente, a preocupação é gerar uma superioridade numérica que possibilite uma troca de bola em progressão. Podem ver este desenho tático na imagem seguinte:

Fonte: BeIn Sports

Quando a bola chega a um dos laterais (Baldock ou Stevens), um dos centrais tem liberdade para subir e movimentar-se para ser linha de passe. As estruturas montadas nos corredores, possibilitam múltiplas soluções para combinação. Um dos médios interiores, o central, o lateral e, por vezes, um dos avançados criam microestruturas difíceis de desmontar por parte do adversário. As dinâmicas destas microestruturas são interessantes pela eficácia que têm e pelos problemas que criam ao adversário. A procura do espaço, a rotatividade posicional e a inteligência ao nível das movimentações e desmarcações permitem à equipa trocar a bola em espaços curtos e ter sempre soluções de passe, mesmo quando o adversário coloca vários jogadores a defender no corredor.

As relações simples criadas entre os jogadores são a chave para uma troca de bola eficaz. Ações como o posicionamento em apoio, a passagem nas costas ou a movimentação por dentro em busca do espaço nas costas da defensiva adversária são utilizadas pelos jogadores. Além disso, e derivado a esta rotatividade, os jogadores mudam constantemente as suas posições. É frequente ver, por exemplo, o lateral em espaço interior e o central encostado à linha, ou o médio encostado à linha, o lateral em apoio e o central a desmarcar-se por dentro e a surgir nas costas de uma estrutura defensiva adversária. Após ganhar espaço, apostam quase sempre no cruzamento, principalmente pela presença na área de vários jogadores.

O Sheffield United FC é uma das boas surpresas desta época. O treinaodr Chris WIlder tem sido o grande obreiro deste sucesso.
Fonte: Total Football Analysis

O Sheffield é uma equipa que gosta de criar desequilíbrios nas defesas adversárias através da mudança de flancos. Para isso acontecer, existe uma preparação no flanco onde se desenrola a jogada e no flanco contrário. Imaginemos que a bola está no flanco direito e existem condições para desequilibrar no corredor esquerdo. Assim, uma das hipóteses seria o passe longo, outra seria o passe curto para o médio mais posicional (Norwood) ou para o central Egan, que oferecem sempre linha de passe atrasada, possibilitando uma mudança de flanco num curto espaço de tempo. Quando a bola chega ao lado contrário, o lateral está quase sempre subido e o médio interior rapidamente se junta ao mesmo.

Imaginando que o lateral recebia a bola a partir de passe vindo do flanco contrário, de imediato o central se envolvia no ataque, o médio interior juntava-se para combinar e era criada uma situação de superioridade numérica difícil de controlar por parte do adversário. Este facto é um dos motivos para que as equipas adversárias utilizem linhas de cinco ou até de seis jogadores em momento defensivo. Só assim, conseguem controlar com eficácia a amplitude do conjunto do Sheffield.

 

Em determinados momentos, os centrais podem até aparecer em zonas de finalização em jogadas de ataque continuado. Aliás, esta é uma estratégia algumas vezes utilizada pela equipa inglesa, em momentos que precisa de ter mais jogadores na área para finalizar.

Defensivamente e apesar das investidas dos centrais, a equipa do Sheffield consegue ser segura e coesa, muito pela preparação do momento após perda de bola que realiza. O facto de ter uma compactação ofensiva tão grande nos corredores não só oferece múltiplas soluções ao nível ofensivo, como ajuda em momento defensivo a equipa a pressionar de forma coesa e conjunta. Normalmente, quando um dos centrais avança, os outros dois ficam mais resguardados (muito embora o central do lado contrário esteja sempre preparado para subir em caso de mudança de flanco).

A partir do momento em que a equipa consegue criar vantagem num dos corredores, os dois centrais mantêm-se posicionados atrás, um dos médios (normalmente, Norwood) também fica mais posicional e os restantes jogadores têm a capacidade de, após a perda, reagirem rápido e com um determinado padrão.

