“Isso não é um pormenor; é um pormaior”. É ou não uma sentença que ouvimos com regularidade? O intuito é simples: dar importância superlativa a certo e determinado detalhe. Aquele que faz toda a diferença. Seja numa ação, numa frase, num simples movimento. A verdade é que o pormaior não existe porque o pormenor, mesmo sendo uma palavra dissílaba, que termina com “menor, é um detalhe diferente de todos os outros. Tem mais força. Muito mais. Tanta, que pode, inclusive, definir ou alterar o futuro de algo superior. São esses nadas que são os tudos, esses silêncios entre as notas que fazem a música.
O pormenor, essa palavra que nos engana com um final que soa a menos, é, na verdade, o mais. O ponto de mutação, o tempero secreto, o último grão que inclina a balança. Com a sua força quase mítica, o pormenor tem o dom de redefinir futuros – de eleições a nomeações, de primeiras impressões a legados duradouros. Afinal, um pormenor não é só um pormenor; é o átomo do universo da importância.
Luís Montenegro, o timoneiro do PSD, após a vitória madeirense, encarou a pergunta sobre possíveis coligações ou acordos com o Chega. O seu “não” veio acompanhado de um adendo — “porque não precisamos” — que dançou nos palcos mediáticos como uma estrela principal. “Não, é não!”, quis clarificar mais tarde. Mas o dito já tinha ganho vida própria, um pormenor transformado em manchete, um ator secundário a roubar a cena.
Entretanto, Pinto da Costa, presidente do FC Porto, numa entrevista à SIC onde se discutiam os dramáticos eventos da problemática Assembleia Geral, solta a frase “ninguém foi parar ao hospital”. Uma tentativa de amenizar os factos, talvez, mas o que ficou foi o eco dessa frase, que sobrepôs toda e qualquer condenação à violência que tivesse sido expressa. A narrativa fixou-se na desvalorização percebida, não nas intenções declaradas. Um simples pormenor que se tornou o foco, ensombrando o resto da conversa.
E num triste jogo do destino, naquela madrugada, um segurança de André Villas Boas foi agredido, terminando, ironicamente, onde o presidente disse que ninguém tinha ido parar — no hospital. Um pormenor a tornar-se, mais uma vez, o protagonista da história.
E quem não se lembra da infeliz frase “é chato”, soltada por Bruno de Carvalho enquanto a poeira dos ataques à Academia de Alcochete ainda estava no ar? Esse deslize verbal, aparentemente menor, espelhou-se na mesma superfície reflexiva que recentemente expôs Pinto da Costa: a aparente trivialização da violência. Esse pequeno lapso que, na sua minúscula estatura, acabou por contribuir para a gigantesca queda do ex-presidente sportinguista. Passaram-se cinco anos, e o eco desse “é chato” ainda ressoa, marcado, inclusive, para muitos, como o momento mais negro daquele já sombrio 15 de maio de 2018.
Existem, porém, nuances que deslizam pela realidade sem deixar rasto, desaparecendo como se nunca tivessem sido, mas que, se captadas, poderiam reorientar completamente o rumo dos acontecimentos. Será por vício profissional, esta minha fixação nos detalhes e nos pormenores? Ou talvez seja uma aguçada sensibilidade aos meandros da comunicação humana. Esta semana, detive-me em reflexões do género: e se estes pormenores não tivessem passado despercebidos? Façamos o exercício.
Na dança das palavras de uma entrevista, cada passo conta, e Fatawu, emprestado pelo Sporting ao Leicester, pautou o ritmo. À revista sul-africana Soccer Laduma, deslizou numa justificação coreografada sobre o porquê de ter tido pouco espaço no plantel leonino. “É apenas o que o treinador quer e como faz o planeamento da equipa(…); é tudo sobre o treinador”, declarou, trocando um simples “não faço parte dos planos” por uma revelação do ‘planeamento’. Será que a palavra lhe escapou por entre os dedos do discurso? Talvez sim, talvez não. Mas o detalhe é uma chama: ilumina quem realmente segura a batuta na orquestra verde e branca.
Frederico Varandas e Hugo Viana, tantas vezes, tentam reivindicar a autoria da sinfonia, mas a nota solta de Fatawu ressoa com a clareza de uma verdade incontornável: o maestro é Rúben Amorim. Para o coração do adepto sportinguista, talvez seja música para os ouvidos. Contudo, não podemos deixar de especular: que melodia estaria a ecoar no reino do leão, se este pormenor – com toda a carga que pode carregar – estivesse sob os holofotes, ao invés de permanecer numa oitava mais discreta?
Na conferência de imprensa que precedeu o inesperado adeus do Futebol Clube do Porto à Taça da Liga, Sérgio Conceição, tecelão das táticas azuis e brancas, fez uma observação curiosa. Apontou que o Estoril, outrora um conjunto de estrelas solitárias que superou os dragões no campeonato, havia encontrado a sua harmonia no coletivo. E quem é o maestro por trás desta orquestração? O treinador, claro. Vasco Seabra. Que tinha substituído Álvaro Pacheco. Embora já há algumas jornadas, é certo, mas terão as palavras do treinador portista a intenção de comprar ambos? Ou apenas referir que o trabalho de Vasco Seabra segue uma natural evolução?
De uma ou outra maneira, parece ter existido uma intenção clara naquele pormenor, mas que passou ao largo das manchetes.
Também nos últimos dias, embora não através de um pormenor, os trabalhadores do grupo Global Media tentam, através de várias iniciativas – sendo a mais chocante uma greve que impossibilitou o Jornal de Notícias de, pela primeira vez em 135 anos, não ir para as bancas – lutar contra um iminente despedimento coletivo no grupo. Não se trata de um mero pormenor, mas de um grito estridente por dignidade, um eco de resistência que, espero, reverbere com a força dos pequenos grandes atos, que não passam despercebidos, que não são esquecidos. Às vozes dessa luta, dirijo um fraterno pensamento: que a vossa causa se inscreva na história como os tais pormenores. Não como os que passam despercebidos; mas como os que têm a força de mudar o rumo dos acontecimentos e permanecer para sempre na memória das pessoas. Força!