«Não sei por que é que não fiquei no Moreirense, vi notícias sobre a minha saída e esperei» – Entrevista BnR a Paulo Alves

    entrevistas bnr bola na rede cabecalho

    Paulo Alves é um dos treinadores mais experientes do futebol português, que recentemente garantiu o seu segundo título enquanto treinador. Depois de ter sido campeão da Segunda Liga com o Gil Vicente, foi campeão com o Moreirense em 202/23. Agora, depois de uma experiência que não correu como esperado em Espanha, está à procura de voltar ao ativo. Entre histórias e contextos adversos, Paulo Alves abre o jogo ao Bola na Rede.

    «Lugo? Continuo à espera de que alguém me explique a minha saída».

    Paulo Alves, treinador de futebol

    Bola na Rede: Paulo Alves, antes de mais, muito obrigado pelo tempo para a entrevista. Vamos começar pelo mais atual e mais óbvio: como é que tem estado a procura para encontrar novo clube? Será ainda neste mercado?

    Paulo Alves: Bom, acredito que sim, acredito que consiga entrar neste mercado. Têm havido algumas abordagens e algumas situações que, entretanto, por não estarem nos parâmetros que defino com objetivo nesta altura da minha carreira, também já declinei. Já tive algumas abordagens e conversações, mas não conseguimos ainda chegar a uma situação definitiva. Vamos aguardar mais uns dias e ver o que é que estes próximos dias de mercado vão ditar.

    Bola na Rede: Não falando de nomes, mas olhando a projetos. Qual é que seria o projeto que mais te agradaria?

    Paulo Alves: Tenho definido para mim, em função daquilo que foi o meu último trabalho em Portugal, no Moreirense, tenho definido que será uma questão de Primeira Liga, que veria com bons olhos, ou então situações na Segunda Liga em que as equipas tenham a vontade e ambição de querer subir. Mesmo com equipas que, por vezes, não são tão fortes, mas eu tenho essa experiência de subida. Fi-lo com o Gil Vicente, sem muito investimento, em que fomos campeões. Noutras situações, com plantéis com menos dimensão, fizemos bons trabalhos… No Penafiel, no Beira-Mar ou no Varzim. No Varzim não posso dizer que subíamos, mas íamos lutar até ao fim. Tenho essa vontade de continuar a lutar por títulos e são esses os meus parâmetros.

    Bola na Rede: Já vamos falar desses desafios em Portugal, mas vamos primeiro pegar um pouco nos trabalhos no estrangeiro. Sobre esta passagem recente no Lugo, na época que agora acabou: é uma saída estranha, sais depois de uma vitória. Já li que falaste sobre isto, mas vou ter de insistir: consegues agora explicar o que aconteceu para teres saído?

    Paulo Alves: Nada, mantenho a mesma opinião. Não percebi o que é que se passou. Encontrei um contexto de uma equipa que estava esmagada pela pressão de ter de subir. Foi um clube bom, histórico e que esteve vários anos na segunda divisão. Tinham descido e tinha, aparentemente, feito as coisas para subir. Mas eu encontrei uma equipa que, não estando nessas circunstâncias, estava a meio da tabela e não conseguia respirar. Não conseguia desenvolver potencial e tive de dar a volta esse contexto. Não foi fácil porque apanhámos logo o líder, depois o Atlético Madrid para a Taça… As coisas não correram muito bem, mas eu acredita e tenho a certeza de que estávamos a dar a volta à situação. Mas, após dois empates e duas vitórias, trocaram de treinador. Foi uma surpresa para todos, inclusivamente para os adeptos e eu não consigo encontrar nenhuma explicação para isso, até porque as coisas não melhoraram. A mudança não teve efeito em termos de resultados. E eu acreditava que, depois da última vitória, onde fizemos uma festa imensa, toda a gente acredita que, a partir dali, podíamos encontrar outra consistência de resultados de uma forma mais dinâmica. As coisas podiam ter chegado a bom porto, até porque é uma liga competitiva e aberta. Havia muito tempo e muita possibilidade de subir, mas pronto. Costumo dizer que, quando não se controlam as situações, não se pode fazer muito mais.

