Olhos que não veem, coração que não Sintra | Da temporada histórica do Pêro Pinheiro e do 1.º Dezembro à dura sobrevivência do Algueirão

    O que une dois clubes na terceira divisão distrital de Lisboa a dois clubes que acabaram de chegar ao sonho da Liga 3? Pouco à primeira vista. Em Sintra, o futebol tem por estes dias múltiplos contornos, mas a sua essência mantém-se. Mas qual será afinal a importância do desporto para a Câmara Municipal de Sintra? Quais os desafios do Algueirão e do Amavita, já no concelho vizinho? Quais os apoios que Pêro Pinheiro e 1.º Dezembro recebem na Liga 3 e porque é que não podem jogar em casa?

    Nota prévia: Se preferires, podes ouvir a reportagem em formato áudio numa minissérie de três episódios. Podes escutar o episódio 1 AQUI, o 2 AQUI e o 3 AQUI.

    O apito inicial da temporada desportiva 2023/24 foi vivido de forma diferente em Sintra. Depois do Real Massamá ser o representante do concelho na Liga 3 desde a sua criação na temporada 2021/22, as subidas de divisão do 1.º Dezembro e do Pêro Pinheiro permitiram ao concelho localizado na área metropolitana de Lisboa manter a representação na competição e ter, pela primeira vez desde a criação da competição, duas equipas a participar numa divisão profissional do futebol em Portugal.

    Com a temporada a meio, as duas equipas de Sintra ocupam os últimos lugares da série B da Liga 3. À 15ª jornada da primeira fase da Liga 3, os problemas de Pêro Pinheiro, nono colocado com apenas 13 pontos, e do 1.º Dezembro, décimo e último colocado da primeira fase da competição com nove pontos, estão à vista de todos e retratados pela décalage entre as exigências do Campeonato de Portugal e da Liga 3.

    Das 10 equipas na Série B da Liga 3 nesta temporada desportiva, apenas o 1.º Dezembro e o Pêro Pinheiro não jogam no seu estádio. Seis disputam a competição no estádio próprio do clube e a Académica OAF e o FC Oliveira do Hospital em estádios municipais detidos pelas câmaras municipais de Coimbra e Tábua, respetivamente. No último caso, os jogos na condição de visitado do Oliveira do Hospital são disputados nas instalações municipais do concelho vizinho enquanto não findam as obras no Estádio Municipal de Oliveira do Hospital.

    As exigências da Liga 3 obrigaram 1.º Dezembro e Pêro Pinheiro a procurar uma nova casa. O Campo Conde de Sucena e o Parque de Jogos Pardal Pinheiro não cumprem os requisitos da Liga 3, competição muito mais exigente nos regulamentos do que o Campeonato de Portugal. Para além de todas as condições de segurança, iluminação e acomodação da imprensa, o regulamento da Liga 3 informa que «os jogos são obrigatoriamente disputados num terreno de jogo relvado natural» e que «os clubes que não disponham de um terreno de jogo próprio, com as condições indicadas nos números anteriores, devem indicar à FPF [Federação Portuguesa de Futebol] qual o estádio que vão utilizar para o efeito».

    Com relvados sintéticos em casa e sem infraestruturas municipais capazes de suportar estas exigências, o Pero Pinheiro fez um acordo com o SU Sintrense, clube do concelho, e o 1.º Dezembro colocou a casa às costas para jogar no Estádio Municipal de Ponte de Sor, entretanto substituído pelo Estádio do Bonfim, casa emprestada pelo Vitória FC, no distrito de Setúbal.

    «Provavelmente vou ser muito polémico, mas a presença dos dois clubes na Liga 3 a nós diz-nos muito pouco»

    «Provavelmente vou ser muito polémico, mas a presença dos dois clubes na Liga 3 a nós diz-nos muito pouco. A nós preocupa-nos muito mais o desporto de formação e o serviço às comunidades que não passa pela lógica competitivo-profissionalizante», afirma Bruno Parreira, vice-presidente da Câmara Municipal de Sintra e responsável pelo pelouro do desporto. Segundo o próprio, a realidade é muito mais profunda e a questão do desporto no concelho de Sintra não pode ser analisada de forma superficial.

    Em 2023, o orçamento da Câmara Municipal de Sintra perspetivava 9,8 milhões de euros para desporto e cultura, sensivelmente 3% de um orçamento total ligeiramente superior 315 milhões de euros. Numa tentativa de apuramento dos valores exclusivamente destinados ao desporto, é possível dividir o orçamento da Câmara Municipal de Sintra em duas parcelas: valores gastos em investimento e em toda a atividade.

    Câmara Municipal de SintraInvestimento (€)Atividades e funcionamento (€)
    Desporto1.802.3004.076.100
    Total108.939.500315.241.000
    Percentagem (%)1,7%1,3%
    Orçamento da Câmara Municipal de Sintra destinado ao desporto em 2023

    Importa, no entanto, realçar que este valor não é exato. Se o valor destinado ao investimento se restringe a “Equipamentos Desportivos”, o valor inserido na rubrica “Atividades e funcionamento”, corresponde a Desportos e Tempos Livres. Ainda assim, Bruno Parreira avança que a política da Câmara Municipal de Sintra não se pode reduzir unicamente a estes números. A cedência de equipamentos desportivos que estão nas escolas representa, de acordo com o vice-presidente da CM Sintra uma fatia de um milhão de euros anuais e o salário dos trabalhadores nos equipamentos desportivos camarários é contabilizado pelos Recursos Humanos, ao invés de estar inserido nos valores associados ao Desporto. Ainda assim, Bruno Parreira prefere deixar os números de lado.

    «Pode ser falha minha, mas olho mais às políticas que aos orçamentos. Quero com isto dizer que me preocupa muito mais que tipo de projetos e de prioridades temos a colocar em prática no nosso território do ponto de vista desportivo, do que discutir quantos cêntimos e quantos euros gastamos», aponta Bruno Parreira, que garante que o trabalho feito se foca em quatro eixos: mais modalidades, mais atletas, mais instalações desportivas e maior oferta desportiva.

    Das Praias de Sintra às várias localidades que se desenvolveram ao longo da linha do comboio viviam, de acordo com os Censos 2021, 385 606 pessoas, naquele que é o segundo concelho mais populoso do país, apenas atrás de Lisboa. Em 1960, primeiro registo deste tipo, viviam no mesmo território 79 964 pessoas. Em pouco mais de 60 anos, a população de Sintra multiplicou-se quase cinco vezes, resultando num crescimento que, segundo Bruno Parreira, obriga a pensar o desporto, nomeadamente o futebol, de forma diferente.

    «O município de Sintra respondeu a um desafio demográfico, de habitação que era necessária à data no pós-25 de abril, no processo de descolonização, na demanda das pessoas a partir o interior do país na busca de qualidade de vida nas grandes cidades. O município de Sintra na área metropolitana de Lisboa respondeu e consolidou uma área urbana que não cresceu com a qualidade de espaço público que devia ter para fenómenos como os do desporto, que não ocupou a centralidade no desenvolvimento de políticas», afirma Bruno Parreira.

    Entre anos de crescimento de desenfreado, como ficou o futebol e como é que este sofre atualmente? Entre as 11 freguesias do concelho de Sintra, contam-se 117 clubes e associações desportivas, 23 dos quais com oferta da modalidade do futebol. Com uma realidade tão díspar, quais os desafios de quem procura a profissionalização e de quem sofre com a simples tarefa de inscrever jogadores? Pode um concelho com tantas realidades diferentes apoiar o futebol?

    Uma subida em cima da hora do único clube não profissional na Liga 3: o caso do Pêro Pinheiro

    Pêro Pinheiro Jogadores
    Fonte: CA Pêro Pinheiro

    2022/23 terminou com um forte sabor a desilusão para os sócios e adeptos do Pêro Pinheiro que, nas últimas duas jornadas viram a promoção fugir por um canudo e a resignação de mais uma temporada no Campeonato de Portugal. Não contavam com as situações distintas de Vilafranquense e B SAD que abriram espaço a um convite da FPF: integrar a Liga 3 na época seguinte, como equipa melhor colocada fora da zona de subida direta.

