Visto à lupa: o que o campeão Sporting nos ensinou

    Sporting

    Podia muito bem ser um conto de fadas esta bonita história que hoje vos conto, de um jovem muito inteligente que soube esperar pela sua vez de brilhar. “E se corre mal?”, perguntaram-lhe na primeira conferência de imprensa como técnico leonino, ao que ele respondeu, convicto de si mesmo e dos seus jogadores, “E se corre bem?”. Terminou, deste modo, há uns dias, mais um capítulo da bonita história de Rúben Amorim com o Sporting Clube de Portugal.

    Os verdes e brancos conquistaram mais uma vez a Liga Portuguesa, a segunda do jovem técnico português ao leme dos leões. Este é o 20º troféu da equipa de Alvalade no que há conquista de campeonatos nacionais diz respeito, numa época especialmente saborosa para todos os adeptos de bom futebol, em especial para os adeptos leoninos, que viram a sua equipa praticar um futebol bastante atrativo.

    No último mercado de verão, os leões limitaram-se a fazer três contratações: Viktor Gyökeres, Morten Hjulmand e Iván Fresneda. Um trio que, no total, custou quase 50 milhões de euros, sendo que o sueco e o dinamarquês, como bem sabemos, se revelaram absolutamente preponderantes na conquista do campeonato, saltando diretamente para o onze titular leonino logo no início da temporada.

    A estes, há que juntar Eduardo Quaresma e Geny Catamo, que tinham sido emprestados na temporada transata, e Daniel Bragança, que não somou um único minuto oficial em 2022/23 por conta de problemas físicos. Os três “reforçaram” o plantel leonino e desempenharam papéis fundamentais – cada um à sua maneira – na conquista do 20º título da história dos leões.

    Ora, esta forma de atuar no mercado, mais cirúrgica e ponderada, contrasta com aquilo que o Sporting tinha feito um ano antes, num verão no qual contratou sete jogadores, sendo que uma boa parte deles teve pouco ou nenhum efeito positivo na equipa, como foram os casos de Rochinha, Arthur Gomes ou Sotiris Alexandropoulos. E isto para não falar de Héctor Bellerín e Mateo Tanlongo, que chegaram a Alvalade no mercado de inverno. Não é por acaso que nenhum deles ficou no plantel escolhido por Rúben Amorim para 2023/24, depois de uma temporada desastrosa, que culminou sem a conquista de títulos e num penoso quarto lugar no campeonato.

    Claro que, agora, é mais fácil falar. Se Gyökeres e Hjulmand tivessem fracassado – ou se, pelo menos, não tivessem tido este grande impacto que tiveram no Sporting -, criticar-se-ia o avultado investimento que obrigaram o clube a realizar nas suas transferências. Mas não foi isso que aconteceu, o que, por sua vez, não foi obra do acaso: nota-se, pela forma como Amorim trabalhou este Sporting, que o avançado e o médio foram contratados para corresponderem a uma ideia de jogo, a uma forma de jogar específica. Por outras palavras, para encaixarem no perfil idealizado pelo treinador, ao invés de chegarem para fazer número, como aconteceu noutras ocasiões, com outros jogadores que pouco ou nada acrescentaram.

    Sporting CP adeptos
    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    Pois bem, no que às partidas em si diz respeito, o Sporting começou muito bem o campeonato – tal como um campeão deve começar -, tendo conquistado 28 pontos em 30 possíveis, nas primeiras dez jornadas, sendo a maioria deles com relativa facilidade. Apenas à 11ª jornada apareceu a primeira derrota, no dérbi com o SL Benfica, num jogo de características singulares, em que os encarnados, contra apenas dez elementos sportinguistas, marcaram dois golos já no tempo de compensação.

    Veio, depois, um período mais conturbado, se é que assim se pode dizer, com uma derrota em Guimarães, frente ao Vitória SC (3-2), já depois de um empate a duas bolas em Bérgamo, contra a Atalanta BC, para a Liga Europa. No entanto, esse período menos bom até catapultou a equipa leonina para um patamar superior, logo com uma vitória clara no clássico frente ao FC Porto (2-0), em Alvalade, ficando, posteriormente, 19 jogos sem perder (que se podem estender para 20, caso não perca frente ao GD Chaves, na última jornada), contabilizando, nesse período, 18 vitórias e apenas um empate, o que se traduziu em 55 pontos conquistados em 57 possíveis. Um registo verdadeiramente impressionante!

    No meio desta caminhada, destaco o dérbi, em Alvalade, frente ao Benfica, num jogo de tudo ou nada para a equipa encarnada (estava a quatro pontos do Sporting). E, de facto, os leões triunfaram por 2-1, com dois belos golos do “renascido” Geny Catamo (o segundo já no período de descontos), o que deixou os encarnados a sete pontos da liderança, tendo ficado a faltar apenas seis jogos para o término da competição. Ser campeão, embora com muito trabalho e competência pelo meio, estava mesmo “destinado” para os lados de Alvalade.