    Bola na Rede: Pegando na competividade que encontrou por lá, em que medida é que podemos comparar com o futebol português?

    Paulo Alves: É um contexto de terceiro escalão, mas super-competitivo. O campeão deste ano foi o Deportivo da Corunha, que dispensa apresentações, mas há uma série de clubes interessantes: o Barcelona B, a Real Sociedad B, o Osasuna B, o Ponferradina, Gimnástic, o próprio Lugo… Clubes tradicionais em Espanha e que são equipas com muito investimento. É uma liga complicada e é muito difícil jogar, mesmo jogar contra equipas da parte inferior da tabela. É um bocadinho semelhante à Segunda Liga. Algumas equipas sem grande qualidade, mas com uma grande entrega e uma forma de jogar muito difícil. São muito agressivas, há muito jogo direto e é muito complicado. Diria que sete ou oito equipas lutariam de igual para igual com as nossas equipas da Segunda Liga para subir. Por exemplo, na Real Sociedad B, encontrámos jogadores que até disputaram a Champions. Foi uma pena, gostava de ter continuado e de conhecer o futebol espanhol.

    Bola na Rede: Mas não tem arrependimentos com a decisão de ter ido para o Lugo?

    Paulo Alves: Não, nenhum. Foi uma situação que surgiu, fui convidado para uma reunião e passei um dia em Lugo a conhecer as pessoas, as condições e as expectativas. Agradou-me imenso porque estamos a falar de um clube histórico e de uma cidade grande. É um estádio que leva dez mil pessoas e tinha sempre quatro, cinco ou seis mil pessoas. Todos nós conhecemos o futebol espanhol e tudo isso seduziu-me muito. O desafio de poder trazer o Lugo à Segunda Liga era enorme e não me arrependo em circunstância em alguma. Mas continuo à espera de que alguém me explique a minha saída. Não percebi ainda e também não vale a pena perceber agora… Mas só me preocupo com o que posso controlar.

    Bola na Rede: Falando aqui dos três desafios que tiveste como treinador no estrangeiro. Além do Lugo, treinaste o Ohod Club [Arábia Saudita] em 2018/19 e o Nassaji Mazandaran [Irão] em 2015/16. Qual é que sentes que mais enriqueceu o teu trabalho como treinador?

    Paulo Alves: Diria que foi este, em Espanha, porque foi algo que eu encontrei como mais familiar. No Irão tive uma situação completamente surreal em que o presidente, pura e simplesmente, estava à espera que a Câmara da cidade lhe desse uns terrenos para um estádio novo. E como não lhe deram o que queria, fechou a loja e não pagou a mais ninguém. Viemos todos embora, mas as coisas estavam a correr bem. Houve muita desorganização e não foi uma experiência onde pude retirar muitas coisas. No Lugo foi encontrar um desafio de um clube que desceu e que estava numa situação difícil. Foi um bocadinho como apanhei no Penafiel: uma equipa que tenha descido, que estava nos lugares de descida e tentámos limpar a cabeça dos jogadores. Já no Moreirense foi também assim: encontrei um clube com jogadores completamente despedaçados em termos mentais e a maior deles não queria ficar, queriam ir embora.

    «A uma semana da primeira jornada tinha apenas onze jogadores de campo disponíveis no Moreirense»

    Paulo Alves, treinador de Futebol

    Bola na Rede: Paulo, pegando precisamente no Moreirense. E esta talvez seja uma questão mais estranha para quem acompanha futebol e acompanhou a época do clube na subida à Primeira Liga. O que levou à sua saída, depois de ser campeão da Segunda Liga com alguma tranquilidade?

    Paulo Alves: Não, não houve nenhum motivo. Não sei por que é que não continuei. Mas nós percebemos que o Moreirense é um clube muito especial nesse aspeto. Os treinadores não ficam muito tempo e não há estabilidade. Na altura, a mim nunca me foi transmitido nada, fui vendo as notícias e esperei até final. Vi as notícias que davam conta da minha saída e esperei…

    Bola na Rede: Mas durante a época ou no fim, nunca houve qualquer contacto ou indicação de saída?

