Força da Tática | O Liverpool em 25/26

A atitude do Liverpool em relação ao mercado de transferências mudou. Durante anos, o clube foi exemplo de gestão racional e estratégica, preferindo operações cirúrgicas a grandes revoluções no plantel. Este modelo, fortemente associado à liderança de Jürgen Klopp e à inteligência de mercado de Michael Edwards e Ian Graham assentava numa combinação entre análise estatística, scouting criterioso e uma visão clara de identidade de jogo. O objetivo era sempre encontrar jogadores que encaixassem perfeitamente na filosofia do clube, muitas vezes por valores inferiores aos praticados pelos rivais diretos.

Esta abordagem trouxe frutos evidentes: uma Liga dos Campeões em 2019, um título da Premier League em 2020 e vários anos de consistência no topo do futebol europeu. O investimento em nomes como Alisson, Van Dijk ou Fabinho foi grande, mas sempre sustentado por vendas significativas, como a de Coutinho para o Barcelona, e nunca baseado em gastos impulsivos ou sem planeamento. O Liverpool construiu uma equipa com personalidade, disciplina táctica e identidade coletiva forte, sem depender de contratações de última hora para tapar buracos.

Contudo, esta prudência teve o seu preço. Esta contenção no mercado levou a um certo envelhecimento do plantel e à dificuldade em regenerar algumas posições a tempo. Em particular, o meio-campo revelou sinais de desgaste físico e falta de profundidade ao longo da época 2022/2023, o que contribuiu para um ano abaixo das expectativas.

A temporada 2023/2024 marcou um ponto de viragem. A saída de várias figuras históricas, incluindo Henderson, Milner, Firmino e Fabinho, abriu espaço para uma renovação profunda no meio-campo, com as contratações de Alexis Mac Allister, Dominik Szoboszlai, e Ryan Gravenberch. Esta movimentação mais ativa no mercado já revelava uma mudança de postura, ainda que moderada. Na época 24/25. e já após a mudança de treinador, o clube voltou a ser menos ativo, contratando apenas Chiesa e Mamardashvili (que se manteve no Valência até junho de 2025).

Isto levou a que os 11 base das duas épocas não fossem muito diferentes.

11 Liverpool
Fonte: Edgar Cabrita

E essa foi uma das razões que levou a que o Liverpool não entrasse como um dos favoritos a vencer a Premier League em 24-25. No entanto a equipa foi campeã a quatro jornadas do fim. Mesmo sem grandes mudanças no plantel Arne Slot trouxe novas ideias, nomeadamente as funções dadas a Gravenberch e a Luis Diaz fizeram com que os dois jogadores tivessem uma subida de rendimento significativa em relação a 23/24.

FC Bayern garante dupla
Gravenberch ainda no Ajax Fonte: Carlos Silva/ Bola na Rede

O primeiro começou a jogar em zonas mais baixas do terreno, tendo atuado muitas vezes atuado sozinho na base do triângulo do meio-campo, funcionando assim como primeiro homem nas costas da primeira linha de pressão adversária. A função dada a este jogador permitia à equipa sair muitas vezes com facilidade para o ataque, já que o neerlandês mostrou uma grande capacidade de rodar sobre si e sobre o adversário e progredir no terreno com a bola controlada. No fim da época Gravenberch também se começou a juntar muitas vezes aos defesas centrais para uma construção a três, com Mac Allister (algo que já estava habituado a fazer no Brighton) e outro jogador a serem os responsáveis pela ligação a zonas de criação.

Já Luis Diaz começou muitas vezes como “o jogador central do ataque, atuando não como uma referência fixa, mas sim como um falso 9. Esta função permitia ao jogador deambular pelo terreno e ser um alvo entre linhas. Esta forma de utilizar o jogador criava grande dificuldades na defesa adversária. Muitas vezes o falso 9 é utilizado para atrair marcações para receber a bola entre linhas e isolar colegas ou então através dessa atração de adversário permitir que os colegas sejam opções de passe mais verticais e viáveis.

