Sérgio Conceição e o FC Porto: O fim de uma era

    FC Porto Cabeçalho

    A 8 de junho de 2017, Sérgio Conceição foi apresentado como novo treinador do FC Porto, depois de quase quatro anos sem conquistas no Dragão e da instabilidade que foi de Paulo Fonseca a Nuno Espírito Santo, passando por Luís Castro, Julen Lopetegui e José Peseiro. O antigo jogador do clube falou do “concretizar de um sonho” e prometeu “conquistar títulos”.

    Passados sete anos e 2552 dias daquela conturbada chegada ao FC Porto, Sérgio Conceição fecha uma das mais marcantes eras da história dos bancos do futebol português. O técnico mais duradouro da presidência de Jorge Nuno Pinto da Costa sai simultaneamente com o ex-presidente, fazendo-o como uma estátua no museu dos dragões e recheado de registos máximos do clube: onze títulos erguidos (recorde), 378 jogos orientados (recorde) e 273 vitórias (recorde).

    Sérgio Conceição a treinar o FC Porto
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    O tempo de Sérgio Conceição no Dragão trouxe, de novo, a glória para os azuis e brancos. Quando o técnico chegou, viviam-se tempos de clara hegemonia do SL Benfica, que acabara de conquistar o tetra. Há quatro épocas seguidas sem ganhar, o FC Porto passava pela maior seca desde os 19 anos de interregno entre 1959 e 1978. Aliás, nas sete temporadas anteriores a Conceição, um ciclo iniciado curiosamente por André Villas-Boas, em 2010/11, com o pleno de campeonato, Taça de Portugal, Liga Europa e Supertaça, os dragões arrecadaram menos um, apenas dez.

    Sérgio deu a volta a essa escassez de triunfos, com três ligas, três Supertaças, uma Taça da Liga e quatro Taças de Portugal. O mérito desses títulos que Conceição encaminhou para o museu é maior sobretudo pelo constante desinvestimento no grupo de trabalho, consequência do avolumar das dificuldades financeiras. Não é à toa que todos reconhecem que fez muito com pouco. A despedida foi no Jamor, com o 11º e último troféu erguido, já com Pinto da Costa de saída, André Villas-Boas a entrar e a sensação clara de que, a partir da renovação antes das eleições, o destino de Conceição estava umbilicalmente ligado ao homem que liderou o FC Porto durante 42 anos.

    RECORDES, TÍTULOS E MUITA COMPETITIVIDADE

    O termómetro da controvérsia poderia variar de intensidade, mas os dias do antigo extremo no banco do Dragão devolveram os êxitos pintados de azul e branco. Quando Sérgio Conceição chegou do Nantes, em 2017, o FC Porto nada ganhava desde agosto de 2013, quando ergueu a Supertaça.

    Na época inaugural do ciclo que agora se fecha, os penáltis assumiram-se como uma maldição que se consolidaria nos anos vindouros. Naquela época, o Sporting CP de Jorge Jesus eliminou, no desempate, o FC Porto da Taça de Portugal e da Taça da Liga. A malapata teve continuidade em 2019, com os leões a voltarem a impor-se nos penáltis da Taça e da Taça da Liga, e em 2024, com a eliminação frente ao Arsenal FC, na Liga dos Campeões.

    Para que a era de Sérgio Conceição tenha durado tanto tempo, o primeiro título teve importância fundamental. E essa conquista ficará para sempre ligada a um pontapé de um mexicano.

    Na jornada 30 da Primeira Liga 2017/18, os dragões entraram na Luz em segundo lugar, a um ponto do Benfica de Rui Vitória, que poderia conquistar o pentacampeonato. Mas um tiro de Héctor Herrera, ao minuto 90, deu o triunfo aos visitantes, que não mais saíram da liderança, conquistando o primeiro título com Conceição e acabando com quase cinco anos de jejum.

    Sérgio Conceição no FC Porto
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    No total, foram 11 provas nacionais conquistadas, um recorde no clube. Três campeonatos — nenhum técnico português tem mais —, quatro Taças, três Supertaças e uma Taça da Liga. No mesmo período, o Benfica venceu quatro troféus (duas Ligas e duas Supertaças) e o Sporting sete (dois campeonatos, uma Taça, três Taças da Liga e uma Supertaça).

