Força da Tática | O jogo de atrações de Amorim contra a pressão de Schmidt

Foi um dérbi impróprio para cardíacos, com duas partes distintas e, polémicas à parte, com muito bom futebol, contrariando a tendência de vários certames marcados pelo pacto de não agressão e pela vontade de não sofrer golos. Os golos que deram ao SL Benfica a vitória só surgiram nos descontos e numa altura em que os encarnados, apesar de terem a iniciativa, não eram competitivos. O futebol contraria muitas vezes a razão: depois de uma primeira parte surpreendentemente competitiva do Benfica de Roger Schmidt, a segunda parte foi marcada pela incapacidade em superiorizar-se de forma clara, mesmo contra dez. Surgiram os golos nos descontos porque o futebol nem sempre tem de seguir um guião.

Roger Schmidt surpreendeu e deu um passo atrás. À beira do abismo muitas vezes é preciso dar um passo em frente, mas Roger Schmidt preferiu encontrar soluções no passado. Manteve o onze base dos últimos jogos, mas deixou de lado o sistema com três centrais que era expectável, até pela facilidade em espelhar o desenho do Sporting em campo.

O Benfica entrou com Morato a fazer de lateral esquerdo, com Aursnes à direita e no 4-2-3-1 que permitiu às águias serem campeãs nacionais na última temporada. No entanto, a mudança mais importante esteve nem esteve relacionada com o sistema, mas sim com os jogadores. João Neves depois do delírio coletivo (ou individual) que viveu a fazer todo o corredor direito regressou ao meio. Não só defensivamente o Benfica ganha outra capacidade de preenchimento do campo e combatividade, como João Neves oferece mais soluções na construção.

O Benfica continua a apresentar problemas com bola. Há poucas soluções para uma saída mais curta, o principal construtor da última temporada vive longe a brilhar na Bundesliga e há dificuldades em avançar no terreno de forma sustentada e coletiva. João Mário e Ángel Di María estiveram apagados e não permitiram ao Benfica crescer por dentro. Neste contexto, a influência de João Neves aumenta. O jovem português tem um raio de ação alargado em campo. Baixa em campo ou lateraliza, vê o jogo de frente e deixa adversários para trás no drible ou no passe. Ter João Neves longe do meio-campo é, cada vez mais, uma decisão difícil de explicar.

Rafa por dentro também oferece mais valias ao jogo encarnado. Não está no melhor período de forma – longe disso – mas dentro da sua intermitência é a melhor solução para o Benfica acelerar. Roda sobre os adversários e rompe em condução. Nem sempre bem, nem sempre com uma decisão ao nível da agilidade, mas sempre como uma opção importante para o Benfica de Roger Schmidt.

Do outro lado, nenhuma surpresa. O modelo de jogo 100% consolidado do Sporting de Rúben Amorim torna os leões a equipa mais consistente neste momento em Portugal. Os jogadores estão enquadrados, há opções para procurar algumas variantes consoante o contexto e uma identidade muito vincada.

Os leões assumiram de forma natural o jogo. Com uma construção em 3+2 com os centrais e os médios a falar a mesma língua, o Sporting foi quem conseguiu dominar a primeira parte em termos de controlo do jogo. Não é novidade, mas continua a ser elogiável a capacidade dos centrais exteriores (Gonçalo Inácio à esquerda, Ousmane Diomande à direita) oferecerem soluções ao nível do passe e da condução.

Depois, é um jogo de atrações. O Sporting quer atrair a pressão adversária para abrir crateras nas costas dos médios (neste caso do Benfica). Convida os jogadores do Benfica a pressionar alto e procura acionar os extremos ou o avançado. Há momentos em que se pode pensar que o Sporting procura um jogo mais direto ou constantes contra-ataques, mas trata-se na realidade de uma saída sustentada com o objetivo de atrair para encontrar espaços para acelerar.

Marcus Edwards e Pedro Gonçalves nas costas dos médios ou dos laterais procuraram encontrar espaço para receber a bola soltos de marcação e conseguiram criar vantagens. Quer procurando um posicionamento mais interior nas costas dos médios, quer procurando receber por fora aproveitando as subidas dos laterais do Benfica, os dois leões criaram superioridade por várias vezes.

A estes junta-se Viktor Gyokeres, um dos melhores jogadores em Portugal. O avançado apresenta uma autossuficiência brutal em condução, rompendo com agressividade e chegando à área, mas é também uma opção mais direta para receber de costas e enquadrar os companheiros de frente.

Marcus Edwards esteve ligado ao jogo. Deixou a irregularidade e a movimentação vagarosa e indiferente longe do Estádio da Luz, lutou pela bola e, com a elegância e a qualidade técnica que lhe é reconhecida superou Morato. A fórmula foi diferente, mas estava encontrada a superioridade que o Sporting ambicionava. Aproveitou a indecisão de Otamendi que nem manteve posição nem saiu para pressionar e soltou Gyokeres que rompeu em profundidade e colocou a bola na baliza das águias. A receita do primeiro golo do Sporting exemplifica os objetivos de Rúben Amorim para o jogo.

Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

A qualidade do jogo adveio da competitividade da pressão do Benfica. Contrariamente ao exibido diante da Real Sociedad, os comandados por Roger Schmidt foram competitivos na pressão, provocando erros e conseguindo recuperar várias bolas em zonas de construção do Sporting.