Luis Díaz Mohamed Salah Liverpool
Fonte: Liverpool FC

Mas o que se viu de Luis Diaz foi além disso, foi também um jogador que recebia e virava-se de frente para acelerar o jogo através de condução e drible, isto causava ainda mais problemas já que se um adversário saísse diretamente na marcação podia ser facilmente ultrapassado pelo colombiano, se a linha defensiva mantivesse posição Luis Diaz tinha oportunidade para decidir enquanto aumentava a velocidade de jogo. Tomando como exemplo o jogo contra o Bournemouth a 1 de fevereiro os comportamentos acima descritos são bastante notórios

Mapa de Passes de Luiz Diaz
Fonte: whoscored.com
Mapa de Passes Recebidos de Luiz Diaz
Fonte: whoscored.com
Condições e dribles de Luiz Diaz
Fonte: whoscored.com

No entanto, mesmo com estas alterações mais significativas continuaram a existir algumas dinâmicas do passado, sendo a mais notória a constante troca de terrenos pisados por Arnold e Salah em zonas mais abertas quando a equipa tinha bola. Desta forma a equipa podia tirar mais partido das qualidades criativas dos dois jogadores. Salah foi o jogador com mais assistências, o jogador com mais passes para a área adversária e o segundo com mais passes para finalização, já Arnold foi o 7.º jogador com mais passes progressivos e passes para a área adversária.

Mas Arnold não foi o único defesa do Liverpool que se destacou no jogo ofensivo da equipa, Van Dijk foi o jogador da Premier League com mais passes efetuados para o último terço. Isto acontece porque as bolas longas de Van Dijk para Salah tornaram-se uma arma poderosa para a equipa de Liverpool, outa das razões é a postura defensiva que os adversários adotam contra o Liverpool, o que obriga muitas vezes a que sejam os defesas a “pegar” no jogo já dentro ou muito próximo do meio-campo adversário.

Mas mesmo com o título da Premier League nas mãos eram esperadas mudanças. E o primeiro sinal foi o anúncio de Arnold a 5 de maio, o jogador formado no Liverpool anunciou a decisão de sair do clube. Para colmatar a sua saída foi contratado Frimpong, ao Leverkusen. No lado oposto da defesa, e mesmo com Robertson e Tsimikas a fazerem parte do plantel, o clube achou que era necessário sangue novo e contratou Kerkez, o que deve significar a saída de um dos dois primeiros.

Para a frente foi contratado Ekitike, o jogador francês vem de uma excelente época ao serviço do Frankfurt e consegue acrescentar qualidade em zonas centrais em relação a Luis Diaz, que acabou por sair para o Bayern Munique. Darwin Núñez também deve estar de saída, e por isso, o clube continua interessado na contratação de Isak do Newcastle. No entanto, a contratação mais sonante até ao momento foi a de Florian Wirtz, o criativo alemão chegou e desde logo vai acrescentar muita qualidade no que toca ao jogo entre linhas média e defensiva adversária.

Mas que alterações vão estas contratações causar na forma de jogar do Liverpool?

Começando pela defesa, à primeira vista Kerkez e Frimpong foram recrutados para serem titulares, mas será que o desequilíbrio que causam na defesa adversária vai valer o risco de deixar tanto espaço nas costas para os contra-ataques?

Tanto Kerkez como Frimpong são jogadores que têm grande facilidade em atuar no último terço do campo, não só por fora, mas também por dentro, sendo que os dois jogadores foram dos defesas/alas com mais toques no último terço e dentro da área adversária das cinco principais ligas europeias.

Frimpong heatmap
Passes recebidos por Frimpong contra o Bochum no jogo da 20.ª jornada da Bundesliga 23/24 (Fonte: StatsBomb open data)
Kerkez heatmap
Passes recebidos por Kerkez contra o Newcastle no jogo da 22.ª jornada da Premier League 24/25 (Fonte: whoscored.com)

Estas características permitem que na direita as capacidades de Salah sejam ainda mais potenciadas, se receber a bola aberto vai ter Frimpong a correr por dentro dando uma opção de passe viável e Salah com a sua criatividade pode deixar o holandês isolado várias vezes ao longo de um jogo, se for Frimpong aberto e Salah fechado o egípcio pode ganhar mais passes para fazer desmarcações entre defesas adversários.