    Além destes êxitos, atesta-se bem a regularidade competitiva do FC Porto de Sérgio Conceição constatando que, quando não ganhou, esteve quase sempre perto, talvez com exceção desta conturbada época final. Entre 2017/18 e 2022/23, os azuis e brancos foram de uma notável constância: ou ganharam o campeonato ou ficaram em segundo, ou ganharam a Taça de Portugal ou chegaram, pelo menos, às meias-finais, sendo que só não atingiram a final four da Taça da Liga em 2021/22.

    Não obstante, a temporada de despedida trouxe, claramente, os piores registos de Conceição. Jamais ficara fora dos dois primeiros da I Liga, mas foi terceiro; nunca fizera menos de 80 pontos, mas fez 72; nunca perdera mais do que quatro vezes no campeonato, mas perdeu seis. Sinais de um evidente desgaste técnico-tático, mas, sobretudo, emocional.

    Ter escrito o epílogo erguendo a Taça de Portugal serviu para amenizar as dores de 2023/24. Internacionalmente, também houve campanhas bastante relevantes, com duas presenças nos quartos-de-final da Liga dos Campeões, o limite máximo para clubes portugueses nas duas últimas décadas, desde o histórico êxito do FC Porto de José Mourinho — com Conceição no plantel, mas não inscrito na Champions porque, na primeira metade da época, jogou pela SS Lazio. De resto, numa das épocas, caiu nas pré-eliminatórias com os russos do Krasnodar e, depois, nos 16 avos da Liga Europa.

    O auge da era Sérgio Conceição terá mesmo acontecido na época 2021/22. Nessa campanha, o FC Porto chegou aos 91 pontos na I Liga, um novo máximo histórico. Atingiu, também, 58 jornadas seguidas sem perder, outro recorde.

    Na temporada em que o brilho de Luis Díaz até janeiro foi sucedido pela aposta em Fábio Vieira e Vitinha, desenhando um FC Porto de maior qualidade técnica e protagonismo da formação, os dragões ganharam o campeonato e a Taça. No ano seguinte, juntou-lhes a Supertaça e a primeira Taça da Liga azul e branco. Entre janeiro e maio de 2023, quando o Benfica selou o título da Primeira Liga, Sérgio Conceição foi detentor de todos os troféus nacionais.

    Apesar do longo reinado, a era Conceição não foi uma suave viagem de estabilidade. Entre conflitos internos e externos, expulsões e várias quase saídas, este caminho foi mais uma maratona em forma de montanha-russa.

    A QUASE SAÍDA EM BRAGA E A “DISCUSSÃO” COM DANILO

    A 25 de janeiro de 2020, o FC Porto perdeu na final da Taça da Liga contra o SC Braga, na segunda derrota em dois embates contra um novo rival: Rúben Amorim. No final da partida, Sérgio Conceição lançou uma “bomba”: “É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano sem reforços e sem dinheiro. No segundo, falta de verdade desportiva. E neste ano sem união dentro do clube. Fica difícil… Neste momento o meu lugar está à disposição do presidente”.

    O colocar do lugar à disposição não se concretizou em saída. Pouco depois, o desporto e a vida parariam devido à pandemia e, no recomeço do futebol, o FC Porto conquistaria mesmo a Primeira Liga, recuperando sete pontos de desvantagem para o Benfica, e a Taça de Portugal, mas o episódio de Braga mostra bem que a continuidade ao longo de sete anos nem sempre significou acalmia.

    Sérgio Conceição Vítor Bruno
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    Os recados para dentro foram-se sucedendo. Em janeiro de 2022, depois da saída de Luis Díaz para o Liverpool, lamentou que houvesse “pouco planeamento”, sendo preciso “rever os objetivos e pensar no futuro próximo”. Com uma mensagem semelhante à que lançaria depois da eliminação contra o Inter, na Liga dos Campeões 2022/23, descrevendo o que julgava serem fragilidades no plantel, o técnico lembrou as baixas que foi tendo: “O Corona foi o melhor há dois anos, o Sérgio (Oliveira) o ano passado e o Luis Díaz agora. Hoje tinha dois laterais, dois centrais e dois meninos no banco. Mas faz parte do meu trabalho, de tentar encontrar soluções numa situação muito difícil onde claramente o aspeto financeiro foi mais forte que o possível sucesso desportivo”.

    Insistindo na tecla do dinheiro existente no clube, em outubro de 2022, o treinador recordou os títulos e êxitos dentro do campo que vinha tendo, no que entende ser um contraste com a economia azul e branco. “O lado financeiro não tem correspondido ao sucesso desportivo”, atirou.