    Paulo Alves: Não, nunca houve. A época foi extraordinária, foi fantástica. Nem que sim, nem que sopas, mas também não foi com isso que me preocupei. A minha preocupação foi ter a equipa motivada para ganhar. E não foi nada fácil, ao contrário do que se possa pensar. Já disse isto e as pessoas não acreditam muito: se lhe disser que uma semana antes da primeira jornada, treinámos contra o Vitória SC B, e eu tinha 11 jogadores de campo, mais um guarda-redes. Depois tinha três juniores que treinaram nesse dia, mas nem sequer podiam ser inscritos para jogar. Portanto, a oito dias da primeira jornada, tinha onze jogadores disponível. E não estamos a falar de lesões, nem nada. Não tínhamos outros jogadores. Porque a pré-época foi feita sempre com 13 ou 14 jogadores, depois foram saindo alguns. O Ibrahima [Camará] foi para o Boavista, o Derik Lacerda foi para o Ponferradina, o Artur Jorge também fez a pré-época e depois foi para os Emirados Árabes Unidos [Al Bataeh]. E eu pensei: “Bem, isto vai ser um terramoto aqui“…

    Bola na Rede: Mas o contexto que te indicaram quando te contrataram foi para subir de divisão?

    Paulo Alves: Sim, sim. Foi subida, mas ponham-se no lugar do treinador: a uma semana do início da época, tinha onze jogadores. A equipa que estava a idealizar para a primeira jornada, na altura contra o Vilafranquense, hoje AVS SAD, era a colocar médios a extremos, trincos a centrais. “Que Deus nos ajude”. O que aconteceu foi que na quarta, quinta e sexta-feira chegaram os jogadores. Alguns estavam já prontos, como o caso do Hugo [Gomes], do [Kobamelo] Kodisang… Foram titulares com dois dias de Moreirense. O que quero dizer é que foi um trabalho em que a pré-época não teve efeito na época do Moreirense. Os jogadores chegaram todos em cima do joelho, em cima do primeiro jogo. Até o ganhámos, mas não jogámos praticamente nada porque era impossível. Ganhámos 1-0 e a partir daí começámos a montar a equipa e dar-lhe rotinas e mecanismos. Depois, a época foi o que foi. As pessoas pensam que foi fácil, mas quando eu explico isto, pensam de outra forma. Aliás, nem gosto de falar disto, mas até o Rui Borges reconheceu isso e é algo que obviamente lhe reconheço esse mérito. O treinador foi ele durante a época, com a sua liderança, mas reconheceu que o sucesso que o Moreirense teve durante esta última época se devia muito ao trabalho do ano da Segunda Liga. A verdade é que o Moreirense mudou só os centrais, mas eram jogadores que não precisavam que lhes ensinasse grande coisa: era o Marcelo e o Maracás. O resto manteve a equipa e os jogadores. Fiquei muito feliz que o Moreirense tenha, dentro desses pressupostos, feito a época que fez. Agradeço-lhe a simpatia. Nós eliminámos o Benfica da Taça da Liga, nessa época fomos melhores do que o Braga na Taça de Portugal, mas não ganhámos e havia sinais bons de que a equipa estava bem trabalhada.

    Bola na Rede: Pegando no que acabaste de dizer, quais é que consideras que foram as principais qualidades e mais-valias que sentes que deixaste no Moreirense?

    Paulo Alves: Bom, fui acompanhando o Moreirense, como todas as equipas. Vi o Moreirense a jogar com os mesmos jogadores e com as mesmas dinâmicas. Foi uma equipa bem organizada e com capacidade para ter bola, para mudar de flanco e forte nas transições. Sobretudo, deixámos uma equipa muito disciplinada e muito focada naquilo que são os compromissos e o coletivo. Essa foi sempre a minha mensagem e a minha forma de ser e de estar.