    Relativamente à parte tática, todos já vimos muitos jogos do Sporting de Amorim, e, apesar das nuances apresentadas ao longo dos anos – muito por culpa da inevitável entrada e saída de jogadores – o sistema mantém-se constante. Ainda que pequenas mudanças o possam transformar num 4-4-2 ou num 3-4-1-2 em alguns momentos do jogo, dependendo também dos jogadores que se encontram em campo, o ponto de partida ao longo destes anos continua a ser o 3-4-3.

    Este sistema pode apresentar algumas dificuldades com meio-campos a 3 ou 4 elementos, mas os médios a dividir espaço, bem como a possibilidade de os centrais serem rápidos a saltar aos adversários entrelinhas, pode resolver a generalidade dos problemas.

    Contudo, nem sempre assim foi. Por vezes, a equipa de Rúben Amorim escolhe resguardar-se, em particular com adversários com outros predicados e/ou em situações específicas do jogo. Quando isso acontece, a equipa apresenta-se num bloco curto, e aí sim, num 5-4-1 de poucos metros.

    Junte-se a isto uma linha defensiva bem coordenada, e que frequentemente tira espaço nas costas pela leitura dos comportamentos do adversário, bem como uma forte transição defensiva, que recupera muitas vezes a bola logo após perdê-la. Em vários jogos e em momentos determinantes da época, o Sporting demonstrou ser uma equipa paciente no momento defensivo, sabendo esperar pelo momento certo para recuperar a bola e logo ferir o adversário, muito por culpa da grande capacidade de atacar a profundidade trazida por Gyökeres.

    O Sporting foi, por isso, a equipa com o processo de jogo mais competente – defensivo e ofensivo – e isso é sempre o mais determinante para o sucesso. Além da qualidade do treino, visível nos comportamentos de jogo, foi também admirável na valorização das individualidades, tanto na perceção dos reforços certos para posições críticas, com as inatacáveis escolhas de Gyökeres e Hjulmand, como na recuperação de Paulinho, na explosão de Trincão, no crescimento de Bragança, na perceção do que podia vale Geny Catamo e no relançamento da carreira de Quaresma, mesmo com os problemas, a nível de qualidade e lesões, na baliza, tendo alternado entre Antonio Adán e Franco Israel. Como é óbvio, não nos podemos esquecer das grandes épocas realizadas por Sebastián Coates e Gonçalo Inácio, na defesa, Nuno Santos, na ala esquerda, e Pedro Gonçalves, tanto no miolo como no ataque.

    Pedro Gonçalves Pote Franco Israel no Sporting x Benfica
    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    Assim sendo, se tantas vezes colocamos os treinadores em questão pelos seus trabalhos, temos também de os saber elogiar quando realizam bons trabalhos. Rúben Amorim não desistiu do 3-4-3 apesar de duas épocas sem conseguir vencer o campeonato, adaptou-o, melhorou-o e soube tirar o maior proveito dos seus jogadores para tal. Não há dúvidas do impacto da sua liderança e pela aproximação com que trouxe a sua equipa aos adeptos. O sucesso do treinador português não é aleatório e acredito que nos próximos anos possamos comprovar uma vez mais o porquê de ser discutido como um dos melhores treinadores de sempre do Sporting, seguramente o melhor, pelo menos desde os violinos.

    O futebol é contexto, sempre. Quando a maioria dos jogadores parece melhor do que antes é porque o contexto tático (e do clube) os favoreceu. Quando a maioria parece pior, é porque o contexto falhou, na equipa e no clube. Benfica e FC Porto são hoje exemplos da última conclusão, o Sporting da anterior, naturalmente. Os campeonatos ganhos também se explicam assim.

    Acredito que os treinadores têm duas competências fundamentais: as genéricas, exigíveis a líderes em qualquer atividade – e que são relativas a empatia, gestão de grupo, relacionamento ou capacidade de comunicar -, e as específicas, que no futebol são essencialmente treino e jogo, criar um e gerir o outro, ligados como gémeos siameses.

    Quando louvamos Pep Guardiola ou Jürgen Klopp não é difícil admitir que são ambos fortes nas duas dimensões. Olhando para a realidade do campeonato português, a sensação que tenho – não vivendo o dia a dia dos clubes, mas recolhendo atentamente sinais diários – é de que Roger Schmidt é mais forte nas competências genéricas e Sérgio Conceição mais eficaz nas específicas. Rúben Amorim é forte em ambas, mais equilibrado, e por isso mais completo.

    E, de novo, os campeonatos ganhos também se explicam assim.

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    Raul Saraiva
    Raul Saraiva
    Jovem entusiasta e curioso, o Raúl tem 18 anos e está prestes a ingressar na Universidade. O seu objetivo é fazer jornalismo, de preferência desportivo, até porque a sua paixão pelo desporto é infindável e inigualável. Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora ver, falar e escrever sobre futebol, nunca fugindo às táticas envolvidas no mesmo. O desporto-rei é, assim, a sua grande paixão e o seu refúgio para escapulir nos momentos em que a sua grave doença se faz sentir. Ainda assim, também se interessa bastante por NBA, futsal, hóquei em patins, andebol, voleibol e ténis. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser diferente. Escreve com acordo ortográfico.