    Nas últimas semanas, quando a vitória de Villas-Boas nas urnas fez sentir que o tempo de Sérgio Conceição estava a acabar, o técnico voltou a nomear os obstáculos que entende que teve de superar ao longo destes sete anos. Estar debaixo da alçada do fair-play financeiro quando chegou ao FC Porto, as contingências da pandemia ou a instabilidade causada pelas eleições foram, no entender de Conceição, fatores que foram prejudicando o seu trabalho. E, realmente, foram, o que engrandece ainda mais os seus feitos.

    A sintonia total entre o presidente e o técnico que agora saem nem sempre existiu. Em março de 2023, quando um bate-boca entre ambos quase levou à rutura, Pinto da Costa respondeu à tese da falta de dinheiro colocado no plantel defendida por Sérgio Conceição: “Não é verdade que haja falta de investimento. Comprámos o Grujić por €10 milhões, Veron por €10 milhões, David Carmo por €20 milhões e mais jogadores como Eustáquio e outros. Não houve falta de investimento”.

    Outra escaramuça interna surgiu em julho de 2019, na pré-época que antecedeu 2019/20. O FC Porto encontrava-se a estagiar no Algarve quando, num jantar, se deu uma discussão entre Sérgio Conceição e Danilo Pereira, que era o capitão de equipa. Notícias de então garantiram que o técnico questionou o estatuto de dono da braçadeira do campeão europeu e ordenou que este abandonasse o estágio.

    No Porto Canal, Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, confirmou ter havido “uma discussão”, mas desvalorizou o assunto. As pazes foram feitas e Danilo ainda faria mais uma temporada no clube.

    A era Sérgio Conceição terminou, aliás, com quatro jogadores do plantel afastados dos trabalhos da equipa. André Franco, Toni Martínez, Iván Jaime e Jorge Sánchez estiveram, nas últimas semanas da época, separados do restante grupo, treinando à parte. “Para jogar no FC Porto não basta ter contrato”, justificou o técnico.

    EXPULSÕES E POLÉMICAS

    Se internamente foram existindo diversos focos de conflito, com o exterior a relação não foi mais pacífica. Quando chegou ao FC Porto, Conceição já vira o vermelho 10 vezes, num percurso iniciado em 2011/12, no SC Olhanense.

    Fiel a esta história de expulsões, a temporada final de Sérgio começou e acabou com ordem de saída do banco de suplentes. Na Supertaça, em agosto, viu o vermelho no jogo contra o Benfica, tal como no Jamor, frente ao Sporting.

    Em 2022/23, quando viu o vermelho frente ao CS Marítimo, disse, ironicamente, que tinha de “ter cuidado”, porque “olhar para o árbitro ou ter uma opinião sobre se é alto, baixo, fraco, competente ou não competente são motivos de expulsão”.

    Se com Rúben Amorim, o mais recorrente e competente adversário dos últimos quatro anos e meio desta jornada, a relação foi sempre cordial e até acabou com as referências às “cervejinhas”, com outros colegas a coisa não foi semelhante. No começo do período do agora ex-técnico dos dragões, a convivência com Rui Vitória, então no Benfica, foi particularmente difícil.

    Conceição chegou a acusar o antigo selecionador do Egito de o fazer “lembrar um boneco que o filho tem em casa”, que “não tem expressão”, mas sim “um botão agressivo que se carrega para ser agressivo” e “outro botão em que se carrega para ser “modo padre””.

    Outros momentos de especial tensão sucederam com Pedro Ribeiro, quando, em dezembro de 2019, o técnico da B SAD se queixou de ter sido agredido por Conceição. Houve ainda o ataque ao carro da família do técnico, após o 4-0 sofrido contra o Club Brugge KV em 2022, e a recente acusação de agressão a um árbitro num torneio de sub-9 em Espanha.

    Sérgio Conceição sai do FC Porto com o mel da glória do Jamor ainda nos lábios, mas sem esconder que este foi “o ano mais difícil”. Tudo culminou com um conflito com um dos seus homens de confiança. Depois de muitas semanas em que a tal “reunião” com André Villas-Boas sempre soou a formalidade antes do adeus inevitável, a saída do treinador abre um novo período nos dragões, sem o presidente que presidiu durante 42 anos e sem o treinador que treinou durante sete.