    A fusão da SAD do Vilafranquense com o Desportivo das Aves criou o AVS SAD, atual líder da Segunda Liga Portuguesa, e levou o clube de Vila Franca de Xira a ter de recomeçar do zero, a partir da terceira divisão distrital da Associação de Futebol de Lisboa (AFL), num processo semelhante ao vivido pelo CF Os Belenenses, quando a luta de bastidores levou à criação do B SAD e ao reinício dos azuis do Restelo, entretanto de regresso à Segunda Liga Portuguesa. Foi o B SAD (antigo herdeiro do Belenenses, agora pelas ruas da amargura) e a tentativa frustrada de fusão com o Cova da Piedade SAD, quem abriu uma vaga para o Pêro Pinheiro participar na Liga 3. O clube foi relegado para a segunda – e última divisão – da Associação de Futebol de Setúbal (AFS) e abriu espaço para o clube de Sintra que já se encontrava a preparar mais uma época no Campeonato de Portugal quando recebeu o convite a integrar a Liga 3 e subiu um patamar no futebol português.

    Miguel Santos, coordenador técnico da formação do Pêro Pinheiro e treinador-adjunto da equipa de juniores (sub-19) do clube, já se encontrava no clube quando soube da decisão que, aponta foi «ótima para as gentes da terra» e uma correria contra o tempo para quem já se encontrava a planear a temporada num escalão abaixo e, portanto, muito menos exigente.

    A profissionalização apressada torna o clube de Sintra um dos mais vulneráveis na Liga 3. «Somos a única equipa na Liga 3 que não é profissional, que treina à noite quando todas as outras treinam durante o dia. Somos a única equipa que tem mais de 20% dos jogadores que são amadores, trabalham durante o dia, saem às 18/19 horas e vão treinar às 20:30. Isto na Liga 3 é irrealista, não acontece», vinca Miguel. A criação de uma SAD (Sociedade Anónima Desportiva) ou de uma SDUQ (Sociedade Desportiva por Quotas) que divida a formação do futebol profissional não foi colocada em cima da mesa, embora seja uma questão relevante, à qual será preciso regressar mais tarde. Ainda assim, tornou-se evidente para todos que, nesta temporada o Pêro Pinheiro funciona a dois ritmos diferentes. Para o bem e para o mal.

    «Já tivemos situações de conflito», lamenta Miguel. A necessidade de uma profissionalização diferente nos seniores levou a uma divisão não oficial, mas oficiosa nos clubes. A sala técnica de reuniões e de trabalho era conjunta entre a formação e os seniores, mas mal a equipa técnica que assumiu o clube no início da temporada chegou, não quis misturas e a formação teve de procurar uma nova sala. A equipa técnica já mudou por três vezes e, depois de Hélder Ferreira, de Sandro Mendes e de Ricardo Estrelado, Bruno Álvares é o quarto técnico da equipa principal do Pêro Pinheiro. Mudanças insuficientes para reaproximar a formação dos seniores.

    «Antes se os seniores ganhavam eram um orgulho para a formação, agora é quase indiferente»

    «Isto não é bom porque faz com que a formação se sinta deixada de parte, que não vá assistir aos jogos dos seniores, que não se sinta parte integrante dos seniores. A parte anímica já está muito atenuada. Antes se os seniores ganhavam eram um orgulho para a formação, agora é quase indiferente», lamenta Miguel Santos. A nova realidade de dois clubes coincidirem no mesmo emblema traduz-se em aspetos simples do dia-a-dia do clube e influencia a perceção geral das gentes que semanalmente pisam as bancadas à procura das alegrias do Pêro Pinheiro.

    Miguel Santos integra a equipa técnica do conjunto de juniores, escalão que antecede a transição para os seniores que agora jogam na Liga 3. Os horários e condições de treino foram alterados para permitir priorizar os seniores, mas, mesmo assim, são inevitáveis choques entre as duas realidades.

    «Houve uma vez que os seniores não informaram a formação que iam treinar à segunda-feira a uma hora em que os juniores treinam. Chegámos ao clube e o campo estava “reservado”. Os seniores não colocaram no planeamento, mas são a prioridade, então nós tivemos que arranjar um campo à pressa para treinar. Um dos clubes com quem estamos a trabalhar nesta época, o Montelavar [CF Os Montelavarenses], cedeu o campo esse dia, mas foi tudo feito sem preparação e impactou o nosso treino», conta o técnico que, ainda assim, garante que tais percalços são também consequência do aumento do nível de exigência e de profissionalismo do clube.

    A subida de divisão levou o clube a procurar uma subida de patamar a todos os níveis. Já nenhum escalão de futebol de 11 treina com apenas meio-campo ou um quarto do campo disponível. Os juniores, por exemplo, treinam à segunda-feira à noite em casa, no campo do Pêro Pinheiro aproveitando a folga dos seniores, à terça-feira fazem-no no campo do SRD Negrais, novo parceiro na aventura, e à quinta-feira voltam a casa, mas num horário mais cedo, para permitir a ocupação a 100% do campo pelos seniores a partir das 20:30.

    Todos os departamentos passaram a funcionar a 100% e já não há casos de lanches que não estão previamente organizados ou em que o treinador tem de abrir o clube. Essa função passa agora para um dos diretores ou dos coordenadores, para garantir que está sempre tudo em ordem. Todos os atletas e treinadores têm também o seu cesto individual com o respetivo equipamento de treino, facilitando e agilizando todos os processos. Mas o paradigma mudou mesmo foi na região.

    «Os três clubes não se falavam e este ano através da coordenação conseguimos unir os três»

    «O Pêro Pinheiro sempre teve rivalidade com o Negrais e com o Montelavar. Os três clubes não se falavam e este ano através da coordenação conseguimos unir os três. Quem conduz a carrinha do Pêro Pinheiro é um dos diretores do Negrais, o Montelavar cede-nos o campo à segunda e o Negrais cede-nos o campo às terças. No meio da tempestade veio alguma bonança», orgulha-se Miguel Santos e a população da União das Freguesias de Almargem do Bispo, Montelavar e Pêro Pinheiro. Ter uma equipa da terra a competir num escalão profissional superou rivalidades antigas, permitiu reuniões e é, para as gentes da terra, um orgulho que prevalece sobre todas as dificuldades que prevalecem.

    É em Sintra que o Pêro Pinheiro joga em casa. A casa do SU Sintrense passou a ser, aos fins-de-semana, a casa do emblema do concelho. «Queremos deixar um agradecimento ao Sintrense pela amabilidade na cedência, do seu estádio, promovendo assim a boa vizinhança entre clubes de futebol nem sempre fácil», pode ler-se num comunicado publicado pelo Pêro Pinheiro, que conseguiu aliar-se a mais um clube no concelho em prol do futebol.

    Na próxima temporada, confirma Miguel Santos, caso o clube consiga a tão desejada – mas também hercúlea – manutenção, continuará a jogar no terreno do Sintrense ou irá utilizar as infraestruturas do AC Malveira. Caso desça, os jogos voltarão a ser todos disputados em Pêro Pinheiro, como até então foi apanágio do clube. Tudo o resto será diferente.

    «A descida de divisão é algo que não nos está na cabeça, mas é o que vai acontecer, provavelmente. A probabilidade de o Pêro Pinheiro descer de divisão é muito alta, mas para nós até é um ponto positivo, porque vamos voltar a ser humildes e a estar no patamar onde devíamos estar. Mas já demos o salto, a formação já ganhou com isto. Nós aumentámos o número de atletas, temos mais de 200 atletas na formação e com critérios de exigência maiores. E agora não vamos voltar atrás», garante Miguel. O futuro só o campo dirá, mas quando a subida de divisão cai do céu – onde só foi possível chegar com muito trabalho . é preciso voar muito para lá continuar.