    Bola na Rede: Paulo, dá mais gozo este processo de trabalho de lutar para subir ou um trabalho de Primeira Liga, mas ter uma luta difícil pela manutenção?

    Paulo Alves: Acredito que é mais difícil o trabalho na Segunda Liga. Na Primeira Liga temos mais qualidade, os clubes têm mais condições e os jogadores têm mais qualidade. Mesmo o futebol é mais técnico, não é tão físico. É mais fácil treinar na Primeira Liga. A Segunda Liga é complicada pela competitividade, pela dificuldade de ganhar jogos em campos complicadíssimos e pelas equipas, claro. Podem não ter qualidade em termos técnicos, mas fazem das tripas coração e lutam pela bola até cair para o lado. Pressionam muito, vão a todas… E isso torna muito difícil o trabalho do treinador porque não sabe com o que contar em termos de jogos. Na Primeira Liga isso é mais estável.

    Bola na Rede: Paulo, tens subidas pelo Moreirense [época passada] e pelo Gil Vicente [2010/11], no último jogo. Qual é que se revelou mais difícil de concretizar tendo em conta todo o contexto?

    Paulo Alves: Terá de ser sempre a do Gil Vicente que foi no último segundo (risos). Estávamos três equipas, não havia playoff, só subiam duas e estávamos com o Feirense e o Trofense. Três equipas para dois lugares. Na última jornada, tudo podia acontecer. O Gil Vicente podia ser campeão, como felizmente fomos, como nem subir sequer. O último segundo é… (risos). As pessoas já não se lembram, mas nós jogávamos com o Fátima, já despromovido, e só tínhamos de ganhar para subir. Mas, para sermos campeões, dependíamos do Feirense, que acabou por empatar em casa com o Leixões. Se ganhasse, eles é que eram campeões. Nós só tínhamos de ganhar. Tínhamos o estádio completamente cheio, um dia incrível em Barcelos. Penso que terá sido a maior enchente, até hoje. Estivemos a ganhar 2-0, não conseguimos marcar mais e a meio da segunda-parte já pedíamos a Deus que o jogo acabasse. É muito difícil manter a estabilidade emocional nesses jogos.

    Paulo Alves Gil Vicente
    Fonte: MDA Now

    Bola na Rede: O treinador perde o seu papel de treinador e passa quase a um motivador, não é?

    Paulo Alves: Sim, ali sim. Imagina: estádio cheio, tudo à espera que acabe para fazer a festa. O Gil vinha do caso “Mateus” e aquilo era quase um grito de revolta para toda a gente. Começou tudo a entrar em desespero quando faltava meia-hora e a equipa nem conseguia ter bola, não conseguia ter nada. Os sinais de preocupação foram subindo até sofrermos um golo. A equipa não reagia e aquilo foi complicado. Mas lá fomos aguentando e nunca mais me esqueço: o árbitro era o Pedro Proença, que simpaticamente nesse dia até me ofereceu a sua camisola de jogo, dá quatro minutos de compensação e nós tínhamos um livre perigoso contra nós. Eu lembro-me de me sentar para trás e disse “Já não controlamos nada, seja o que Deus quiser“. Curiosamente, o guarda-redes vai à nossa área, nem percebi porquê porque eles já estavam despromovidos, e eles deixaram tudo desprotegidos. Alguém tirou a bola e o nosso avançado, o Hugo Vieira, ganhou a bola e levou-a para a baliza. Nem queria saber se fez golo, e ele até fez, mas já ninguém ligou. Hoje em dia, ainda há gente que tem dúvidas se ganhámos 2-1 ou 3-1.

    «Beira-Mar foi o melhor trabalho que fiz até hoje».

    Paulo Alves, treinador de Futebol

    Bola na Rede: E o contexto inicial, era como no Moreirense? Ou seja, era o de lutar pela subida, correto?

