Sou sócio do Sport Lisboa e Benfica há 25 anos e nunca tinha visto o meu clube ganhar tantos jogos e títulos como na ultima década.
Ainda assim, há anos que a felicidade de cada vitória combate em mim a vergonha que sinto com cada novo e-mail divulgado, com cada transferência mal explicada de jogadores, com cada golpe democrático para afastar a oposição, com cada intervenção de quem representa o clube em debates de televisão.
Uma das muitas patranhas mal contadas foi a da OPA para recompra de ações do clube. Inútil do ponto de vista estratégico, mal justificada, financeiramente desastrada, esta OPA Vieirista pretendia comprar por 5€ ações que não valiam nem metade. Contaram-se umas lérias sobre recompensar os sócios que ajudaram o clube, mas a verdade é que a operação continuava a ser tão inesperada quanto ridícula.
Este fim de semana, o Expresso noticia que o maior acionista do Benfica tem negócios de milhões com Vieira, alguns tendo a filha do presidente como testa de ferro; acionista esse que comprou as ações a um euro e que as tinha vendido agora a cinco, não fosse a imprensa dar com a boca no trombone e a CMVM estar a arrastar os pés.
De repente, está explicada a OPA: dar dinheiro do Benfica ao sócio do Vieira. Tirar do clube para dar ao amigo. Amizades à Sócrates. “Eu nem ia vender”, diz o amigo do Vieira, já com a colher na boca. Se precisamos de melhor exemplo de que a raposa está na capoeira, não vamos ter.
Mas a banda parece que vai seguir, com mais uns benfiquistas alerta, mas com a maioria ainda bem alegre. “Em equipa que ganha, não se mexe”. “Ah mas os outros também fazem”. “E o apito dourado”. Uma conversa cobarde, um relativismo moral que envergonha.
Ontem, o Marega foi vítima de cânticos racistas. Um estádio a imitar um macaco para afetar um jogador negro. Clássico. Nem percebo o que há de “alegado” aqui.
Diz o Benfica: é racismo. Diz o comentador do Benfica no Correio da Manhã: não é racismo. Sei bem que o Ventura não falou enquanto comentador do Benfica. Mas se ele usa o Benfica para fazer política e o clube não se importa, será descabido rever na sua política o Benfica?
Há uns meses umas quantas celebridades pediram ao Benfica que se demarcasse de Ventura, assentes nesta mesma premissa. Nada. Numa era onde tweets com dez anos justificam (exageradas) demarcações claras e tomadas públicas de posição, o meu Benfica continua a ser representado na TV pelo líder da extrema-direita, mesmo quando ele defende o contrário do que o clube diz. Está tudo bem. Liberdade de expressão, sim; coerência, não.
Eu não peço ao Vieira que demarque o Benfica do Ventura, como não peço que se demarque dos e-mails, das dúvidas quanto a comissões e valores de transferências, dos padres, das OPAs para os amigos. Para mais aldrabice, o saco está cheio.
Eu peço é ao Benfica que se demarque de Vieira. Uma instituição com a relevância, a história, a importância no espaço da lusofonia, tem de colocar a sua ética e os seus valores à frente dos resultados. O símbolo vem primeiro. O clube vem primeiro. Os resultados serão o reflexo dessa identidade, do trabalhar bem, com profissionais.
Gosto muito do Benfica e cresci a vê-lo perder, com Machairidis, e Escalonas e Rojas, eliminatórias suadinhas com o Halmstads e o Molde, humilhação em Vigo. Não sou do Benfica por causa dos resultados. Quero ganhar sempre, mas se não ganhar sempre continuo a ser do Benfica. Não tenho medo nenhum de perder campeonatos. Tenho é medo de fazer parte de um clube cujos sócios elegem, continuamente, alguém que põe os negócios pessoais à frente do clube, consistentemente, descaradamente.
Por mim, chega.
Foto de Capa: SL Benfica
Artigo revisto por Joana Mendes