    160 quilómetros de amarguras: o caso do 1.º Dezembro

    1.º Dezembro Jogadores
    Fonte: SU 1.º Dezembro

    São cerca de 160 quilómetros que separam o Campo Conde de Sucena do Estádio Municipal de Ponte de Sor. Nunca na Liga 3 o 1.º Dezembro jogou em casa e o mais próximo que o fez foi na deslocação ao terreno do Pêro Pinheiro. Ao contrário do “rival da cidade”, na realidade “rival da vila” e companheiro na competição, desde o final do Campeonato de Portugal que o 1.º Dezembro preparou a subida de divisão alcançada exclusivamente dentro de campo, mas também ela algo inesperada.

    «Não era um objetivo do clube subir. Mas com um excelente trabalho da equipa técnica, dos jogadores do staff que acompanha a equipa bem como com toda a sua gestão, a temporada culminou com a subida de divisão», explica Tasslim Sualehe, presidente da SAD do 1.º Dezembro.

    Depois da inesperada felicidade, a sequência dos dias no calendário trouxe novas dificuldades ao 1.º Dezembro com a procura por uma nova casa. Sintrense, AC Malveira, AC Cacém, Atlético CP, Fabril… A lista de clubes e estádios contactados pelo 1.º Dezembro no último verão é muito longa, mas a solução encontrada para fazer face à obrigatoriedade de um relvado natural – obrigatório para disputar a Liga 3 – estava a 160 quilómetros de distância.

    «O antigo treinador tinha uma ligação muito forte com o Elétrico de Sor. Foi treinador e coordenador da formação, tem família lá e deu-nos essa hipótese. Em dois dias conseguimos resolver a situação. Sendo as câmaras municipais instituições de utilidade pública em termos de custo de aluguer foi muito acessível», começa por explicar Tasslim Sualehe, começando por desvendar o porquê do 1.º Dezembro ter iniciado a temporada tão longe de casa.

    «Naquele momento era participar na Liga 3 ou Ponte de Sor»

    «O Elétrico de Ponte de Sor tem um estádio muito bom. Relvado top, duas pessoas impecáveis a tratar da relva e por ser um clube que está nas divisões distritais, treina só três vezes por semana. Tinha todas as condições só que era a 160 quilómetros sem autoestradas, o que era bastante desgastante. Como não tínhamos outra hipótese, naquele momento era participar na Liga 3 ou Ponte de Sor», conclui Tasslim Sualehe.

    Entretanto, o final de novembro trouxe novidades e o 1.º Dezembro chegou a acordo com o Vitória FC para disputar os jogos caseiros no Estádio do Bonfim, situação que se mantém. Agora são “só” 70 quilómetros a separar as duas casas do clube numa mudança que teve um propósito: voltar a aproximar o 1.º Dezembro dos adeptos.

    Depois de duas subidas de divisão consecutivas, podia-se esperar um novo ano de aproximação do clube aos adeptos, acompanhando um trabalho realizado nos últimos anos. No pós-pandemia, o 1.º Dezembro tinha apenas 50 ou 60 adeptos no Conde de Sucena, confidencia José Francisco Gomes, presidente do clube. Retirar o clube das divisões distritais foi o primeiro passo de um processo que culminou em enchentes semanais de 300 ou 400 adeptos novamente ligados ao clube. Com a ida para o Alentejo, todo o trabalho foi interrompido.

    «Os adeptos não ficaram satisfeitos com esta opção. Os adeptos querem é ganhar, querem vir domingo ao estádio, seja no 1.º Dezembro ou numa zona aqui perto, mais confortável. Mesmo financeiramente, entendemos que é difícil viajar 160 quilómetros. Tentámos da melhor forma explicar o porquê de irmos para Ponte de Sor, mas o trabalho que fizemos de identidade, de trazer a nossa formação aos domingos e de agregar os sócios mais afastados do clube para virem ao clube sofreu um corte muito grande. Andar com a casa às costas para Ponte de Sor cria um desgaste muito grande», lamenta José Francisco Gomes.

    Beneficiando da proximidade dos acionistas do 1.º Dezembro com a estrutura do Vitória FC, o 1.º Dezembro fez as malas e alugou um quarto em Setúbal. Não para dormir, mas para jogar futebol. Financeiramente, o clube acabou por sair prejudicando uma vez que o campo municipal em Ponte de Sor, por ser da propriedade do Estado, não acarretava os mesmos custos que o Bonfim. Ainda assim, o presidente do 1.º Dezembro não voltava atrás na mudança: tal situação é melhor para a equipa e para os adeptos.

    «É muito mais perto para eles, vão comer um choquinho a Setúbal e ver o 1.º Dezembro»

    «Pensámos nos nossos adeptos para vir para Setúbal, é algo que devia ficar escrito. É muito mais perto para eles, vão comer um choquinho a Setúbal e ver o 1.º Dezembro», contextualiza José Francisco Gomes.

    Sobre a próxima temporada, o objetivo é claro e não há qualquer margem para dúvidas. «Não estamos a pensar em descer de divisão nem acreditamos que tal seja uma hipótese», garante Tasslim Sualehe, presidente da SAD do 1.º Dezembro. Por mais difícil que seja esta tarefa, o clube de Sintra quer continuar a lutar pela manutenção até à última gota de suor. Mesmo que tal tenha consequências em todo o clube e obrigue a gerir planeamentos com pinças.

    «Só é possível por uma grande engenharia de logística em que todos os que fazem parte. A família 1.º Dezembro tem sido de grande compreensão, desde os pais, aos miúdos, aos próprios treinadores. Não é fácil termos 17 equipas e treinarmos todos no mesmo campo. Aliás, só é fácil pela compreensão de toda a gente. Todos caminhamos no mesmo sentido, desde o treinador dos benjamins ou dos petizes, todos estão identificados daquilo que têm de abdicar. Um treinador quer sempre treinar o máximo tempo possível, treinar com o campo todo e por vezes não é fácil», enquadra José Francisco Gomes. Saber onde e em quem ceder tem sido uma das chaves para a temporada do 1.º Dezembro, com bastante sucesso ao nível da formação que continua a ser vista como a prioridade. Por muitas voltas que sejam dadas, o 1.º Dezembro garante: «É nossa preferência que os seniores joguem fora do que a formação jogue fora».

    A delicada situação do 1.º Dezembro está, ainda assim, mais perto de terminar. No dia 7 de março de 2024 o clube apresentou um plano de remodelação do Complexo Desportivo Conde de Sucena que permita conjugar formação e clube.

    Entre as novidades, os relvados são o principal ponto de interesse com a construção de dois campos de futebol 11 – um deles de relvado natural – e um terceiro de futebol 7. A estas infraestruturas principais, junta-se a residência desportiva com 40 quartos para atrair atletas e a construção de 12 campos de padel além da reformulação do espaço comercial. Mudanças que não serão instantâneas, mas que o 1.º Dezembro espera que ajudem a elevar o patamar do clube.

    Quando os remates que são desviados acabam na casa dos vizinhos: o caso do Algueirão

    Algueirão Jogadores
    Fonte: Recreios Desportivos do Algueirão

    As bolas são novas, alimentando a esperança de Júlio Augusto, treinador da equipa de juniores (sub-19) do Recreios Desportivos do Algueirão. As anteriores, já velhas e vazias, limitavam a criatividade dos jogadores mais imaginativos da equipa, mas o técnico também sabe que vai terminar o ano com menos material do que começou. A redondinha, quando os remates não saem na direção da baliza, encontra a estrada, um descampado sem dono ou a casa dos vizinhos. Já várias se perderam neste vai e vem.

    «Podia haver outro tipo de material, o orçamento é muito reduzido e às vezes falta para o equipamento de treino para os jogadores e para os treinadores. Temos os recursos mínimos, mas dá para fazer um trabalho naquilo que é a vertente social do clube», refere o treinador Júlio Augusto. Ainda não sabe que vai ter de interromper o treino menos vezes em breve.

    «Posso adiantar que nós vamos custear a colocação à volta do campo de uma rede. Já há muito têm essa necessidade porque as bolas que saem do campo, ou vão para os vizinhos ou para a estrada e existe essa preocupação para que haja maior segurança para todos, até porque as redes existentes não estão em condições. Para o próximo ano, em janeiro, nós vamos atribuir uma verba para a colocação dessa rede», adianta Ricardo Nascimento, vogal da Junta de Freguesia de Algueirão-Mem Martins, consciente de um dos vários problemas que abalam o Algueirão.