    Paulo Alves: Sim, mas ninguém esperava. Fui buscar alguns brasileiros ao Brasil, fui vê-los lá e trouxe-os para cá. Alguns jogadores já tinham passado pelo Gil como o Luís Manuel ou o João Vilela. Mas eu já os conhecia e tinham caráter para fazer mais qualquer coisa. Tínhamos experientes como o Cláudio ou o André Cunha. Fizemos uma equipa boa, mas era limitado em termos de orçamento. O presidente António Fiúsa, na altura, dava-me um plafom: “Paulo, tens aqui x e contrata em função disso, mas temos de subir“, disse-me ele. E eu “Opa, presidente, isso é quase impossível“. Porque sabia que o que era o mercado e até tentámos outros jogadores, mas não podíamos lá chegar. Fizemos da motivação de alguns jogadores o nosso sucesso. Fizemos uma equipa muito competitiva e depois na Primeira Liga voltámos a ser competitivos. Até fomos a uma final da Taça da Liga, eliminámos o Braga e o Sporting e perdemos com o Benfica. Ainda me dói e sinto que até podíamos ter ganho. E era uma daquelas equipas fantásticas que o Jorge Jesus teve com o Gaitán, do Witsel, do Óscar Cardozo…

    Paulo Alves
    Fonte: MDA Now

    Bola na Rede: Foram, no fundo, os teus dois grandes trabalhos como treinador…

    Paulo Alves: Sim, são os mais vistosos e que têm o caneco lá no fim. Mas sinto muito orgulho com a minha época no Varzim [2019/20]. Tivemos muitas dificuldades, mas se não há a pandemia… Não sei onde é que podíamos chegar. Não digo que pudéssemos subir, mas estávamos numa forma extraordinária. Na altura, o presidente disse-me: “Mister, vou contratá-lo, mas não temos dinheiro. Vamos ter um orçamento baixo“. Eu não vou dizer o valor, mas era muito baixo. Aconselhei o Christophe Nduwarugira, o George Ofosu, o Tiago Cerveira e fizemos uma equipa fantástica. Não sei se te lembras do Pedro Ferreira… Foi-me proposto como jogador do Sporting e está é uma história fantástica. Posso contar muito rapidamente?

    Bola na Rede: Força.

    Paulo Alves: Tinha visto um jogo, mas não o conhecia muito bem. Tinham-nos apresentado o jogador porque metemos uma notícia a circular de que procurávamos um médio-defensivo e alguém apresentou-nos o Pedro Ferreira. Na altura, até disse ao empresário: “Diz-me uma coisa, ele tem 20 anos, o Sporting tem sub-23 e equipa B, e não tem lugar para ele nessas duas equipas? E tu queres mandá-lo para aqui?“. E ele disse-nos que são situações normais de um jogador que não estava muito bem. Fui tirar informações dele e o que me disseram foi que ele era um excelente jogador, mas que, por vezes, desconcentrava-se um pouco durante os jogos. E eu: “Bem, isso vai ser complicado para mim porque é das coisas de que menos gosto“. Mas como não tínhamos um médio e era uma situação muito vantajosa em termos salariais, eu disse: “Ok, vamos buscar o Pedro, vamos arriscar”. Quando o Pedro Ferreira chegou, olhei para ele, falei com ele e perguntei-lhe: “Pedro, vens para um contexto bom, uma equipa boa e com boas pessoas“. E deixei-o treinar sem dizer nada. Mas comecei a ver que, de facto, era bom jogador, mas que lhe faltava ali qualquer coisa. Faltava ali concentração e acabei por chamá-lo: “Pedro, tirei algumas informações e já percebi que te falta isto e aquilo. Falta-te consistência“. E ele disse-me uma coisa que nunca mais esqueci: “Mister, já me disseram isso, de facto“. E eu: “Mas já te disseram isso e tu não mudas?“. “Mister, eu tento e tal“. E eu: “Pá, não vais tentar, vou ser eu que faço isso. É assim: se eu te vir desconcentrado ou a adormecer no campo, vou gritar contigo à frente dos teus colegas e vou, entre aspas, desancar. Mas tens de aceitar isso porque eu não sou um treinador de gritos“. E ele: “Pode fazer isso à vontade“. Acredita, Mário, eu não sei se gritei muito, ou pouco, com ele. Só sei que se ele adormecia, eu chamava à atenção e partir dali… Que jogador, que coisa incrível! Foi o melhor jogador da Segunda Liga naquela época. Tanto que o campeonato parou com o COVID e ele já nem sequer ficou no Varzim. Foi vendido para o Aalborg da Dinamarca e o Varzim fez um bom encaixe. Ele agora veio para o Santa Clara, mas é um jogador que me encheu as medidas, mas ninguém o queria no início da época. Tinha estado no Mafra, não o queriam. Estava ali no Sporting, não o queriam também. Foi um ano marcante. Esse com o Varzim e o do Beira-Mar também, que ainda não falei…