Na esquerda Kerkez, tal como mencionado acima, é também um lateral que gosta de fazer incursões ofensivas, e beneficia de um jogador que goste de aproveitar espaço mais centrais.

Sendo assim, tanto Gakpo como Wirtz podem ser os parceiros do húngaro na esquerda. Gakpo oferece opções mais diretas à equipa, é um jogador que tem sempre a baliza adversária na mira e que por isso toma decisões menos boas. Já Wirtz gosta de deambular no espaço entre linha defensiva e linha média adversária, com Kerkez mais alto o alemão terá mais espaços nesta zona.

Wirtz heatmap
Passes recebidos por Wirtz contra o Bayern Munique no jogo da 21.ª jornada da Bundesliga 23/24 (Fonte: Statsbomb open data)

E se Frimpong e Kerkez permitem a quem joga à sua frente tenha liberdade para deambular por várias zonas do campo é importante que exista esse espaço para os criativos aparecerem, e não basta laterais que subam no terreno. Se em 24/25 Luis Diaz jogava no corredor central e descia muitas vezes no terreno para a equipa ter superioridade no meio em 25/26 essa superioridade será dada por outros jogadores, e por isso, é fundamental que exista uma constante ameaça à profundidade.

Ekitike e Isak (forte rumor) podem oferecer isso, não é que não tenham capacidades para um jogo mais associativo, mas são jogadores com grande capacidade de finalização e em frente à baliza são letais. Isto vai permitir que os jogadores mais criativos tenham mais espaço para operar e que também tenham sempre uma ou mais opções de passe na profundidade em direção à baliza adversária.

Por isso mais que um 11 base, o Liverpool vai em 25/26 ter bastantes opções de qualidade inegável, isto vai permitir ao treinador escolher o 11 consoante o adversário sem perder qualidade.  

Em jogos que o Liverpool é claro favorito o 11 pode ser um 1x4x2x3x1/1x4x4x2, com Salah e Gakpo como extremos/avançados interiores, Wirtz com maior liberdade de movimentos nas costas dos médios adversários e Kerkez e Frimpong com laterais/alas.

11 Liverpool 25/26
Fonte: Edgar Cabrita

Esta maneira de jogar vai permitir que que existam várias formas de construir e criar jogadas de finalização. Kerkez não é apenas um jogador de último terço e tem características interessantes para fazer a bola progredir no terreno. Se nenhum médio cair entre centrais Kerkez pode manter posição para uma circulação mais pausada a partir de trás tendo condições para receber a bola e progredir com ela controlada após a equipa a trair o adversário ao corredor central. Se tiver de jogar mais subido também vai acrescentar qualidades ao jogo dos reds, como já foi mencionado acima.

Em jogos que a equipa precisa de mais equilíbrio pode voltar à fórmula do ano passado com Szoboszlai, Gravenberch e Mac Allister a formarem o trio do meio-campo.  Esta fórmula com Wirtz em campo permite que a equipa tenha superioridade constante no meio tendo Salah e um dos PL como constante ameaça à profundidade.

11 Liverpool 25/26
Fonte: Edgar Cabrita

Durante a ausência de Salah para a AFCON, Frimpong pode também fazer a posição de extremo direito, não oferecendo a mesma capacidade de criatividade e finalização do egípcio Frimpong oferece mais velocidade, e por isso, maior facilidade em ultrapassar os adversários através da velocidade podendo servir os colegas com cruzamentos de qualidade.

Em 25/26, o Liverpool pode não mudar de pele, mas mudou de pulso. A identidade mantém-se, mas agora bate ao ritmo de novas ideias, mais imprevisíveis, e com um leque de soluções mais amplo do que na era de Jurgen Klopp.

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