    Não só as redes do Campo de Jogos Dr. Raul Neves precisam de ser cosidas. Também toda a estrutura do clube impede o seu crescimento. Da terceira divisão nos campeonatos profissionais (Liga 3) à terceira divisão distrital da Associação de Futebol de Lisboa vai uma diferença notória, espelhada pelo Algueirão.

    Além do futebol, o clube tem uma presença cultural muito forte com um rancho folclórico que representa a zona mais saloia do concelho de Sintra e que perdurou no clube até aos dias. Ninguém ligado ao futebol conhece tais pessoas e vice-versa.

    João Moutão já não está ligado à estrutura do futebol a 100%, embora continue a colaborar com o clube. O Mister Moutão, como é carinhosamente apelidado por todos no clube e fora dele, chegou ao Algueirão ainda durante a década de 90 do século passado. Saiu e regressou, se não lhe falha a memória, em 2010, numa altura em que a “Geração Benfica”, as escolinhas do clube da Luz, tomou conta de todas as equipas de futebol de 7.

    O Mister Moutão treinou os juniores do clube numa temporada, na outra treinou os seniores até ser convidado para ser o diretor do clube. Aceitou parcialmente o cargo, tornou-se coordenador do futebol e deixou o treino para se focar nas partes mais burocráticas necessárias à vida de qualquer clube. Com o passar dos anos, ocupou todos os cargos possíveis e imaginários na estrutura, mas também no treino, ocupando as vagas deixadas vazias com a saída de treinadores e que não encontraram substituto rápido. Os buracos não são só nas redes da vedação do clube.

    «O clube vive essencialmente sem separação e futebol precisava, para o seu crescimento, de ter uma autonomia própria. Vejo que seria necessário haver mais gente para a estrutura do futebol que permitisse uma estrutura base. Tem de haver mais diretores para acompanhar a equipa e preocupar-se com tudo o que seja da parte do futebol e depois o mesmo no lado do rancho e outras partes da coletividade», destaca João Moutão, que não viu o problema ser resolvido ao longo dos anos em que esteve no clube.

    Fora desta estrutura base, à qual João Moutão fez parte de forma interrupta e sem cargo fixo, Júlio Augusto confirma tais problemas. «A direção do clube não é muito presente, então o clube são quase dois clubes. A direção peca um bocadinho porque ninguém se conhece, não existe uma sinergia comum para levar o clube avante. Quem perde com isso é, naturalmente, o clube», lamenta Júlio Augusto.

    Com 68 649 habitantes, Algueirão Mem-Martins é a freguesia mais populosa de Portugal. Com tanta população, as diferenças vêem-se em cada esquina e marcam a vida do Algueirão enquanto clube de futebol. Entre os jovens que Júlio Augusto treina todas as semanas e os companheiros de vida de João Moutão, as diferenças exacerbam-se e tornam este clube repleto de particularidades.

    «A minha primeira missão é a missão social, de tirar alguns destes miúdos da rua»

    «A minha primeira missão é a missão social, de tirar alguns destes miúdos da rua. É dar-lhes um propósito e uma atividade que eles gostam e que lhes ocupa algum tempo durante a semana e durante o fim-de-semana», adianta Júlio Augusto. Ninguém gosta de perder e o treinador não é exceção, mas na última divisão do futebol distrital de Lisboa as prioridades são outras.

    «A prioridade é dar-lhes um rumo a curto prazo, porque se não fosse o futebol muitos deles estariam a ter comportamentos desviantes. Nem é só por eles, mas pelos exemplos que lhes são passados em casa e na própria rua, nas zonas de residência. Se não estiveram aqui, muitos deles estão a testemunhar comportamentos de risco e no prazo imediato o futebol permite-lhes praticar um desporto que os afaste desses comportamentos. A médio-longo prazo dá-lhes também a noção do que é trabalhar por objetivos, do que é trabalhar para um objetivo comum, tudo competências que são muito importantes no mundo do trabalho. Trabalhar com outras pessoas, com pessoas de quem gostam e quem não gostam, cumprir horários, ter um espírito de compromisso, não faltar aos treinos. São tudo competências que, parecendo que não, alguns adultos, sobretudo de zonas mais desestruturadas, têm dificuldade em cumprir e nós aqui damos-lhes essas condições», explica Júlio Augusto. É esta a realidade do futebol de formação que importa e que, em clubes como o Algueirão, faz a diferença na vida de tantos e tantos jovens que, na luta pelo sonho de futebol, ganham ferramentas para poder lutar por uma vida de sonho.

    Num prato da balança encontram-se os muitos jovens que partilham o sonho do futebol e lutam, não só pela bola dentro das quatro linhas, mas por um futuro melhor fora destas. Vêm de contextos difíceis e, muitos deles, não têm sequer capacidade para pagar a inscrição em cada época desportiva. Este trabalho continua a ser realizado por João Moutão que contacta com esta realidade difícil época após época. «No concelho de Sintra, somos um dos clubes que ainda consegue albergar no seu clube os mais necessitados. Os miúdos chegam aqui e, na maior parte das vezes os pais não têm condições nenhuma. Nós não os mandamos embora só porque não podem pagar», é a dura realidade retratada pelo homem que está no outro prato da balança.

    «O Algueirão [clube] é, no fundo, uma espécie de aldeia envelhecida»

    Em 1960, João Moutão jogava futebol em todas as ruas por onde passava. «Era tudo muito diferente, não havia casas como agora». Os tempos mudaram, os jovens de 2024 não têm tanto espaço para jogar à bola e os jovens que cresceram com a pessoa mais acarinhada dentro do Algueirão já há muito deixaram de o ser. «O Algueirão [clube] é, no fundo, uma espécie de aldeia envelhecida». As palavras assustam e provocam estupefação à primeira vista, mas João Moutão explica-as. «As pessoas que estão ligadas ao clube têm todas uma certa idade. Não há uma renovação da juventude, são tudo pessoas já com os seus 70 anos e já com as suas fragilidades. O clube precisava era de pessoas mais jovens, com ideias novas para o clube evoluir de outra maneira. Mas às pessoas novas, às gerações novas, o clube não lhes diz nada ainda», refere João Moutão que, sem se aperceber, toca num dos pontos mais importantes da reflexão da Associação de Futebol de Lisboa sobre o assunto.

    «Há um grande problema ao nível do desporto distrital que é o voluntariado do dirigismo. Cada vez há menos pessoas a querer tomar conta dos clubes porque as exigências são maiores. É cada vez mais difícil porque, mesmo as pessoas mais antigas não estão disponíveis para dar tempo para um voluntariado que tem responsabilidades. E os mais novos querem outras coisas», reflete José Manuel Ribeiro Santos, diretor executivo da AFL.

    Com tantas dificuldades o futebol vai crescendo e o número de praticantes e clubes também. A solução é ao mesmo tempo problema e tem nome próprio: financiamento.

    Um elefante na sala pode ser o melhor avançado ou o pior defesa dos clubes: o financiamento dos clubes de Sintra

    Pêro Pinheiro 1.º Dezembro Sintra
    Fonte: 1.º Dezembro

    O financiamento dos clubes pode chegar de várias maneiras. Investidores externos, quotas de sócios e ajudas do poder local, nomeadamente das juntas de freguesia e das câmaras municipais. Em todos os casos abordados, o poder local tem uma importância fulcral no desenvolvimento dos clubes.

    «Sem o apoio da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal, nenhum clube do concelho poderia existir». As palavras vêm da boca de João Moutão, conhecedor da realidade de vários clubes não só da freguesia, mas também do concelho e que reconhece a importância da ajuda do poder local na sobrevivência do Algueirão.