Com os laterais do Benfica a subir para pressionar o ala do Sporting no lado da saída, os centrais e o lateral do lado oposto a dividir o espaço entre os extremos do Sporting e Viktor Gyokeres, o Benfica foi capaz de ser competitivo. Nem sempre impediu a ligação do Sporting, mas conseguiu importunar e jogar no meio-campo ofensivo.

A zona de pressão foi dada por Rafa. Pressionar o central exterior era sinal para subir a pressão. Recuar para impedir a linha de passe para Hjulmand dizia aos colegas para baixar linhas e defender ligeiramente mais atrás, dando maior liberdade aos centrais do Sporting para avançar no terreno, mas cortando-lhes linhas de passe.

A interessante batalha tática em todo o campo neste jogo de xadrez terminou no início da segunda parte. A expulsão de Gonçalo Inácio obrigou o Sporting a jogar com menos um durante longos minutos e o jogo mudou de figura. Os leões mostraram – com exceção dos minutos finais – argumentos a defender mais atrás e com menos um sem ignorar a tentativa de agredir o rival e o Benfica de Schmidt voltou a dar uma mostra de incapacidade coletiva.

Sporting Benfica Roger Schmidt
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Durante o jogo o Benfica foi sempre mais competente na pressão que na construção. Obrigado a assumir a iniciativa, os encarnados foram muito menos competitivos. As entradas de Arthur Cabral e de Casper Tengstedt e a constante permanência de Nicolás Otamendi na área contrária foram a receita escolhida por Roger Schmidt para agredir o Sporting. Bola no corredor direito, cruzamento para a área e esperar pelo melhor.

A permanência de Morato aberto à esquerda durante tanto tempo surpreendeu. O Benfica concentrou o volume ofensivo à direita tornando-se mais previsível e facilitando a tarefa ao Sporting que poucas vezes viu-se obrigado a bascular de forma constante. Mais do que um problema de Morato – que fez um ótimo jogo e foi muito importante do ponto de vista defensivo, vencendo duelos e permitindo ao Benfica jogar mais tempo no meio-campo contrário – foi uma limitação coletiva das águias que só foi resolvida com a entrada em campo de Gonçalo Guedes. Foi visível a melhoria do Benfica com a entrada do português que, de fora para dentro, foi a principal ameaça dos encarnados nos derradeiros minutos.

Com menos um, o Sporting organizou-se em 5-3-1. Marcus Edwards foi sacrificado para a entrada de Jeremiah St. Juste na única decisão mais contestável a Rúben Amorim. O neerlandês mostrou-se inseguro como central pela esquerda especialmente na colocação dos apoios. Falhou no controlo da profundidade por esta questão nos primeiros minutos em campo e nunca foi o mais estável dos leões.

Tirando esta questão, o Sporting esteve competitivo. Nunca perdeu a vontade de ameaçar o Benfica, especialmente através de Gyokeres na frente e procurou sempre ter um jogador com atributos mais criativos e com chegada ao último terço como interior (Pedro Gonçalves primeiro, Trincão depois). Morten Hjulmand ofuscou Morita – regressará um bocadinho à sombra, mas o nipónico continua a ser um constante tratado de carinho para com a bola – o que é o melhor elogio a fazer ao dinamarquês.

Defender num bloco mais baixo e proteger a área de forma segura foi a chave da resistência do Sporting. Coates esteve imperial, vencendo duelos e limpando bolas da área. Ofensivamente a amostra é curta, mas durante grande parte do segundo tempo os leões foram capazes de partir o jogo, impedindo o Benfica de Schmidt de se transformar num rolo compressor.

Sporting Benfica Roger Schmidt
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Não tornar o golo inevitável foi o principal mérito do Sporting no segundo tempo. Aos 90 minutos, o resultado parecia estar fechado e, depois de uma primeira parte muito interessante, o Benfica havia regressado aos problemas já identificados. Mas o futebol mostrou mais uma vez que é imprevisível e que estão ainda tantas e tantas histórias por contar.

Os esquemas táticos já marcavam uma tendência de superioridade do Benfica ao longo do jogo. Ao contrário do Sporting que, também com algum sucesso, procurava o coração da área para um ataque direto à bola, o Benfica procurava um ataque a dois tempos. Bola no primeiro poste a procurar um desvio para a área, essencialmente na zona do segundo poste. Morato acabou por colocar antes a bola na marca do penálti onde, indescritivelmente apareceu João Neves sozinho. O médio que nesta fase do jogo até estava mais posicional (para permitir a Otamendi jogar antes na outra área) voltou a marcar ao Sporting nos descontos e a vestir a capa de super-herói. Viu mais um grande jogo recompensado com um golo.

Di María apareceu finalmente no último suspiro para atrair Nuno Santos ao corredor central e abrir espaço para a chegada de Aursnes na direita. O problema no Benfica neste corredor não esteve só na frequência com que era usado, como na forma demasiado previsível como a bola era tratada. Sem movimentos de rutura, sem grandes invenções no drible, sem procurar tirar jogadores do Sporting do sítio. Mudou quando Di María levou Nuno Santos consigo ao corredor central e permitiu a Aursnes ter espaço para pensar na ação. Em vez de despachar a bola, percebeu que com a saída de St. Juste (para procurar incomodar o norueguês) foi criado um espaço no primeiro poste. Cruzou rasteiro e três jogadores do Benfica apareceram para finalizar. Acabou por ser Casper Tengstedt o herói improvável a dar três pontos aos encarnados e um sorriso a Roger Schmidt.

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O Diogo é licenciado em Ciências da Comunicação, está a terminar o mestrado em Jornalismo e tem o coração doutorado pelo futebol. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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