A forma tão dominante como o Inter de Milão ganhou o “scudetto” 2023/24 não é surpresa para ninguém. A equipa esteve muito acima do resto do campo a todos os níveis, graças ao mestre Simone Inzaghi, e aos jogadores, que têm executado o plano de jogo com uma eficiência incrível. As eliminações surpreendentes na Taça de Itália e na Liga dos Campeões impediram que o Inter tivesse uma temporada ainda melhor, no entanto, é expectável que o clube volte a ser uma força a ser reconhecida na Itália e na Europa na próxima temporada.
O Inter era uma equipa muito boa sob o comando de Antonio Conte e o italiano merece todos os créditos por ter levado o clube ao seu primeiro título da Serie A em 11 anos. É um dos poucos treinadores de elite que consegue jogar com sucesso numa formação de cinco defesas com laterai/alas e dois avançados. Infelizmente para ele e para o legado no Inter, um homem que usa a mesma formação e com ainda melhores resultados é o seu sucessor no clube italiano: Simone Inzaghi.
Depois dos erros de há dois anos, que “ofereceram”, embora com claro e inequívoco mérito do vencedor, o título ao eterno rival AC Milan, e das dificuldades do ano passado, que puseram em causa o seu trabalho, o treinador oriundo de Piacenza conduziu os “nerazzurri” ao objetivo declarado no início da época, o 20º “scudetto” da história do clube.
Uma das razões fundamentais para o sucesso crescente de Inzaghi desde que se juntou à equipa em 2021 é a abordagem diferente à estratégia de transferências em comparação com Conte antes dele. Enquanto Conte se baseou em contratações de grandes nomes por verbas elevadas, não mais do que Romelu Lukaku por 80 milhões de euros, a contratação mais cara de Inzaghi foi Joaquin Correa por “apenas” 33 milhões de euros.
Vale a pena notar também que a maior parte da equipa vencedora de Conte já se foi embora, enquanto Inzaghi procurou reunir o seu próprio plantel através de negócios baratos e transferências gratuitas de jogadores em fim de contrato. As principais chegadas foram, de facto, a custo zero. Henrikh Mkhitaryan, Hakan Çalhanoglu e, mais recentemente, Marcus Thuram foram todos sucessos retumbantes e, coletivamente, não custaram nada à Inter em taxas de transferência.
Assim sendo, para onde quer que se olhe, Inzaghi tem feito contratações inteligentes e económicas, a maioria das quais tem sido um sucesso tremendo. Quando se leva em conta também a sua capacidade de tirar o melhor proveito das contratações e, às vezes, reinventar carreiras, falamos de um técnico que merece todos os elogios que recebe.
É difícil dizer se o plantel deste ano é superior ao do ano passado, mas a impressão é de que se ofereceu grande continuidade do ponto de vista do jogo, com as adições do verão imediatamente capazes de encontrar o seu lugar no onze e de se mostrarem decisivas: além de Sommer e Marcus Thuram, de quem se poderia esperar algo, dado seu papel de titular, Bisseck, Carlos Augusto e Frattesi foram amplamente promovidos e importantes, mesmo que menos utilizados.
Relativamente à parte técnico-tática, o sistema-base utilizado por Inzaghi não é idêntico e tem nuances diferentes do de Conte, mas o princípio é semelhante. No entanto, Inzhagi usa-o de forma diferente: o seu estilo é mais progressivo e mais fluído. Muitas vezes, a sua equipa controla grandes períodos de jogo contra adversários mais fracos, confundindo-os com defesas centrais e laterais sobrepostos, além de colocar vários jogadores na área.
Defensivamente, Inzhagi organiza a sua equipa de modo a ser compacta, enquanto ataca num 3-5-2, defendendo num 5-3-2, principalmente num bloco baixo. A ideia é pressionar a partir da frente assim que a construção do adversário abranda e o resto da equipa sobe para mantê-la compacta. À semelhança do impressionante desempenho ofensivo da equipa, o Inter tem sido igualmente forte em termos defensivos. Sofreu apenas 20 golos na Serie A, com apenas um jogo por disputar, sendo a segunda melhor defesa a do Bolonha, com mais dez golos sofridos.
A verdade é que Inzaghi não tem um estilo definido porque pede à sua equipa que se adapte a diferentes situações. O Inter pode jogar um futebol de posse, um focado mais em contra-ataques e transições rápidas e outro em bolas longas, tudo no mesmo jogo. É uma caraterística rara para um dos treinadores de elite da Europa ser tão adaptável como Inzaghi, mas é refrescante ver alguém que não seja demasiado teimoso e não tenha medo de ter um plano B.