    Em 2017, a aposta de Pinto da Costa em Sérgio Conceição era de enorme importância para o histórico líder. O jejum de títulos prolongava-se, o Benfica dominava o futebol português e, quando o tempo já ditava que estaríamos na parte final da presidência mais duradoura do desporto nacional, ter uma despedida com títulos era de máxima importância. Ao longo de 2552 conturbados dias em que, para o bem e para o mal, Conceição pareceu a única cara do futebol profissional do FC Porto, ganhando-se e perdendo por ele e com ele, os dragões voltaram à primeira linha da competitividade.

    Nunca será pela competência que Sérgio Conceição não continua no FC Porto. A conquista da Taça perante um Sporting que durante o ano sempre pareceu muito superior e se apresentava faminto por uma dobradinha que não conquistava há 22 anos é apenas mais uma prova. Se é que desta precisava.

    Para o FC Porto, abre-se um novo mundo, um ciclo de incertezas, sem as continuidades que marcaram o passado recente e distante. Para Sérgio Conceição, fecha-se uma era de enorme desgaste, em que o caráter do treinador se somou à solitária exposição mediática para criar um treinador que sozinho colheu louvores dos triunfos e sozinho recebeu os impactos da pressão de um banco altamente desgastante. O longo e conturbado casamento terminou.

    - Advertisement - Betclic Advertisement

    Sabe mais sobre o nosso projeto e segue-nos no Whatsapp!

    Bola na Rede é um órgão de comunicação social de Desporto, vencedor do prémio CNID de 2023 para melhor jornal online do ano. Nasceu há mais de uma década, na Escola Superior de Comunicação Social. Desde então, procura ser uma referência na área do jornalismo desportivo e de dar a melhor informação e opinião sobre desporto nacional e internacional. Queremos também fazer cobertura de jogos e eventos desportivos em Portugal continental, Açores e Madeira.

    Podes saber tudo sobre a atualidade desportiva com os nossos artigos de Atualidade e não te esqueças de subscrever as notificações! Além destes conteúdos, avançámos também com introdução da área multimídia BOLA NA REDE TV, no Youtube, e de podcasts. Além destes diretos, temos também muita informação através das nossas redes sociais e outros tipos de conteúdo:

    • Entrevistas BnR - Entrevistas às mais variadas personalidades do Desporto.
    • Futebol - Artigos de opinião sobre Futebol.
    • Modalidades - Artigos de opinião sobre Modalidades.
    • Tribuna VIP - Artigos de opinião especializados escritos por treinadores de futebol e comentadores de desporto.

    Se quiseres saber mais sobre o projeto, dar uma sugestão ou até enviar a tua candidatura, envia-nos um e-mail para [email protected]. Desta forma, a bola está do teu lado e nós contamos contigo!

    Subscreve!

    PUB

    Artigos Populares

    Portugal entra na Champions League em grande: ocupa os lugares de vaga extra para 2025/26

    Portugal viu Sporting e Benfica a vencerem na primeira jornada da Champions League. As equipas representam o país na competição.

    Champions League: eis a classificação ao final da primeira jornada

    A Champions League já se encontra a ser disputada, tendo esta quinta-feira finalizado a primeira jornada da competição.

    Bruno Lage sobre reforço de verão: «Não há jogadores do mister Roger Schmidt ou do Bruno Lage»

    Bruno Lage sucedeu a Roger Schmidt no comando técnico do Benfica. O português abordou a utilização de Jan-Niklas Beste.

    Espelho meu, espelho meu, o Real Madrid não jogou melhor do que eu | Sporting

    O Sporting foi derrotado pelo Real Madrid na primeira mão do playoff de acesso à Champions League Feminina.

    Eis o ranking UEFA depois da primeira jornada da Champions League

    O ranking UEFA é fundamental para se decidirem quantos postos nas competições europeias são entregues a cada país.
    Raul Saraiva
    Raul Saraiva
    Jovem entusiasta e curioso, o Raúl tem 18 anos e está prestes a ingressar na Universidade. O seu objetivo é fazer jornalismo, de preferência desportivo, até porque a sua paixão pelo desporto é infindável e inigualável. Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora ver, falar e escrever sobre futebol, nunca fugindo às táticas envolvidas no mesmo. O desporto-rei é, assim, a sua grande paixão e o seu refúgio para escapulir nos momentos em que a sua grave doença se faz sentir. Ainda assim, também se interessa bastante por NBA, futsal, hóquei em patins, andebol, voleibol e ténis. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser diferente. Escreve com acordo ortográfico.