“A defesa está muito bem organizada e é difícil encontrar espaços”.
“Temos de usar mais os flancos, para tentar abrir espaços na defesa”.
“Temos mais números no corredor central, estou a controlar espaço”.
“Não me posso focar demasiado no ataque, assim fico demasiado vulnerável a contra-ataques”.
Estas são quatro frases tipo, que qualquer adepto de futebol reconhece facilmente. Não é difícil encontrar declarações de treinadores como Guardiola, Mourinho, Ancelotti ou Alegri que transmitam este tipo de mensagem táticas. Contudo, para além dos adeptos de futebol, há um outro grupo de pessoas para quem estas mensagens são familiares.
No fim de contas, que diferenças existem Kasparov quando pensa “Se eu conseguir colocar o meu cavalo em F6, ele fica em uma posição de grande perigo para o adversário, assim consigo dar liberdade às minhas outras peças para se moverem” e Guardiola quando diz para Bernardo Silva “ Tens de te aproximar das zonas próximas da grande área, assim o Aguero consegue ter mais apoio e podemos agredir o adversário de forma mais estruturada”.
Espaço e timing
Se reduzirmos o futebol ao seu nível mais fundamental, podemos dizer que é um jogo onde o objetivo passa por usar o espaço da forma mais efetiva possível para quebrar a defesa do adversário, no timing certo, enquanto evitamos que o adversário destrua a nossa defesa. Esta é a definição fundamental do futebol, mas também a do xadrez.
Não há nada mais simples, e é essa simplicidade que paradoxalmente torna os dois jogos tão complexos. Não existe nenhum outro desporto coletivo onde a harmonia, ou a falta dela, entre os jogadores têm um impacto tão grande no resultado final. Tal e qual como no Xadrez, cada movimentação ou ação afeta tudo o que está ao redor.
Assim se explica que equipas constituídas por jogadores de qualidade técnica superior percam para equipas onde os jogadores adversários são mais fracos tecnicamente, mas estão ligados de forma mais harmoniosa. Da mesma forma, Magnus Carlsen sabe que não basta ter mais peças no tabuleiro para ganhar o jogo, não é a força das peças que faz a diferença, mas a força das interações entre elas.
Movimento e conexões
Quando se fala em Xadrez no Futebol, pensamos naquele jogo fechado, cauteloso, pensado e estruturado. Nunca imaginamos o Arsenal, de 2004 treinado por Arsène Wenger, onde Pires, Bergkamp e Henry faziam uso do seu dinamismo e da fluidez das movimentações para quebrar todo e qualquer adversário.
Vamos viajar até 2005, ao Villa Park, a um jogo onde o Arsenal FC venceu confortavelmente por 1-3. O último golo dos gunners foi marcado por Ashley Cole, que vindo do nada, rompeu pelo corredor central e solicitou o passe de Bergkamp no espaço, para fazer o golo.
Que pode esse lance ter de semelhante com o exemplo que desenho em baixo. Aí vemos como o ataque “das brancas” é possível pelas conexões que estão criadas entre o Cavalo (f5) e os dois Bispos (c2 e h4), enquanto a Torre (em d2) espera para se deslocar para a linha do Bispo, em d8.
Tanto a Torre (em d2) como Ashley Cole são elementos inativos do jogo até serem transformados em ameaça para o adversário, pelo trabalho/conexões dos outros elementos. No Villa Park, foi o trabalho de Henry no corredor direito e a sua conexão com Bergkamp que permitiu a Cole se tornar numa ameaça para o adversário, já no tabuleiro são as conexões desenvolvidas entre as outras peças que transforma a Torre em uma ameaça.
Diferentes peças e diferentes jogadores
Uma Torre é uma peça aparentemente mais poderosa que um peão, mas apenas se for usado da forma mais adequada. Mesmo tendo em consideração que não existem posições proibidas, nem no futebol nem no Xadrez, temos peças/jogadores mais adequadas a jogar em determinadas zonas do terreno, pelas suas características.
Lilian Thuram, que dominava o flanco direito, corria para cima e para baixo durante todo o jogo, atacava e defendia.
No tabuleiro, a Torre tem um comportamento semelhante e pode impactar o jogo da mesma forma. Se Marcello Lippi (a treinar a Juventus FC) tivesse colocado Thuram no lugar de Davids (meio campo), o francês tinha o mesmo impacto no jogo? Certamente que não. Da mesma forma que uma Torre, quando não têm espaço no tabuleiro, não têm a mesma eficácia.
E Xavi “Deus” Hernández? O senhor da bola, do tempo e dos espaços, a sua inteligência, a capacidade de ler tudo, e a todo o instante, aquilo que se passava ao seu redor, via as suas qualidades maximizadas da mesma forma se jogasse no flanco ?
Claro que ia continuar a ser um dos melhores do mundo, mas o seu nível potencial de influência no jogo ia ser menor. Tal e qual o Cavalo em um tabuleiro.
Discovered attack
Este é um termo muito familiar no Xadrez. É utilizada quando um determinado jogador move uma peça com o objetivo de ativar o potencial ataque de outra que está na retaguarda. Um exemplo famoso deste tipo de ataque em ação, aconteceu no apelidado “Jogo do Século” entre Donald Byrne e Fischer em 1956.
Fisher (peças pretas) vai mover o seu Cavalo para c3, permitindo ao seu Bispo (c4) atacar o Rei de Bryne. Assim Bryne é obrigado a mover o seu Rei (porque está check) e Fisher fica com o caminho livre para eliminar, com o seu Cavalo (agora em c3), a Torre de Bryne (d1). Fisher acaba por algumas jogadas depois, vencer o jogo.
Este tipo de ataque, vemos a acontecer frequentemente no futebol. Como é exemplo, este belo golo que Icardi marcou, recentemente, para a Liga dos Campeões. Onde a primeira linha de ataque do Inter de Milão, desvia e afasta a defesa do Tottenham Hotspur FC , abrindo espaço à entrada da área para o remate do Argentino.
Basta procurar no Google por “Paul Scholes and Frank Lampard late run goals “para ficarmos a perceber como estas duas lendas, utilizaram de forma tão eficaz, e ao longo das suas carreiras, esta estratégia.
O futebol e o xadrez, por muito que nós os tentemos destrinçar, terão sempre algo de misterioso e inexplicável. Afinal, é esse mistério, escondido atrás de ambos os jogos, que continua a apaixonar e a fascinar milhões por todo o mundo.
Foto de Capa: Wenzday01