Canalizando energias para o plano individual, Çalhanoglu, na base do meio-campo, tem sido uma revelação, algo que poucos teriam previsto, dadas as suas exibições inconsistentes como médio-ofensivo no AC Milan. Da mesma forma, parecia que os melhores dias de Mkhitaryan tinham acabado antes da sua chegada, mas ele tem sido um dos jogadores mais consistentes da Inter e é o habitual criativo por trás dos atacantes Lautaro Martinez e Thuram.
Quanto a Thuram, também havia pontos de interrogação sobre ele depois do Inter não ter conseguido fazer regressar Romelu Lukaku por empréstimo no verão. O atacante francês não era visto pelos adeptos como a solução ideal e poucos acreditavam que ele se destacaria como tem feito. Embora a sua produção de golos seja semelhante à de Lukaku, a maioria dos críticos concorda que a parceria de Thuram e Martínez tem sido mais eficaz e que o seu jogo global é melhor do que o do internacional belga.
Thuram e Lautaro desenvolveram uma forte conexão dentro de campo. Lautaro Martínez tem sido o centro das atenções e com razão – o argentino tornou-se um avançado de classe mundial sob o comando de Inzaghi, marcando mais de 20 golos na Serie A em todas as épocas desde que o italiano se tornou treinador. Mas Thuram tem sido tudo o que se pode pedir e desejar de um companheiro de ataque. O francês nunca pára de correr, procura a profundidade, abre nas alas e incomoda constantemente os defesas, libertando espaço para Lautaro.
Além dos treze golos marcados na Série A, Thuram contabiliza ainda sete assistências, sendo quatro delas para Martínez. Com a chegada da próxima temporada, a dupla de avançados deverá entender-se ainda mais, o que é uma perspetiva assustadora para os defesas participantes da Serie A e da Liga dos Campeões.
Regressando a Inzaghi, o facto de o mesmo ter apoiado plenamente as prioridades do clube, optando por apontar decisivamente para a conquista do campeonato, mesmo quando o calendário sugeria uma concentração nos compromissos europeus, que foram colocados em segundo plano, também foi um dos seus diversos méritos.
Um exemplo claro disso é a decisão de fazer descansar muitos dos seus melhores jogadores nos jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões para os ter em forma na Série A, apesar da vantagem na classificação da prova.
Ora, tendo em conta tudo isto, não deve ter sido fácil, por uma vez, disputar o campeonato como favorito e conseguir corresponder às expectativas. Este ano, de facto, sem contar com a perturbação da Juventus na primeira metade da época, o Inter foi sempre a equipa a bater e, apesar da inevitável “pressão” relacionada com a conquista do título, a equipa não falhou do ponto de vista psicológico. Pelo contrário, entusiasmou-se e fez com que este golo parecesse normal. Por outro lado, muitos “nerazzurri” nunca tinham ganho nada na sua carreira com esta camisola e o seu triunfo poderia não ter sido tão óbvio.
A consequência do trabalho de Inzaghi também pode ser analisada de um ponto de vista económico: graças aos desempenhos e resultados, o plantel do Inter valorizou-se, e não foi pouco. Hoje em dia, muitos dos seus melhores intérpretes podem facilmente ser considerados jogadores europeus de topo: para além de Lautaro Martínez, esta época consagrou também jogadores como Leandro Bastoni e Federico Dimarco, que se tornaram excelências italianas capazes de dar provas na Europa, desempenhando também um papel importante na seleção italiana. Como prova disso, este sucesso consagra também Inzaghi, que atingiu agora o estatuto de grande treinador com projeção europeia.
E eu diria que ele não tem sido elogiado o suficiente. Com todas as atenções da Europa nesta temporada voltadas para o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso, o Bolonha de Thiago Motta e o Girona de Michel, o Inter de Inzaghi passou injustamente algo despercebido. O italiano raramente aparece entre os nomes mencionados nos meios de comunicação social a propósito do carrossel de treinadores deste verão. Mas talvez devesse estar.
É que o Inter de Inzaghi vai reforçar-se ainda mais no mercado de transferências (como seria de esperar com um orçamento maior) e vai procurar ganhar em todas as frentes. Se este ano o clube ficou aquém das expectativas na Europa, na próxima época espera-se que esteja mais preparado – uma força europeia a levar a sério.
Afinal, nas três épocas de Inzaghi como treinador do Inter, o clube venceu a Taça de Itália duas vezes (em 2021/22 e 2022/23), chegou à final da Liga dos Campeões (em 2022/23) e venceu a Serie A (em 2023/24). Se Inzaghi conseguir juntar as melhores partes de cada uma das suas três primeiras épocas numa só campanha, o Inter poderá ver-se a disputar uma tripla vitória no próximo ano, embora tudo isto seja um cenário hipotético e, com a competitividade existente na Itália, difícil de concretizar – mas não impossível.