    As verbas municipais permitem ao Algueirão inscrever jogadores. Sem esta verba, e com muitos destes jogadores sem dinheiro para pagar mensalidades, seria utópico para o clube pensar num financiamento próprio para a tarefa. Sem esta inscrição nenhum jogador pode participar em competições da AFL. Dependendo do escalão o valor muda, mas pegando no exemplo da equipa de juniores do Algueirão, orientada por Júlio Augusto, a inscrição de um jogador português custa 11,50€ e de um jogador estrangeiro 13,25€. Em caso de transferência de clubes acrescenta-se um valor significativo (37,50€) no caso de uma transferência local. Se o jogador tiver jogado no estrangeiro, este valor chega aos três dígitos.

    O próprio clube tem de pagar também uma quota de filiação para poder participar nas competições da AFL e da FPF. Para jogar a 1ª Liga, por exemplo, este valor é de 2000€. A nível dos seniores, quanto maior a divisão maior o valor – 250€ na 1ª, 225€ na 2ª e 175€ na terceira, sendo o valor dos escalões de formação fixo: 400€ em cada equipa participante.

    «A AFL faz um trabalho, dentro daquilo que é a realidade e as possibilidades, bastante bom de organizar campeonatos e de facilitar, que isso eu sei, a alguns clubes mais debilitados como é o caso do Algueirão pagamentos, prazos de inscrições, prazos de pagamentos. Tenho a noção de que se eles fossem extremamente rígidos, 50 ou 60% das equipas não teriam condições de participar nos campeonatos e acho que nesse aspeto são até permissivos positivamente o que acaba por ajudar estes clubes com menos orçamento», diz Júlio Augusto. Nunca esteve ligado a uma estrutura do futebol sem ser pelo lado do treino, mas tem noção de que a flexibilidade é, nestas realidades, uma palavra-chave.

    No entanto, «Estar à vontade não é estar à vontadinha e há regras. Se os clubes sabem que têm inscrições a fazer, têm de pagar. Se não podem há um plano de pagamentos, e se há um plano de pagamentos têm de o cumprir», vinca José Manuel Ribeiro Santos, consciente de que há situações em que tal flexibilidade dada pela AFL foge dos limites. «Mal seria se não houvesse», anui.

    Apesar das quotas pagas por sócios, do valor das mensalidades pagas pelos jogadores, e dos patrocínios, a realidade é que o poder local tem no associativismo um papel importante. No contexto dos clubes e associações desportivas, as juntas de freguesia e as câmaras municipais têm uma ação fundamental para a sua existência e sobrevivência.

    «Nos dias que correm, é hábito no associativismo dizerem que há muita dificuldade das pessoas porque têm a sua vida privada e profissional e não têm tempo para desempenhar todas as funções que um clube obriga. Nós colocamo-nos ao lado dos clubes nas partes mais burocráticas, da procura de apoios e da organização de eventos, para que os clubes sintam confiança e tenham condições para desenvolver a sua atividade sem que se sintam isolados ou deslocados. É preciso criar e cuidar esta relação entre a Junta de Freguesia, a Câmara Municipal e os clubes», reflete Ricardo Nascimento que, na Junta de Freguesia de Algueirão-Mem Martins, congratula a crescente procura de apoio financeiro por parte das entidades desportivas que estão ao serviço da comunidade.

    Entre os apoios locais e a sua aplicação no serviço das comunidades há um pequeno passo que é muitas vezes obscuro. «Muitos dinheiros públicos acabam por desaparecer e se desvanecer. Pelo menos é a perceção que tenho como treinador. Em vários clubes aqui da zona as pessoas dizem que há apoios e dinheiros públicos a entrar no clube e depois os clubes continuam sem dinheiro. Depois ninguém conhece metade dos diretores, ninguém sabe verdadeiramente o que fazem no clube. Não acusando ninguém, há uma tendência para os orçamentos nem sempre serem claros», reflete com alguma frustração Júlio Augusto. A diferença entre ter o equipamento básico ou dar um passo em frente podia significar outro nível no seu trabalho.

    O dinheiro é importante, mas o fundamental são as pessoas. A realidade no futebol distrital é mais de pessoas do que do futebol e, nas estruturas do clube, ter pessoas conscientes do que fazer aos fundos é uma das chaves para o sucesso. «Ser voluntário não significa que não se seja profissional, que não se seja gestor. E há dirigentes que de gestores têm muito pouco», afirma José Manuel Ribeiro Santos que, ao longo dos anos na AFL e, anteriormente como presidente de um clube, tomou contacto com uma realidade que Júlio Augusto também conhece. «O dinheiro e os orçamentos fazem falta, mas convém haver uma estratégia, um plano bem arquitetado, porque senão o dinheiro acaba por se desvanecer e as coisas acabam na mesma», conclui o treinador.

    Neste contexto, as políticas da Câmara Municipal são marcadas pela palavra escolhas. A manta é curta e obriga ao estabelecimento de prioridades.

    «Que tipo de desporto nós queremos? Desporto de elite para alguns ou desporto massificado tendencialmente para todos?»

    «A questão fundamental é: que tipo de desporto nós queremos? Desporto de elite para alguns ou desporto massificado tendencialmente para todos? E nós vamos pela segunda opção», refere Bruno Parreira, vice-presidente da Câmara Municipal de Sintra responsável pelo pelouro do desporto. A chegada de dois emblemas sintrenses à Liga 3 nada mudou no pensamento da Câmara Municipal.

    O Pêro Pinheiro apresentou um projeto de financiamento para renovação de infraestruturas básicas. «Lógicas de sustentabilidade como ter os canos a passar apenas 60% da água em vez dos 100%, ou ter torneiras que desligam automaticamente passado algum tempo», enquadra Miguel Santos, coordenador técnico da formação do Pêro Pinheiro. Mas a torneira fechou mesmo de forma manual, suspira Miguel. «O processo não está tão fácil porque a Câmara Municipal coloca clubes que precisam de mais ajuda à nossa frente. O Pêro Pinheiro como está na Liga 3, viu o orçamento subir muito, os patrocínios subiram muito, portanto, para a Câmara Municipal, o dossier foi deixado para trás», enquadra o jovem.

    Para Miguel Santos, a dualidade com que a Câmara Municipal de Sintra lida não é sequer uma questão. «A Câmara de Mafra apoia o CD Mafra, clube profissional, porque olha para o clube como forma de representar o seu município», adianta Miguel Santos que detalha o objetivo por detrás da Câmara Municipal do concelho vizinho. Além dos apoios da Câmara Municipal de Mafra, o CD Mafra foi alvo de um investimento recente por parte de um grupo dinamarquês que tem trazido vários jogadores do FC Midtjylland para Portugal. Com mais dinheiro, entram também mais jogadores na estrutura do clube que, para não incorrer num excesso de atletas, “empresta-os” de forma não oficial a clubes da região. Embora este processo apenas permita aos clubes mais pequenos usufruiu do jogador durante uma temporada, há uma ciclicidade que permite a todos os clubes da zona terem jogadores.

    Um protocolo semelhante, conta Miguel Santos, foi adotado pelo próprio Pêro Pinheiro e por outros clubes como o Atlético do Cacém, que fornecem vários jogadores ao Negrais que, num espaço de poucos anos, deixou de ter planteis com apenas 12/13 jogadores, para ter equipas tão competitivas ao ponto de em 2021/22 os juniores terem logrado uma subida de divisão.

    «A qualidade não se mede em resultados desportivos. Mede-se sobretudo na perceção que temos que, na generalidade, os clubes estão a encaminhar os apoios financeiros da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia não para despesa corrente, mas para investimento», refere Bruno Parreira que coloca neste ponto os dois clubes de Sintra que representam o concelho na Liga 3. Mas, e reforça o vice-presidente da Câmara Municipal, o resultado é muito menos importante que o processo que os levou até tal parâmetro.