    Bola na Rede: Podemos falar agora… Em 2014/15, na Primeira Liga, com algumas dificuldades financeiras, correto?

    Paulo Alves: Sim. Diria que foi o melhor trabalho que fiz até hoje. Mas não tem reconhecimento porque ninguém percebeu o contexto. Estamos a falar de um clube fantástico, mas estava em dificuldades. Foi o último ano nos profissionais e não tivemos salários, nunca. Lembro-me que a nossa única vitamina era ganharmos jogos. Andava sempre atrás dos diretores para arranjar comida para os jogadores. Chegámos a esse ponto. Tivemos uma conversa e eu disse-lhes: “Ou vamos todos embora, porque é legítimo porque vocês não tem salários. Ou eu venho cá também todos os dias. Não vai haver dinheiro, vocês sabem. Ou continuamos até ao fim. Vocês decidem, ninguém vos vai criticar“. Lá estiveram a decidir, duas horas no balneário. Depois o capitão veio dizer-me que iam jogar até ao fim para lutarmos. E eu lá fui ao balneário e disse-lhe: “Agora, é exigência máxima, vamos fazer tudo direitinho”. E fizemos coisas extraordinárias. Não houve canecos e taças, mas foi um orgulho enorme. E praticamente todos eles foram para situações melhores: o Fábio Santos e o Assis foram para Chaves, o Alan Henrique assinou por dois anos com o Nacional, o Leandro Chaparro assinou quatro anos com o Estoril, o Wilson Manafá foi para Varzim, Portimonense, FC Porto… O Paulinho vai também para Portimonense e depois FC Porto. Ou seja, ter conseguido valorizar todos eles, mas, para mim, fica um orgulho muito grande.

    Bola na Rede: Estamos a chegar ao fim. E agora vamos olhar em frente: o grande objetivo que ainda tem como treinador?

    Paulo Alves: Tenho todos os objetivos e mais alguns. Sinto que tenho experiência e capacidade para chegar ao máximo, ao topo. Não tenho problemas com isso. Sei que tenho de fazer as coisas de forma consistente. Treinar é uma extensão da nossa personalidade. Quero voltar ao ativo e tenho a certeza de que, estando num contexto que me desafie, posso chegar a qualquer lado.

    Bola na Rede: Muito obrigado pela entrevista, Paulo.

    Paulo Alves: Obrigado eu, sempre às ordens.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    PUB

    spot_img

    Artigos Populares

    Chelsea oficializa contratação de Estevão para o mercado de 2025/26

    O Chelsea confirmou a contratação de Estevão. O jovem...

    Geórgia e Chéquia empatam no Euro 2024

    A Geórgia e a Chéquia empataram a um golo...

    Diana Gomes renova com o Sevilha até 2025

    O Sevilha confirmou a renovação do contrato com Diana...

    Eis os onzes oficiais de Portugal e da Turquia para o Euro 2024

    Já há onzes oficiais para o jogo entre Portugal...

    Gil Vicente anuncia calendário da pré-temporada 2024/25

    O Gil Vicente anunciou o calendário de pré-temporada para...
    Mário Cagica Oliveira
    Mário Cagica Oliveirahttp://www.bolanarede.pt
    O Mário é o fundador do Bola na Rede e comentador de Desporto. Já pensou em ser treinador de futebol por causa de José Mourinho, mas, infelizmente, a coisa não avançou e preferiu dedicar-se a outras área dentro do mundo desportivo.