Pelo facto de o Sheffield colocar vários jogadores em momento ofensivo, o adversário também é obrigado a colocar vários jogadores a defender. Assim, a transição defensiva fica mais facilitada, visto que muitas vezes o adversário não consegue ter jogadores suficientes para transitar e vê-se obrigado a passar longo, na maioria das vezes, ineficazmente, fruto do jogo aéreo fortíssimo dos defesas do Sheffield. Mas quando isso não acontece e o adversário tem homens suficientes para transitar, o Sheffield consegue organizar-se de forma rápida. Normalmente, os jogadores mais perto da bola pressionam de forma intensa, enquanto os restantes recuam de imediato, ocupando os seus posicionamentos habituais. Acabam por conseguir recuperar a bola rapidamente e partir logo para ataque.

Além disso, a equipa tem um controlo da profundidade muito forte. Prova desta eficácia defensiva é o facto de o Sheffield United ser a segunda melhor defesa do campeonato inglês, apenas atrás do Liverpool FC. Outro facto interessante é a equipa inglesa ser a terceira com maior percentagem de ações no terço defensivo adversário e a terceira com menor percentagem de ações no seu terço defensivo. Estes últimos dados estão relacionados com o envolvimento ofensivo brilhante e com a forte transição e organização defensiva do Sheffield.

Equipa organizada e preparada para possível perda de bola
Fonte: Total Football Analysis

O’Connell e Basham não são dois centrais tecnicamente muito evoluídos, no entanto, são rápidos, têm uma boa capacidade de drible e são extremamente inteligentes. Percebem os timings em que devem subir e descer no terreno, de maneira a manter a equipa equilibrada nuns momentos e investir na subida para criar perigo ao adversário noutros. Identificam o espaço e rapidamente oferecem solução para desequilibrar as defesas adversárias. Esta inteligência tática que revelam tem sido extremamente importante para a equipa do Sheffield estar a lutar pela Europa. É absolutamente incrível como uma equipa sem jogadores “sobredotados” tecnicamente falando, consegue desenvolver uma identidade tão própria e tão eficiente. Este estilo de centrais a subir no terreno e a criar superioridade numérica em zonas avançadas poderá ser um ponto de partida para um “novo” princípio de jogo no Futebol Moderno.

Artigo revisto por Inês Vieira Brandão

Diogo Coelho
Diogo Coelhohttp://www.bolanarede.pt
Natural de Rio Maior. Adepto do bom futebol desde que se lembra. Gosta de dedicar o seu tempo à análise de jogo e dos seus intervenientes. Admirador do estilo de jogo de Guardiola e partilha da ideia que no futebol destacam-se aqueles que mostram mais inteligência.                                                                                                                                                 O Diogo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Subscreve!

Artigos Populares

Euro Sub-21: Já são conhecidos os onzes oficiais do Geórgia x Portugal

Portugal vai enfrentar esta terça-feira a Geórgia na terceira e última jornada do Euro Sub-21. Fica com os onzes oficiais.

Martin Baturina oficializado como reforço do Como 1907

Martin Baturina é reforço do Como 1907. Médio croata deixa o Dínamo Zagreb e assina pelo emblema italiano da Serie A.

Sporting: Os 5 jogadores que só saem pela cláusula de rescisão

O Sporting quer manter a base para a próxima temporada. Há 5 jogadores que só saem pelo valor da cláusula de rescisão.

Demiral já tomou decisão após interesse do Fenerbahçe e Atlético Madrid

Merih Demiral deve continuar no Al Ahli para a próxima temporada. Fenerbahçe e Atlético Madrid perguntaram pelo defesa turco.

PUB

Mais Artigos Populares

As 4 alternativas do Bayern Munique a Nico Williams: Um deles é português

O Bayern Munique quer contratar Nico Williams para a próxima temporada. No entanto, o Barcelona é o favorito. Vê as alternativas.

Braga junta-se ao Vitória SC e está atento a médio da Liga 3

O Braga está interessado em Cláudio Araújo. Médio de 22 anos joga no Varzim e também chamou à atenção do Vitória SC.

Nico Otamendi e o Boca Juniors 2-2 Benfica: «Vaiaram-me o tempo todo num jogo em que acabei por marcar»

O Benfica empatou 2-2 com o Boca Juniors na primeira jornada do Mundial de Clubes 2025. Nico Otamendi falou no final do jogo.