    «O Pêro Pinheiro e o 1.º de Dezembro são extraordinários exemplos, são faróis que apontam o caminho da ambição aos nossos jovens e às nossas crianças, por aí são muito valiosos para nós e é a partir daí que tentamos apoiar os nossos clubes. Mas mais importante que a participação na Liga 3 é o critério de gestão e o caminho de racionalidade que os levou a chegar à Liga 3. Isso tem de estar assente em processos de formação muito claros que permitam aumentar o número de praticantes de futebol», vinca Bruno Parreira. E, embora os números de atletas na formação do Pêro Pinheiro – os mais altos na história do clube – não mintam, não chegam para comprovar esta realidade. «Se a profissionalização for a sistematização do bom trabalho que é feito na formação é muito bem-vinda. Se for uma correria desenfreada a resultados desportivos então é muito negativa para o desenvolvimento desportivo de qualquer clube», garante o responsável pelo pelouro do desporto em Sintra.

    O tamanho da manta é curto e Miguel lamenta a «falta de visão municipal», introduzindo na questão um problema que está evidente aos olhos de todos, mas que merece aprofundamento.

    «O nome de Sintra podia seguir e ser mais forte no desporto»

    «A Câmara Municipal de Sintra tem duas equipas na Liga 3 e não patrocina nenhuma. Apoia, mas não patrocina nenhuma. O 1.º Dezembro que é de Sintra, era patrocinado por uma câmara do Alentejo [Ponte de Sor] que pagou ao 1.º Dezembro que é de Sintra, para jogar no seu concelho. O nome de Sintra podia seguir e ser mais forte no desporto», refere Miguel Santos que toca num dos pontos que marca a subida de divisão do Pêro Pinheiro e do 1.º Dezembro desde o início.

    Uma odisseia em busca do Estádio Perdido de Sintra: a questão do Estádio Municipal

    Bruno Parreira
    Fonte: Câmara Municipal de Sintra

    «Neste momento duas equipas do concelho de Sintra estão na fase de subida para a Liga 3, mas quando isso acontecer, ambas vão enfrentar grandes dificuldades logísticas e financeiras porque não têm ainda um Estádio apropriado e elegível para a liga 3, 2 ou 1. Com um Estádio Municipal em Sintra, todas as equipas do Concelho podem beneficiar de melhores condições e ter mais possibilidades de competir a um nível mais alto. Com um Estádio Municipal a comunidade de Sintra será compensada na sua já forte tradição no desporto e em particular no futebol. (…). Apelamos à tua ajuda para que a Câmara Municipal de Sintra apoie a nossa comunidade e possamos disfrutar de grandes condições para competir e destacar a um nível mais alto no desporto, aumentando assim o orgulho e a coesão da comunidade local».

    Foi a 20 de abril de 2023 que o 1.º Dezembro lançou o mote para uma petição pública direcionada à Câmara Municipal de Sintra e introduziu a questão do Estado Municipal de Sintra no centro da agenda do desporto no concelho. Ao dia de hoje, assinaram a petição 1184 pessoas.

    «A questão da petição e do Estádio Municipal é um assunto de Sintra que já se fala há anos. Nós encarámos isso como um alerta à autarquia. Sabíamos de antemão que num curto espaço de tempo era impossível fazer o que quer que se queira em relação a isso, mas quisemos dar uma palavra e fazer chegar aquilo que nós e a maior parte dos clubes de Sintra gostariam. Demos o primeiro passo», explica José Francisco Gomes, presidente do 1.º Dezembro.

    «É absolutamente extemporâneo falar-se na construção de um estádio municipal»

    «Enquanto houver uma criança, um jovem, um menino, uma menina que não podem treinar por não ter um campo de futebol 11, é absolutamente extemporâneo falar-se na construção de um estádio municipal». A frase de Bruno Parreira, representativa da posição da Câmara Municipal de Sintra sobre o assunto, é forte e ressoa pelo concelho. Apesar da posição de vários clubes e associações, a Câmara Municipal de Sintra volta a vincar que a prioridade está, neste momento, a 100% no futebol de formação e em oferecer infraestruturas de base aos restantes desportos no concelho de Sintra.

    A situação de Sintra é semelhante à de todo o distrito de Lisboa e, num recorte mais alargado, aplicável a todo o país. «É uma lacuna no distrito de Lisboa. Há poucos campos de relva natural e instalações dúbias», refere José Manuel Ribeiro Santos, diretor executivo da AFL e aponta um dos caminhos para a solução: o fundo “CRESCER 2024” da Federação Portuguesa de Futebol.

    Entre 2022 e 2024, foram distribuídos 18 milhões de euros a ADR (Associações Desportivas Recreativas, Sócios e clubes a ser aplicados em cinco áreas de atuação: aumento no número de praticantes, aposta no feminino, melhoria de infraestruturas, qualificação de recursos e transformação digital. Em relação à infraestruturas, as candidaturas foram aceites a «projetos que garantam o aumento da prática quer por alargamento de horários quer por criação de novas infraestruturas ou reativação de devolutas», segundo comunicado oficial da FPF.

    Deste valor, 12 milhões de euros dirigiram-se diretamente às associações de futebol de cada distrito, como é o caso da Associação de Futebol de Lisboa. Em todo o país, 7 800 000€ foram reservados à melhoria de infraestruturas, um peso de 65% no orçamento total. Lisboa gozou de praticamente 800 mil euros (788 323,45€) para a aposta na melhoria de infraestruturas que, de acordo com o diretor executivo da AFL permitiram melhorias visíveis. «Algumas infraestruturas hoje estão melhores que há dois ou três anos, quando fomos fazer as visitas iniciais, principalmente a nível da luz. Esta era terrível. Há um campo em que agora vai ter de ser marcado um jogo para a noite, algo que há um ano era impensável», destaca José Manuel Ribeiro Santos.

    Além dos projetos da FPF, também o poder local pode atuar neste domínio. Tanto o Pêro Pinheiro, que renovou a iluminação para instalar lâmpadas LED, como o Algueirão, que no último ano realizou melhorias nas instalações, nomeadamente nos balneários. Para a Câmara Municipal de Sintra, é este o caminho que tem de ser tomado.

    «Nós temos uma grande carência de campos de futebol porque todos os dias recebemos testemunhos de dirigentes desportivos que têm de recusar a inscrição de crianças e jovens de ambos os géneros e isso preocupa-nos muito. Quando esta rede de desenvolvimentos primários estiver estabelecida, aí sim o município de Sintra pode e deve pensar numa construção desportiva de nível médio que lhe permita ter clubes profissionais, profissionalizantes, com instalações municipais. Não é, para já, uma prioridade», garante Bruno Parreira que defende que, para escalar patamares é necessário um planeamento dos clubes que faça acompanhar as ambições no ponto de vista desportivo do ponto de vista das infraestruturas. «Nós não nos podemos substituir o tecido associativo e a obrigação de cada um dos clubes prover aquilo que é o seu próprio crescimento. Faz-nos sentido que os clubes consigam montar projetos desportivos coerentes com o tipo de instalações que têm a cada momento», conclui o vice-presidente da Câmara Municipal de Sintra.

    A AFL alerta os vários clubes para a necessidade de não dar passos maiores do que a perna. As exigências da FPF são muito superiores às da AFL, não só nas infraestruturas do clube, mas também em questões como o custo de organização de um jogo que, no Campeonato Nacional custam cerca de 2000 euros por mês, mais do dobro do custo na divisão máxima da AFL (que também está escalonada).

    «Eu gostava de ter um carro muito bom, não posso, tenho um Corsa. Mas está pago. É uma perspetiva lírica, mas é a realidade»

    «Há clubes que não se importam de andar na distrital, mas que vão fazendo as infraestruturas. Há outros que lhes interessa pagar 1000 ou 1500€ a um atleta para subir de divisão e às vezes acabam por descer. E continuam sem desenvolver as infraestruturas. Mas aí é a gestão dos clubes e os clubes é que têm de perceber. Eu gostava de ter um carro muito bom, não posso, tenho um Corsa. Mas está pago. É uma perspetiva lírica, mas é a realidade», salienta José Manuel Ribeiro Santos, alertando para a boa gestão dos clubes.

    No apoio dos clubes às infraestruturas, importa ainda enquadrar o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), responsável por uma política para as áreas do desporto e juventude. Entre os diversos apoios aos quais é possível concorrer, destaca-se o Programa de Reabilitação de Instalações Desportivas. No ano transato, destinou-se a apoiar «clubes e associações desportivas, constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos, sediados em território continental, cujos estatutos incluam o fomento e a prática direta de atividades desportivas» na transição energética com o objetivo de ajudar os clubes a reduzir o consumo energético.

