Malcom que não é X esbarrou em gasoduto que voltou a encher

O início do mês descrito por Dino Meira como o mais querido do ano arrancou com a confirmação dos rumores que fecharam as cortinas de julho: Malcom, contratado pelo FC Barcelona ao Bordéus no verão de 2018, trocara a Sagrada Família pelo Palácio de Catarina e assinara pelo Zenit por uma verba que pode alcançar os 45 milhões de euros, mediante objetivos.

O extremo brasileiro de 22 anos, que tinha protagonizado uma acesa e mediática disputa entre o emblema catalão e a AS Roma no ano anterior, protagonizou a segunda maior compra de sempre do emblema russo, igualando os valores encaixados pelo SL Benfica aquando da venda de Axel Witsel, só superado pelas seis dezenas de milhões pagos ao FC Porto pelo super-herói azul e branco, Hulk.

Após uma época abaixo das (muitas) expetativas, confluindo em apenas 24 jogos e quatro golos, o virtuoso canhoto assinou um contrato de cinco épocas com um clube que quer recuperar a hegemonia do passado e que, para isso, voltou a demonstrar a sua pujança financeira, após anos de abrandamento.

Envolta em polémica, os valores da transferência de Malcom para a Rússia acabaram por ficar relegados para segundo plano, bem como a qualidade que este pode vir a acrescentar, ofuscados por uma tarja exibida por um grupo de adeptos que, apelando à história do clube de São Petersburgo que, se manifestavam contra a contratação de jogadores negros por parte do Zenit.

Recorde-se que este episódio racista não é caso único. Ao longo dos anos, têm sido inúmeras as situações descritas por jogadores adversários como sendo alvo de provocações de índole racial, doutrina que uma fação significativa dos adeptos do clube fundado em 1925, em homenagem em Stalin, não renega e segue com orgulho.

O foco deste texto não é, no entanto, recordar a história homofóbica e racista escrita pelos seguidores do Zenit nas bancadas de toda a Europa, mas tentar perceber a mais recente pujança financeira apresentada pelo clube favorito do presidente Vladimir Putin.

O último ano do século transato apresentou aos adeptos do futebol o clube de São Petersburgo como uma das equipas a considerar no século XXI. A conquista da Taça da Rússia, em 1999, preconizou aquele que seria o começo de um caminhado de sucesso, primeiro internamente – terceiro classificado em 2001 e vice-campeão em 2003, valendo-lhe a classificação para a já extinta Taça Uefa – e depois a nível internacional, tendo atingido o seu zénite (perdoem-me o trocadilho) no final da década, quando arrecadou a Taça Uefa e a Supertaça Europeia, frente a um Manchester United destruído por um madeirense de nome estrangeiro.

Mas, afinal de contas, o que mudou para que um clube, até então, de expressão europeia nula, se erigisse como um dos mais poderosos em tão pouco espaço de tempo? A resposta está na pergunta: contas.

Em 2005, um consórcio daquele país – cujo nome já deve ter visto um número incontável de vezes em camisolas de futebol, placards publicitários ou conferências de imprensa – adquiriu o atual primeiro classificado da Russian Premier-Liga, ao comprar as ações da equipa que estavam no poder da Casa Bancária de São Petersburgo, um grupo bancário local.

A Gazprom, de seu nome, que tinha aproximadamente 25% das ações do clube, pagou entre 30 a 40 milhões de euros ao banco referido no parágrafo acima (detentor de 70% do clube à época) e, segundo a imprensa local da altura, o novo dono do clube teria de investir anualmente montantes comparáveis aos que pagou ao grupo bancário.

Deste modo, a maior empresa de gás natural do mundo – em 2012, detinha um orçamento estimado superior a 100 biliões de dólares – assumia-se também como uma potência no futebol, por meio do investimento megalómano num clube russo.

O êxito no segmento enérgico, que se explica à luz de uma lei nacional que lhe concedeu a exclusividade nas operações e o monopólio sobre a exportação de gás natural, precedeu o êxito no futebol, o que levou a Gazprom – ciente do potencial de mercado que o futebol proporciona – a estender o seu investimento a outras ligas, consolidando-se fora de portas: o Schalke 04, em 2007, foi a primeira presa do polvo russo; de lá para cá, bares, restaurantes e lojas de Gelsenkirchen contaram com um novo aliado no que respeita a fornecedores de gás. Em 2012, o gás encontrou-se com o petróleo em Stamford Bridge e o Chelsea tornara-se a mais recente parceria da empresa de gás natural.

Na Sérvia, país no qual a Gazprom foi responsável pela construção de um importante gasoduto, o FK Estrela Vermelha de Belgrado foi o principal beneficiado: numa operação de charme, a todo-poderosa russa não só investiu no clube de Belgrado, como também garantia incentivos financeiros por bom desempenho das promessas jovens da equipa nas competições nacionais e internacionais.

Como se não bastasse a desvantagem competitiva que esta situação gerava nos demais clubes da liga russa, em 2008 o Zenit resolveu adquirir o melhor jogador do campeonato a um rival: naquela que foi a segunda contratação mais cara do ano, logo a seguir à de Dani Alves do Sevilha para o FC Barcelona, Danny rumou a São Petersburgo por 30 M€, deixando o Dínamo de Moscovo órfão do melhor jogador. Esta contratação marcou o início da viragem do paradigma das contratações russas até então.

Fonte: Zenit

Em 2012, num raide fulminante no último dia de mercado em Portugal, o clube russo levou aqueles que eram, provavelmente, os dois jogadores mais valiosos em Portugal por 100 milhões de euros: Hulk e Witsel deixavam, respetivamente, Porto e Benfica rumo ao país mais oriental da Europa.

Num ápice, o clube que até 2007 o melhor resultado que tinha alcançado na principal competição interna em mais de 80 anos de história tinha sido o segundo lugar, vê-se com quatro campeonatos e vários percursos meritórios nas competições europeias. Contudo, 2015 levou a um abrandamento no investimento que levou ao interregno nas conquistas, só conseguindo recuperar a glória na última época. Coincidência?

Num artigo publicado pelo site The Black Sea, no âmbito da investigação Football Leaks, desenvolvida pelo consórcio EIC (European Investigative Collaborations) e traduzido pelo semanário Expresso, Craig Shaw, Zeynep Seintek e Yann Phillipin explicaram o declínio do investimento do Zenit, sob a batuta da expressão “dopping financeiro”.

Nesse artigo, os autores desvendam que a UEFA escondeu como a Rússia fez doping financeiro com os seus clubes de futebol, numa violação clara das regras de “fair play” financeira. Empresas estatais russas controladas pelo governo de Vladimir Putin gastaram mais de 1500 milhões de euros em quatro equipas de topo, incluindo o Zenit.

A entrada em cena dos Regulamentos de Licenciamento de Clubes e Fair Play Financeiro da UEFA obrigaram assim o clube russo a um desinvestimento abrupto, sob o signo de serem severamente castigados. Em 2017, porém, o Zenit foi dispensado das medidas restritivas impostas na sequência dos acordos que assinaram com a UEFA e pôde voltar aos velhos hábitos de adquirir o peixe graúdo no injusto oceano do poder, como provam os 45 M€ gastos em Malcom.

Foto de Capa: Zenit 

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