    Mesmo com estes apoios, há um que Tasslim Sualehe, presidente da SAD do 1.º Dezembro, considera estar em falta. Trata-se do suporte mútuo entre clubes da mesma região que permita levar questões como a do estádio municipal avante.

    «Acho que Sintra, com os clubes todos que tem, precisa de um Estádio Municipal. Agora cabe à autarquia pensar nisso e os clubes juntarem-se. Aqui o grande problema às vezes, é que a união faz a força, nós não estamos contra ninguém, somos parceiros de Sintra, jogamos por Sintra, portanto há uma série de clubes que, todos juntos, podíamos fazer um pouco mais do que o foi feito a nível de Sintra e do concelho», explica José Francisco Gomes, numa afirmação complementada por Tasslim Sualehe, colega na administração do 1.º Dezembro. «Aqui em Portugal temos muita dificuldade em clubes próximos de ver os clubes próximos não como inimigos, mas como parceiros. Os nossos adversários não são os clubes próximos, só o são nos 90 minutos que estamos a jogar contra eles, de resto são parceiros porque nós estamos a criar atletas para o futebol, de Sintra», vinca.

    Em 2016 o 1.º Dezembro, na altura no Campeonato de Portugal, foi sorteado para defrontar o SL Benfica na Taça de Portugal. Um jogo grande na Festa da Taça que teve menos charme por ter sido realizado longe de casa, no Estádio António Coimbra da Mota. Foi na casa do Estoril Praia que o 1.º Dezembro enfrentou olhos nos olhos as águias, que viriam a celebrar nessa temporada o tetracampeonato. Só um golo de Luisão já no período de descontos impediu o jogo de ir a prolongamento, num momento que esteve perto de ser histórico para o clube de Sintra.

    É este o momento que Miguel Santos mais recorda das potencialidades de um Estádio Municipal de Sintra. «Podia ser um jogo jogado em nossa casa. Mesmo que não seja o nosso estádio, é a nossa terra», vinca o jovem que aponta outras maneiras que permitiriam rentabilizar o estádio e, ao mesmo tempo, elevar o concelho de Sintra. «Era uma solução para organizar, por exemplo, torneios de seleções jovens, torneios de formação. Tudo isso é levar o nome do teu município e da tua terra além-fronteiras e acho que isso é importante», garante Miguel Santos, para além de toda a ajuda que teria dado no caso do Pêro Pinheiro e do 1.º Dezembro que poderiam ter uma solução natural, mais barata e que mantivesse a profissionalização dos clubes perto da população que assistiu a todo o crescimento.

    «Um estádio municipal faz parte da identidade dos concelhos. O meu filho está em Rio Maior e o estádio municipal é uma forma de conhecer a região», reflete Jorge Moutão, lembrando o relvado que, além das equipas da terra, recebe a cada duas semanas um jogo da Primeira Liga Portuguesa. O Estádio Municipal de Rio Maior é uma ferramenta académica, que permite à Escola Superior de Desporto de Rio Maior uma oferta universitária longe dos centros urbanos e com condições ao nível de infraestruturas que beneficiam os estudantes e toda a região que pode ver de perto todas as equipas da Primeira Liga Portuguesa.

    No entanto, nem só de futebol necessita de viver um Estádio Municipal. Embora esta seja a paixão de Júlio Augusto, o treinador do Algueirão não esquece outras modalidades que sairiam beneficiadas com um Estádio Municipal que contemplasse, além do relvado natural, uma pista de tartan para provas de atletismo. «Há pessoas a fazer um grande trabalho em Sintra ao nível do atletismo. A Escola Mestre Domingos Saraiva tem no Desporto Escolar um professor excelente que se chama Paulo Barrigana que há muitos anos que forma alunos na parte do atletismo. Temos mesmo um caso de uma aluna que chegou aos Jogos Olímpicos, a Marta Pen [recordista nacional da milha corrida]. Um estádio municipal com pista de tartan ajudaria muito a que essa modalidade se expandisse e a encontrar mais jovens com potencial para chegar a grandes palcos», garante Júlio Augusto que menciona os exemplos vizinhos do Estádio Municipal de Oeiras, construído em 2004 para o Europeu e que hoje serve de casa à AD Oeiras e ao Complexo Desportivo Monte da Galega, no concelho da Amadora.

    Um clube sem casa e para todos: o caso do Amavita

    Amavita Jogadores
    Fonte: Amavita Sport

    O Complexo Desportivo Monte da Galega é o mais próximo que o Amavita FC, clube criado em 2009 na Brandoa, na Amadora, pode chamar de casa. Os primeiros registos digitais do estádio detido pela Câmara Municipal datam de 2002, mas foi a partir de 2017 principalmente, com a requalificação de toda a infraestrutura, que o estádio ganhou influência crescente no desporto na Amadora.

    Entre outros clubes, o Complexo Desportivo Monte da Galega é utilizado pelo CF Estrela da Amadora, como suporte à formação, pela AD Amadora e pelo Amavita, clube que se divide em dois terrenos no concelho e que tem como missão «levar o futebol a todos».

    «Não filtramos ninguém. Se tivermos de ter um menino com menos capacidade, ele eventualmente ele vai ter menos minutos que os outros, mas não filtramos atletas»

    O lema da criação é repetido várias vezes por Válter Marques, coordenador do futebol de formação do Amavita. A existência do clube tem um motivo muito simples: permitir a todo e qualquer jogador de futebol poder praticar o desporto, sem qualquer tipo de discriminação. «Não filtramos ninguém. Se tivermos de ter um menino com menos capacidade, ele eventualmente ele vai ter menos minutos que os outros, mas não filtramos atletas», destaca Válter Marques. Depois de trabalhar noutros projetos com visões e objetivos diferentes, o coordenador do futebol de formação do Amavita destaca a importância do projeta. «Para mim é mais gratificante trabalhar com esta gente em que conseguimos englobar tudo, uns melhores outros piores, mas a gente faz aqui uma mistura. No início do jogo todos queremos ganhar, no final do jogo se demos tudo, e perdemos não há problema nenhum. Temos que respeitar o adversário, de nos respeitar a nós que demos tudo e no final vamos todos para casa contentes com a nossa sandes e com o nosso sumo», continua Válter Marques.

    A sandes e o sumo são o máximo que o clube consegue oferecer aos vários atletas da formação. No entanto, o que pode parecer nada para uns, para outros pode ser tudo. A entrevista com Válter Marques foi interrompida por um atleta a perguntar se tinham sobrado sandes do fim de semana. Há palavras que doem mais que uma bolada na cara e a inocência de uma pergunta tão importante pode custar mais que sofrer um golo nos descontos. A voz já não tremeu a Válter quando, minutos antes proferiu palavras semelhantes. «Às vezes sobram-nos uns lanches no final do jogo e durante a semana vêm aqui alguns miúdos a dizer ‘mister sobrou algum lanche do fim-de-semana’. Às vezes esta parte de dificuldades, a gente não sabe se comeram, mas enfim é só para perceber a mecânica que nos faz olhar para o futebol para todos». Onde a voz não treme, treme o coração.

    O Amavita joga em dois campos. Nos escalões para os mais novos, é num campo cedido pela Junta de Freguesia da Encosta do Sol que todos os meninos treinam e jogos. Quando fazem a transição para o futebol de 11, o Complexo Desportivo do Monte da Galega passa a ser o local dos treinos e dos jogos ao fim de semana. «Há uma coisa que o Amavita se orgulha. Tem tudo em dia, com os seus fornecedores e com a Câmara Municipal da Amadora nas responsabilidades que tem», reforça Válter Marques.

    O acordo com a Câmara Municipal da Amadora para a utilização do Complexo Desportivo do Monte da Galega é renovado a cada temporada e por preços mais acessíveis do que um aluguer do espaço por um cidadão comum. Não há pagamentos em atraso ou dívidas, de acordo com Válter Marques. Sustentabilidade é, além de inclusão, uma das palavras que define o projeto do Amavita e que explica as razões pelas quais o coordenador lamenta não ser possível oferecer futebol feminino de competição e futebol no escalão de seniores.

    Além da cedência dos espaços, o Amavita recebe outros apoios do poder local. «Da parte da Junta de Freguesia, além da ajuda do campo, temos a ajuda de autocarros para qualquer deslocação. Da Câmara Municipal temos ainda a ajuda dos exames médicos, todos os anos temos uma percentagem de atletas com exames médicos comparticipados», explica Válter Marques.

    Além do futebol, o Amavita oferece ainda possibilidade a todos os meninos e meninas de participarem em aulas de dança. A ideia passou pela cabeça da presidente do clube, Rita Soares, que aproveitou a formação académica na área para dar aulas de dança a várias crianças e adultos, maioritariamente do público feminino. «Há lá meninas que começaram como alunas e agora, juntamente com a presidente, ajudam a dar algumas aulas. De crianças passaram a adolescentes que estão a chegar à idade adulta e continuam cá», orgulha-se Válter Marques que garante que no futebol o fenómeno é semelhante.

    «O Monte da Galega com o devido respeito e consideração, temos nós. O Complexo Desportivo Municipal da Agualva ou o campo do Despertar em Casal de Cambra, são campos municipais utilizados pelo tecido associativo do nosso concelho. O Monte da Galega não dá para disputar, por exemplo, a Liga 3 porque é um relvado sintético e é obrigatório um relvado natural, portanto qualquer clube da Amadora que jogasse na Liga 3 teria os mesmos problemas que tem o município de Sintra», refere Bruno Parreira, vice-presidente da Câmara Municipal de Sintra sobre a infraestrutura do concelho de Sintra. Importa salientar que o Complexo Desportivo Municipal da Agualva – o Parque Desportivo Engenheiro Leonardo de Carvalho – é utilizado única e exclusivamente pelo CD Agualva, tal como o Parque Urbano 25 de Abril usado de forma exclusiva pelo FC Despertar.

    «Quem sabe não sai daqui um atleta para um grande do futebol português e oferece um campo ao Amavita»

    Mesmo sendo um relvado sintético, o CF Estrela da Amadora, clube profissional e que, 14 anos depois de um período negro na história do clube, regressou à Primeira Liga Portuguesa, é um dos clubes que consegue aproveitar todas as potencialidades do Complexo Desportivo Monte da Galega. Quem entra no estádio passa por paredes pintadas com as caras de Jorge Fernandes, medalha olímpica na modalidade de judo e de vários cidadãos da Amadora que se destacaram no futebol como Jorge Jesus, Nani ou Rúben Dias. É este o retrato de um estádio que, se para clubes como o Estrela da Amadora não passa disso, para o Amavita é uma casa capaz de acolher tantos e tantos meninos com o sonho de jogar futebol. E assim continuará a ser a menos que algo se desenrole no futuro. «Quem sabe não sai daqui um atleta para um grande do futebol português e oferece um campo ao Amavita», ri-se Válter Marques. No fim do treino, certifica-se que todos os meninos levam para casa um papel. Não é um aviso de pagamento ou uma burocracia que os afaste do clube.

    «Nós temos uma equipa que está com umas dificuldades, com uma série de derrotas consecutivas. Ninguém exige vitórias, mas é normal que a malta ande assim um bocado triste e estamos todos a tentar puxá-los para cima. Então no último treino do ano convidamos todos a trazerem os pais, um primo um amigo, para um joguinho. No final eles não sabem, mas comprámos uns bolos-reis, depois vão todos embora felizes», explica Válter Marques. A ideia veio da cabeça do próprio e permitirá juntar atletas dos vários escalões do clube, pais, familiares e amigos de todos os jogadores do clube num momento em que o futebol passa para o segundo plano. Na realidade sempre esteve, porque o «o convívio é o mais importante que temos aqui», sorri Válter Marques. Dói menos deixar a filha pequena em casa quando se vive o futebol assim.

    Distritais: o epicentro do terramoto futebol

    SC Braga Apanha-Bolas Sintra
    Fonte: Filipe Oliveira / Bola na Rede

    William Carvalho (Algueirão) e Danilo Pereira (Arsenal 72) levantaram o título do Europeu 2016. A eles juntou-se, em 2019, Nélson Semedo (Sintrense) para erguer bem alto o título da Liga das Nações. As duas únicas conquistas de Portugal na história do futebol têm um pedacinho construído no concelho de Sintra. Sem estes clubes de formação, chegar ao topo seria impossível.

    «O pessoal muitas vezes só olha para os grandes, mas algumas pessoas esquecem-se que o futebol começa é aqui». Válter Marques fala de clubes como o Amavita, mas também de clubes como o Pêro Pinheiro ou o Algueirão. Que cresceram com as populações e que, além do futebol, são segundas casas para tantos e tantos atletas. Uns chegaram e chegarão mais alto que outros, mas nenhum poderia lá chegar não fosse a densidade competitiva nas últimas divisões de cada distrito em Portugal

    «Nós vemos como é que o Casal de São Brás era e é muitas vezes olhado e muitas vezes desprezado por outras pessoas. Se vierem aqui vão ver malta educada, que não anda a fazer coisas más como muitos pintam», garante Válter Marques. Ali a única coisa que se rouba é a bola, durante o jogo, para um sprint em condução com vista a um futuro melhor.

    Num patamar diferente está o Pêro Pinheiro que mantém os pés assentes na terra, mas que sonha com a manutenção. Depois de integrar diversas funções no clube, Miguel Santos olha para o crescimento do clube e garante que não há volta atrás. «Quando te mandas de um precipício não há nada a fazer, quando começas a subir a montanha não vais desistir, porque é mais difícil descer do que continuar a subir», vinca Miguel que todos os dias procura ajudar a encontrar soluções para manter o nome do Pêro Pinheiro na elite do futebol português.

    Em situação semelhante, o 1.º Dezembro quer continuar a ser palco do sonho de muitos meninos e meninas. Mesmo que para tal, tenha de tornar a permanência na Liga 3 uma situação mais complicada. «Nós podíamos colocar já um relvado, mas se o fizéssemos, onde é que a nossa formação iria treinar? Íamos dispensar os nossos 300 atletas Não é justo em benefício dos mais velhos jogarem acabarmos com a nossa formação», aponta Tasslim Sualehe.

    Da terceira divisão do futebol português para a terceira divisão distrital de Lisboa o salto é grande e os objetivos também. Não muda o papel do treinador que vai muito além de modelos de jogo, de sistemas táticos ou da escolha do onze inicial. «Temos a noção que há miúdos que vêm de famílias mais fragilizadas e que por vezes precisam do nosso apoio. Ser treinador, por vezes, acaba por ser uma paleta de profissões. Eu não gosto de dizer psicólogo, porque acho que pode ser perigoso as pessoas confundirem o que é um treinador e que é um psicólogo, sobretudo numa altura em que se fala muito de saúde mental e ainda bem. Mas acabamos por ser se calhar um primeiro portal antes do psicólogo a sério em determinadas situações, acabamos por ser um pai ou um irmão mais velho para os jogadores pelos exemplos que passamos, pelos ideais que lhes plantamos na cabeça», vinca Júlio Augusto que, faça chuva ou faça sol, procurará fazer vida da magia do futebol. Muitas vezes aos olhos do Mister Moutão, uma das referências na profissão e que, com tantos anos de futebol nos pés, nas mãos e na cabeça, continua com o mesmo brilho nos olhos quando a redondinha é mencionada.

    «Tirando a minha família… o resto é a minha família também»

    «Há pessoas que eu só conheço por causa do futebol. Tirando a minha família… o resto é a minha família também», diz o Mister Moutão que ainda é assim saudado cada vez que um dos muitos meninos que treinou o encontram na rua. Entre financiamentos, estádios e contas certas, o futebol vai resistindo. Bastam 22 jogadores, um pedaço de terra e uma bola de futebol para descobrir o paraíso.

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